PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO DE ATIVOS (LEI 13.254)–
CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS IMPORTANTES
Amplamente
divulgado pela imprensa, muito tem-se dito sobre o programa federal que permite
àqueles que possuem ativos (bens e direitos) não declarados no exterior
formalizá-los no Brasil, pagando imposto de renda (15%) mais multa (100% sobre
o imposto), totalizando 30%.
Formalizar não
significa obrigação de repatriá-los. Não é necessário trazê-los do exterior
para o Brasil. Suficiente apenas declará-los ao fisco brasileiro, é o que dispõe
a Lei 13.254, instituidora do Regime
Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou
direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente,
remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados
no Brasil. Dita lei abrange não apenas a regularização, com o pagamento,
dos crimes contra a ordem tributária, mas também dos crimes de lavagem de
dinheiro e de evasão de divisas.
Por isso a sigla
RERCT compreende regularização cambial e tributária. Tanto que, com um única
declaração feita à Receita Federal do Brasil (RFB) já estará automaticamente
informada a autoridade do Banco Central do Brasil (BCB) e, assim, juntamente
com o pagamento do tributo, restará afastado o risco patrimonial e penal, tanto
em relação à RFB, como em relação ao BCB. Isto porque existe também uma
declaração (DBE/CBE) devida ao BCB e exigida de quem detém USD 100 mil ou mais,
no último dia de cada ano (MP 2.224/01 e Resolução BCB 3.854/10), cuja não
entrega no passado, feita agora no âmbito
do RERCT, estará assim regularizada.
Os recursos
investidos, no passado, no exterior, não declarados ao fisco brasileiro
incorrem em 4 tipos de infrações às leis brasileiras: a) infração de natureza
patrimonial, ante o suposto [1] não pagamento de tributos
incidentes sobre tais recursos, no passado, quando foram gerados, por isso é agora
exigido o imposto à alíquota de 15%; b) infração de natureza penal, esta, de 3
naturezas distintas: b.1) crime contra a ordem tributária, isto é, sonegação
fiscal por ter sido omitida do fisco brasileiro informação sobre a existência
do patrimônio não declarado (Lei 8.137/90 e Lei 4.729/65) – prescreve em 12
anos; b.2) crime de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e
valores (Lei 9.613/98) – prescreve em 16 anos; b.3) crime de evasão de divisas
por ter sido realizada operação de câmbio não autorizada com o fim de promover
evasão de divisas (Lei 7.492/86) – prescrição ocorre em 12 anos (CP, art. 109).
A única dentre as
infrações apontadas acima cujo pagamento afasta, de regra, o risco penal por
resultar em extinção da punibilidade é o crime de sonegação fiscal (b.1). Nas
demais hipóteses de crime, seja de
lavagem de dinheiro (b.2), seja de evasão de divisas (b.3), o pagamento do
tributo devido não afasta o risco penal. E as prescrições penais para cada uma
dessas espécies são distintas, conforme atrás exposto, variando entre 12 anos e
16 anos.
Daí advém uma
primeira consequência: a adesão ao programa é obrigatória, principalmente se se
considerar que a partir de 01.01.2017 os bancos de mais de 100 países estarão
obrigados a franquear acesso às suas informações aos diversos fiscos ao redor
do mundo. Razão pela qual os próprios bancos estão se antecipando ao informar
aos estrangeiros que neles mantém depósitos, contas, investimentos, etc., para
prestarem contas aos seus respectivos fiscos até o final do corrente ano de
2016.
É aproveitando-se
dessa disclosure geral que diversos
países instituíram programas semelhantes aos brasileiros, alguns exigindo menos
e outros, muito mais que o fisco brasileiro.
Portanto, não se
trata de avaliar se se deve aderir ao programa brasileiro, porquanto não há
outra opção, uma vez que o nosso programa (Lei 13.254) prevê automático
compartilhamento entre o fisco e o Banco Central do Brasil (DBE/CBE),
dispensando o aderente de ter que prestar declaração ao BCB.
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Na verdade há,
sim, uma outra opção, além do RERCT, mas esta só é válida para contribuintes
brasileiros que detenham patrimônio não declarado no exterior superior a USD 410
mil no caso de bens enviados ao exterior antes de 2002, ou menor que isto se
enviados posteriormente. Atenção: como atrás apontado, existem duas declarações
que deixaram de ser prestadas às autoridades por aqueles que mantêm patrimônio
no exterior: uma ao fisco, outra ao BCB.
A obrigação de
prestar declaração devida ao fisco brasileiro abrange os últimos 5 anos. Já a
devida ao BCB, porque instituída a partir de 2002, pode retroagir no máximo aos
últimos 13 anos – a depender da data em que os recursos não declarados tenham
sido enviados ao exterior – e a multa exigida pelo BCB por declaração não
prestada ao Banco Central pode variar conforme algumas peculiaridades da
legislação aplicável, mas no geral tenderá a ser de R$ 25 mil/ano. Daí que,
considerando, conforme determinado pela Lei 13.254, o dólar americano para
conversão em moeda nacional a R$ 2,6562, USD 410 mil de patrimônio no exterior
equivale a imposto + multa de R$ 325 mil, equivalente, pois, à multa devida ao
BCB desde 2002, pelo total das declarações não entregues àquela instituição.
Dito de outro
modo, comparando a multa devida ao BCB fora do âmbito da Lei 13.254, com a
multa devida à RFB no âmbito da referida Lei, são equivalentes para um
patrimônio enviado e mantido no exterior, no passado e até 2001, não declarado,
de USD 410 mil. Portanto, para esse montante, é indiferente, do ponto de vista
financeiro, declarar dentro do âmbito da mencionada lei, ou fora dela. Já a
partir de patrimônios superiores, começa a ficar mais barato declarar fora da
referida Lei. Por exemplo, patrimônios não declarados e mantidos no exterior no
montante de USD 1 milhão, o custo de não aderir à lei corresponde a 12,24%, ao
invés de 30% se dentro daquela lei. Se o patrimônio existente no exterior for
igual a USD 10 milhões, o custo de não aderir à lei, utilizando como opção as
multas ao BCB, equivale a 1,22% ao invés de 30%.
Nota Importante 1: essa conclusão é válida
para as situações em que o patrimônio existente no exterior já foi tributado,
caso de rendimento do trabalho assalariado, ou não é tributável pelo IR, caso
de herança ou mesmo doação, ou então foi obtido antes de 2011, caso em que já decaiu
o direito do fisco de cobrá-lo.
Observar que essa norma legal introduziu uma “pegadinha”
ao tributar, inclusive exigir multas, sobre patrimônio que jamais seria
tributado no Brasil ou, mesmo, já se encontra decaído o direito de o Estado
Brasileiro exigir tributo. Pior ainda, impor sanções penais, por exemplo, nos
casos em que foi gerado há mais de 16 anos.
Notar que a
comparação feita acima tem por objeto aspectos meramente financeiros, ou seja,
custo de 30% dentro da lei (RERCT), comparado com o custo das multas devidas ao
BCB fora do âmbito daquela lei, comparação que vai aumentando na medida em que
o patrimônio não declarado vai superando aos USD 410 mil porque aquela multa
devida ao BCB é fixa (varia conforme a quantidade de anos não declarados, a
partir de 2002). Mas há outro aspecto igualmente importante: o risco
patrimonial e penal.
Nota importante 2: cada caso deve ser
analisado isoladamente porque a multa do BCB vai variar conforme alguns
aspectos estabelecidos na lei e Resolução do BCB aplicáveis, além do período em
que não foram entregues as declarações por ele exigidas.
Sob essa outra
perspectiva, já há precedente do Superior Tribunal de Justiça que avalizou o
direito do contribuinte de retificar sua declaração do IR e aquela devida ao
BCB, espontaneamente e antes da abertura de qualquer processo, para declarar espontaneamente
bens e direitos existentes no exterior. Nesse caso, devem ser retificadas as
declarações de renda dos últimos 5 anos e, também, entregues declarações ao BCB
relativas aos últimos 13 anos, pagando-se a multa exigida pelo BCB. Com essas
providências, o contribuinte tenderá a ficar fora do alcance das leis
tributárias e penais brasileiras porque a denúncia espontânea exclui a multa.
Será devida a multa ao BCB, única exigência para se regularizar perante aquela
instituição financeira.
Nota Importante 3: para o contribuinte considerar
a opção pela regularização fora do âmbito da Lei 13.254 deverá considerar a
natureza do patrimônio não declarado pois,
ressalvado, em princípio, aquelas apontadas em “Nota Importante 1”, a denúncia espontânea exclui a multa mas não
exclui o imposto e a Selic. Na hipótese de ter que pagar multa + Selic, sempre
a melhor opção será pela adesão à Lei 13.254.
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Nesse ponto em
que a tônica destes comentários é o risco, põe-se em relevo um alerta muito
importante: a Lei 13.254 dispôs que o aderente deve declarar seus patrimônios
existentes em 31.12.2014. E se inexistente este porque já tenha sido consumido,
deve declarar os bens e recursos que possuiu. Veja bem, a lei é clara: só se
declara o montante dos bens e recursos que possuiu ante a inexistência de saldo
ou título de propriedade em 31.12.2014.
Assim é que, se
existente saldo em 31.12.2014, é este que deve ser considerado para efeito de
declaração e recolhimento do imposto mais multa.
E, se inexistente
este em 31.12.2014, deve-se tomar aquele último determinável, existente antes
dessa data estabelecida como de corte pela lei.
No entanto, como
sempre a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), juntamente com a RFB, especialistas
em engendrar dúvidas mesmo onde absolutamente inexistentes – fazendo-o com
finalidades puramente arrecadatórias –, empurram o contribuinte para disputas
judiciais que se arrastam por anos a fio, emperrando ainda mais o já
depauperado Judiciário.
O que vale dizer,
a PGFN juntamente com a RFB vêm criando um clima de terror, tendo o tema sido
já levado ao legislativo para alteração da referida lei com vistas a aclarar
esse ponto, e ambas, PGFN e RFB, tem batido o pé para ver prevalecer seu ponto
de vista, o qual à toda evidência não tem sustentação interpretativa por
qualquer modo hermenêutico adotado [2].
Desse modo resta,
pois, uma fragilidade em desfavor do contribuinte na medida em que, ou ele
declara e paga o imposto e multa adotando como base de cálculo a totalidade de
seu patrimônio existente no passado – qual
passado? abrangendo os últimos 12 anos,
16 anos? ninguém sabe, nem mesmo a PGFN/RFB, porque a ambas interessam verdadeiramente
tumultuar a vida do contribuinte! –, ou de nada adiantará a opção feita à
lei, pois não afastará o risco patrimonial e penal porque, se no futuro vierem
a ser detectadas diferenças não declaradas e não pagas, apenas o crime
tributário poderá vir a ser afastado pelo eventual futuro pagamento do
saldo apurado pelo fisco. Não estarão afastados com o pagamento, porém, os
crimes de lavagem de dinheiro e de evasão de divisas!
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Demonstrado,
assim, que os riscos sempre existirão, mesmo com a opção ao RERCT, ainda porque
não se descarta que o fisco venha a ter acesso as informações sobre patrimônios anteriormente existentes, porém consumidos antes de 31.12.2014, dos quais o
contribuinte sequer se recorde, uma vez que os brasileiros, inclusive de padrão
médio de riqueza, vêm se protegendo de confiscos, inseguranças e incertezas
econômicas, planos econômicos, etc, desde pelo menos o início da década de 80.
Ora, e se existem
riscos, e estes, ante a usual má-fé da
administração pública sempre existirão, é indiferente aderir às regras da Lei 13.254 ou adotar a
opção da denúncia espontânea – nas situações em que estas se revelarem
legalmente possíveis e financeiramente atraentes. Pelo menos esta última opção poderá
ser muito mais barata, conforme as variáveis observáveis em cada caso concreto.
Importante não
decidir sem o apoio de profissionais que possam efetivamente auxiliar o
contribuinte na tomada de decisão segura que considere todas as variáveis e
suas implicações, principalmente penais.
Franco Advogados
Associados
08.09.2016
[1]
O vocábulo “suposto” se justifica porque os recursos enviados ao exterior podem
ter sido fruto de sucessão hereditária (herança), doação, ou do trabalho
assalariado, por exemplo. Na hipótese de herança/doação, o tributo federal não
é devido. No caso de trabalho assalariado, já foi tributado na fonte (tabela
progressiva). Nessa situação, dentre possíveis outras, a serem analisadas caso
a caso, não é devido tributo no Brasil (15%) e, portanto, também não é devida a
multa (100% sobre 15%). Do mesmo modo, se o direito do fisco exigir o tributo
já decaiu por ter sido ele obtido antes de 2011.
[2]
Rigorosamente, nada merece ser aclarado porque a redação do art. 4° da Lei
13.254 só podia ter a redação que teve. E, se interpretada de boa-fé pela
administração pública (RFB e PGFN), nem de longe geraria a celeuma que tem
gerado nos meios de comunicação e entre a classe dos advogados juntamente com a
política contra a administração tributária.