quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Sociedades Uniprofissionais - Condições ilegais impostas pelas municipalidades - Direito ao Enquadramento





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Vamos tratar, aqui, de como as empresas vem há anos enfrentando dificuldades impostas pelas municipalidades para serem aceitas como uniprofissionais e, assim, ao invés de calcular o ISS com base no seu faturamento, recolhê-lo com base no número de profissionais sócios das sociedades.

Para isso vamos utilizar caso concreto de sociedade de engenharia estabelecida no município São Paulo e que tem apenas dois sócios. Não tem empregados.
Na sua constituição foi enquadrada como empresa uniprofissional para efeito de tributação do ISS. Depois foi desenquadrada porque os sócios engenheiros não tinham mesma qualificação profissional prevista no seu objeto social, prestando serviços previstos em itens distintos da Lista de Serviços tributados pelo ISS. Voltou a ser reenquadrada quando ajustada essa questão das profissões dos sócios. Depois teve que retirar do contrato a forma jurídica de Ltda para prosseguir enquadrada.
Em 2020 foi desenquadrada dessa condição sob a alegação de não entrega da Declaração Eletrônica de Sociedade Uniprofissional (D-SUP).
O Parecer Normativo SF nº 3 de 28.10.2016, que versa sobre este tema, está assim redigido:
“Interpreta o disposto no artigo 15 da Lei nº 13.701, de 24 de dezembro de 2003, que trata do regime especial de recolhimento do ISS próprio das Sociedades Uniprofissionais.
O Secretário Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico, no uso de suas atribuições legais,
Considerando a necessidade de uniformizar a aplicação do artigo 15 da Lei nº 13.701, de 24 de dezembro de 2003, que trata do regime especial de recolhimento do ISS próprio das Sociedades Uniprofissionais; e
Considerando as súmulas de jurisprudência administrativa homologadas no processo administrativo nº 2010-0.118.499-4, de observância obrigatória a todos os órgãos da Administração Municipal centralizada, 
Resolve:
Art. 1º - As Sociedades Uniprofissionais são aquelas cujos profissionais (sócios, empregados ou não) são habilitados ao exercício da mesma atividade e prestam serviços de forma pessoal, em nome da sociedade, assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da legislação específica, entendendo-se por:
I – profissional habilitado: aquele que satisfaz todos os requisitos necessários para o exercício da profissão, nos termos da legislação específica que regula a atividade profissional;
II – exercício da mesma atividade: quando a atividade desenvolvida por todos os profissionais habilitados estiver enquadrada no mesmo item da lista do ‘caput’ do art. 1º da Lei nº 13.701, de 2003, devendo corresponder a um único código de serviço;
III – prestação de serviço de forma pessoal: quando todas as etapas da execução da atividade forem desempenhadas por um único profissional habilitado (sócio, empregado ou não), não se admitindo que:
a)     haja divisão ou distribuição de partes do serviço contratado entre os profissionais habilitados da sociedade;
b)     o gerenciamento, coordenação ou planejamento das tarefas que compõem a prestação do serviço sejam realizados por um profissional distinto daquele que efetivamente executa a atividade;
c)     haja repasse ou terceirização, assim entendido como a atribuição de parte ou de todo o serviço contratado a terceiros que não sejam integrantes do quadro de profissionais habilitados da sociedade;
IV – responsabilidade pessoal: a obrigação do profissional de assumir a autoria e prestar contas dos atos praticados no âmbito de sua atividade perante o respectivo órgão que regulamenta o exercício da profissão, bem como nas esferas civil e criminal pelas consequências de sua atuação.
Parágrafo único. Considera-se integrante do quadro de profissionais habilitados da sociedade o profissional autônomo por ela contratado que seja habilitado ao exercício da mesma atividade e preste serviços de forma pessoal, em nome da sociedade, assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da legislação específica.
Art. 2º - Em decorrência do disposto no artigo 1º deste Parecer Normativo, não se enquadram no regime especial próprio das Sociedades Uniprofissionais as sociedades cujos profissionais tenham diferentes habilitações ou exerçam atividades distintas. 
Parágrafo único – Sem prejuízo de outras situações incompatíveis com o ingresso no regime especial próprio das Sociedades Uniprofissionais, incorrem na vedação disposta no ‘caput’ deste artigo as sociedades que:
I – não possam, sem auxílio de profissional de habilitação distinta da dos sócios, atingir seu objeto social;
II – conjuguem profissionais de diferentes habilitações, tais como engenheiro mecânico com engenheiro civil ou agrônomo com geólogo;
III – conjuguem diferentes atividades, tais como engenharia com serviços de acompanhamento e fiscalização de obras, contabilidade com perícia contábil ou contabilidade com auditoria.
Art. 3º - Sem prejuízo no disposto nos artigos anteriores e no § 2º do art. 15 da Lei nº 13.701, de 2003, não faz jus ao regime especial próprio das Sociedades Uniprofissionais a pessoa jurídica que:
I – tenha mais de uma atividade profissional como objeto da prestação de serviço no contrato social;
II – adote o modelo de sociedade limitada, uma vez que neste tipo societário o sócio não assume responsabilidade pessoal, sendo sua responsabilidade limitada à participação no capital social, observado o disposto no art. 5º;
III – mesmo não adotando o modelo de sociedade limitada, tenha profissional que responda de forma limitada, observado o disposto no art. 5º;
IV – tenha sócio cuja habilitação não alcance a totalidade do objeto social.
 (...).
Art. 6º - Este Parecer Normativo, de caráter interpretativo, é impositivo e vinculante para todos os órgãos hierarquizados desta Secretaria, e revoga as disposições em contrário bem como as Soluções de Consulta emitidas antes da data de publicação deste ato e com ele em desacordo, independentemente de comunicação aos consulentes.”
A Lei 13.701/2003, citada no Parecer Normativo SF 3/2016, no que aqui interessa, prevê:
“Art. 1º - O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da seguinte lista, ainda que não constitua a atividade preponderante do prestador:
(...)
7 – Serviços relativos à engenharia, arquitetura, geologia, urbanismo, construção civil, manutenção, limpeza, meio ambiente, saneamento e congêneres.
7.01 – Engenharia, agronomia, agrimensura, arquitetura, geologia, urbanismo, paisagismo e congêneres.
 (...)
Art. 15 -Adotar-se-á regime especial de recolhimento do Imposto: 
I – (Revogado pela Lei nº 14.865, de 29.12.2008, DOM São Paulo de 30.12.2008)
II – quando os serviços descritos nos subitens 4.01, 4.02, 4.06, 4.08, 4.11, 4.12, 4.13, 4.14, 4.16, 5.01, 7.01(exceto paisagismo), 17.13, 17.15, 17.18 da lista do caput do art. 1º, bem como aqueles próprios de economistas, forem prestados por sociedade constituída na forma do parágrafo 1º deste artigo, estabelecendo-se como receita bruta mensal o valor de R$ 800,00 (oitocentos reais) multiplicado pelo número de profissionais habilitados.
§ 1º - As sociedades de que trata o inciso II do caput deste artigo são aquelas cujos profissionais (sócios, empregados ou não) são habilitados ao exercício da mesma atividade e prestam serviços de forma pessoal, em nome da sociedade, assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da legislação específica.
§ 2º - Excluem-se do disposto no inciso II do caput deste artigo as sociedades que:
I – tenham como sócio pessoa jurídica;
II – sejam sócias de outra sociedade;
III – desenvolvam atividade diversa daquela a que estejam habilitados profissionalmente os sócios;
IV – tenham sócio que delas participe tão-somente para aportar capital ou administrar;
V – explorem mais de uma atividade de prestação de serviços;
VI – terceirizem ou repassem a terceiros os serviços relacionados à atividade da sociedade;
VII – se caracterizem como empresárias ou cuja atividade constitua elemento de empresa; 
VIII – sejam filiais, sucursais, agências, escritório de representação ou contato, ou qualquer outro estabelecimento descentralizado ou relacionado a sociedade sediada no exterior. 
§ 3º - Os prestadores de serviços de que trata este artigo são obrigados à emissão de Nota Fiscal de Serviços Eletrônica ou outro documento exigido pela Administração Tributária.
§ 4º - Para os prestadores de serviços de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo, o Imposto deverá ser calculado mediante a aplicação da alíquota determinada no art. 16, sobre as importâncias estabelecidas nos incisos I e II do caput deste artigo.
§ 5º - As importâncias previstas nos incisos I e II do caput deste artigo serão atualizadas na forma do disposto no art. 2º e seu parágrafo único da Lei nº 13.105, de 29 de dezembro de 2000.
§ 6º - Aplicam-se aos prestadores de serviços de que trata este artigo, no que couber, as demais normas da legislação municipal do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS.
§ 7º - Para fins do disposto no inciso VII do § 2º deste artigo, são consideradas sociedades empresárias aquelas que tenham por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito à inscrição no Registro Público das Empresas Mercantis, nos termos dos arts. 966 e 982 do Código Civil. 
§ 8º - Equiparam-se às sociedades empresárias, para fins do disposto no inciso VII do § 2º deste artigo, aquelas que, embora constituídas como sociedade simples, assumam caráter empresarial, em função de sua estrutura ou da forma da prestação dos serviços. 
§ 9º - Os incisos VI e VII do § 2º e os §§ 7º e 8º deste artigo não se aplicam às sociedades uniprofissionais em relação às quais seja vedado pela legislação específica a forma ou características mercantis e a realização de quaisquer atos de comércio. 
§ 10 – As pessoas jurídicas que deixarem de apresentar qualquer declaração obrigatória relacionada ao regime previsto neste artigo ter-se-ão por não optantes pelo regime especial de recolhimento de que trata este artigo, sendo desenquadradas desse regime, na forma, condições e prazos estabelecidos em regulamento.
§ 11 – O contribuinte poderá recorrer do desenquadramento de que trata o § 10 deste artigo, na forma, condições e prazos estabelecidos em regulamento.”

Sociedade empresária, para efeito do disposto nessa Lei 13.701/2003 é aquela como tal prevista no Código Civil, arts. 966 e 982:
“Art. 966 – Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
(...)
Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro ( art. 967 ); e, simples, as demais.
Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.”

Essa questão foi percucientemente tratada no Recurso Extraordinário 940.769/RS julgado sob repercussão geral pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 24.04.2019, Relator Ministro Edson Fachin, em que foi recorrente a OAB/RS e, recorrido, o Município de Porto Alegre. 
Nele foi declarada inconstitucional lei municipal que disponha de modo divergente ao disposto no DL 406/68 sobre base de cálculo do ISS, por ofensa direta ao art. 146, III, “a” da Constituição, o qual preconiza caber à Lei Complementar estabelecer normas gerais sobre matéria tributária, especialmente sobre base de cálculo. 
No caso concreto analisado chegou aquele Plenário à conclusão de que a legislação porto-alegrense teria contrariado as normas previstas no art. 9º, §§ 1º e 3º do DL 406/68, cuja redação é:
“Art. 9º - A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º - Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
(...)
§ 3º - Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável. (redação dada pela Lei Complementar 56, de 1987).”
A Lista Anexa a que se refere o art. 9º do DL 406/68 prevê em seu item 89:
“89. Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos;”
Naquele julgado foi fixada a tese jurídica ao Tema 918 da sistemática da repercussão geral: “É inconstitucional lei municipal que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei nacional.”
Referido RE deu provimento, com a declaração incidental de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar e Decreto editados pelo Município de Porto Alegre.
E o Acórdão:
“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tributal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, apreciando o tema 918 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, com a declaração incidental de inconstitucionalidade dos (...), editados pelo Município de Porto Alegre, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio. Em seguida, por maioria, fixou-se a seguinte tese: ‘É inconstitucional lei municipal que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida em lei nacional’, vencido o Ministro Marco Aurélio.”

O juízo a quo, Leandro Paulsen, havia concedido a ordem pleiteada ao fundamento de que “Quanto aos requisitos da lei federal que são válidos e foram reproduzidos na legislação municipal, a interpretação que o Município lhes dá é que desborda do alcance da norma, voltada à tributação e não regulamentação do exercício profissional.”
Ressaltou aquele magistrado, em sua sentença, ser indiferente ao estabelecimento do regime tributário aplicável às sociedades de advogados a colaboração eventual de outros profissionais ou empresas, dado o seu caráter instrumental, assim como a impossibilidade de as sociedades em questão assumirem caráter empresarial, por expressa vedação legal.
Remarque-se da sentença a quo:
“As sociedades uniprofissionais continuam, portanto, constituindo exceção à base de cálculo ordinária do ISSQN (preço do serviço). A apuração do quantum debeatur da exação deve tomar como base o número de profissionais inscritos, consoante § 3º do art. 9º do DL nº 406/68.
(...)
A legislação municipal (LC 07/73 e Decreto Municipal nº 15.416/09), ao inovar em matéria de condições para a tributação das sociedades de advogados por valor fixo conforme o número de profissionais, não encontra suporte de validade.
Válidas só poderiam ser condições estabelecidas por lei complementar federal ou decorrentes do próprio conceito de sociedades profissionais, o que, no caso da sociedade de advogados, encontra disciplina no Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) (...).”
A 2ª Turma do TRF-4 deu então provimento à apelação da Fazenda Municipal ao entendimento de que a legislação municipal não desbordou da lei complementar nacional.
Nas razões recursais a OAB, Seção RS, sustentou:
a)   As exigências contidas na Lei Complementar Municipal contrariam frontalmente o art. 9º, § 3º do DL 406/68;
b)   Interfere na competência dos órgãos de classe, a quem cabe regulamentar e fiscalizar o exercício da profissão;
c)   Mero Decreto não pode disciplinar hipótese diversa ou impor exigências não previstas no ordenamento jurídico que lhe deu origem, pena de afronta aos arts. 97, I, II e IV e 99 do CTN;
d)   O Decreto Municipal extrapolou o DL 406/68 afrontando o princípio da hierarquia das normas, fugindo da atribuição designada aos atos normativos inferiores, função de veículos das instruções necessárias ao fiel cumprimento da lei;
e)   A disciplina do ISS é conferida por Lei Complementar, na forma do art. 146, III, CF, a qual deve abranger, dentre outros aspectos, o fato gerador, base de cálculo, contribuinte, obrigação e lançamento;
f)    Como o DL 406/68 está em pleno vigor com o status de Lei Complementar, deve ser declarada a ilegalidade da legislação municipal que versa de modo diverso;
g)   A LC Municipal inovou ampliando a prescrição legal aplicável, formulando exigência que acaba por impor condições diferentes [no caso, às sociedades de advogados], baseadas em fator irrelevante para o desempenho dos serviços.
Do voto do Ministro Relator Edson Fachin destaca-se:
“No caso do código tributário porto-alegrense, resta preconizado que a base de cálculo do ISSQN é específica (fixa ou per capita) apenas nas hipóteses em que a execução da atividade-fim não ocorra com participação de pessoa jurídica ou de pessoa física inabilitada ao exercício da advocacia. Ademais, utilizou-se, como base de cálculo, a importância paga a título de remuneração pelo trabalho do próprio contribuinte. Por conseguinte, reduziu-se o âmbito de incidência e contrariou-se o comando da norma prevista no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/1968, por instrumento legislativo inadequado editado por ente federativo incompetente, nos termos do art. 146, III, ‘a’, do Texto Constitucional.
Logo, sem a revogação ou revisão da jurisprudência firmada no STF acerca da recepção do DL 406 com status de lei complementar de índole nacional, o que inclui a compatibilidade material da norma em relação ao princípio da isonomia tributária, parece-me impossível extrair conclusão diversa da inconstitucionalidade por vício formal da legislação municipal atacada em via extraordinária.
Ante o exposto, conheço do recurso extraordinário a que se dá provimento, para fins de restaurar o decidido na sentença e determinar que a Administração Tributária da parte Recorrida abstenha-se de exigir ISSQN de sociedades profissionais de advogados que atuem no território da Municipalidade fora das hipóteses do art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/68.
Declaro, ainda, de modo incidental e com os efeitos da sistemática da repercussão geral, a inconstitucionalidade dos arts. 20, § 4º, II, da Lei Complementar 7/73, e 49, IV, §§ 3º e 4º, do Decreto 15.416/2006, ambos editados pelo Município de Porto Alegre.
Caso a presente posição seja vencedora no colegiado, propõe-se a fixação da seguinte tese jurídica a este Tema da sistemática repercussão geral: ‘É inconstitucional lei municipal que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei nacional.
(...).”
 Confronte-se a lei municipal paulistana 13.701/03 e o regramento do DL 406/68 :

DL 406/68
LEI 13.701/03
Art. 9º, §1º
Prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte
Art. 1º
ISS tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista de serviços, ainda que não constitua atividade preponderante do prestador
ISS calculado por alíquotas fixas ou variáveis
Art. 15, caput
Adotado regime especial de recolhimento do ISS 
Observada a natureza do serviço ou outros fatores pertinentes, desconsiderada a remuneração percebida pelo prestador
Art. 1º
Item 7, subitem 7.01 (engenharia)
Art. 9º, §3º
Prestação de serviços de engenharia através de sociedades
Art. 15, II
Quando o serviço de engenharia (7.01) for prestado por sociedade 
Art. 15, § 2º, I a VIII c/c §§7° a 10
Excluídas sociedades que: 
· tenham como sócio PJ
· sejam sócias de outra sociedade
· desenvolvam atividade diversa daquela a que estejam habilitados profissionalmente os sócios
· tenham sócio que delas participe apenas para aportar capital ou administrar
· explore mais de uma atividade de prestação de serviços
· terceirize ou repasse a terceiros os serviços relacionados à atividade social
· caracterizem-se como empresárias ou cuja atividade constitua elemento de empresa (são empresárias aquelas que tenham por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeita a inscrição nas Juntas Comerciais; equiparam-se a empresárias aquelas que, embora constituídas como Sociedades Simples, assumam caráter empresarial em função de sua estrutura ou forma da prestação dos serviços)
· sejam filiais, sucursais, agências, escritório de representação ou contato, ou qualquer outro estabelecimento descentralizado ou relacionado a sociedade sediada no exterior
São desenquadradas do regime aquelas que deixarem de apresentar qualquer declaração obrigatória relacionada ao referido regime na forma, condições e prazos estabelecidos em regulamento
ISS sujeito a alíquota fixa ou variável calculado em relação a cada profissional habilitado
Art. 15, II
Estabelecendo-se como receita bruta mensal (...) multiplicado pelo número de profissionais habilitados
Sócio, empregado ou não, prestador de serviços em nome da sociedade, assumindo responsabilidade pessoal nos termos da lei aplicável (lei aplicável é aquela que rege a atividade profissional pertinente)
Art. 15, II
Sociedade de profissionais (sócios, empregados ou não), habilitados ao exercício da mesma atividade e prestam serviços de forma pessoal, em nome da sociedade, assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da legislação específica

Veja-se, conforme julgado sob repercussão geral do STF (RE 970.769/RS), citado, os pontos em que o quadro comparativo acima revela ofensa da Lei 13.701/03 aos parâmetros estabelecidos pelo DL 406/68:
a)   todas as situações em que as sociedades, nos termos da Lei local, são excluídas do enquadramento como uniprofissionais por descumprimento de exigências não expressamente previstas no DL 406/68 (Lei 13.701/03, art. 15, § 2º, I a VIII c/c §§ 7º a 10 versus DL 406/68, art. 9º, § 3º);
b)   particularmente, o condicionamento do enquadramento à apresentação de declaração periódica (D-SUP), porque não há previsão dessa exigência no DL 406/68 (Lei 13.701/03, art. 15, § 2º, I a VIII c/c §§ 7º a 10 versus DL 406/68, art. 9º, § 3º);
c)   enquadramento condicionado ao exercício da mesma atividade profissional, porque não expressamente prevista tal condição no DL 406/68 (Lei 13.701/03, art. 15, II versus DL 406/68, art. 9º, § 3º).
O Parecer Normativo SF nº 3/2016, com caráter impositivo e vinculante (art. 6º) entra igualmente em confronto direto com o DL 406/68, nos seguintes pontos:
a)   exigência de habilitação dos profissionais ao exercício da mesma atividade (art. 1º), assim considerada quando a atividade desenvolvida por todos os profissionais habilitados estiver enquadrada no mesmo item da lista do caput do art. 1º da Lei 13.701/03, devendo corresponder a um único código de serviço (art. 1º, II). Essa condição restritiva de direito não consta da redação do DL 406/68;
b)   exigência de que a prestação de serviço de forma pessoal seja como tal caracterizada apenas quando todas as etapas da execução da atividade forem desempenhadas por um único profissional habilitado, inadmitido: i) divisão ou distribuição de partes do serviço contratado entre os profissionais habilitados da sociedade (art. 1º, III, “a”); ii) gerenciamento, coordenação ou planejamento das tarefas que compõem a prestação do serviço conduzido por profissional distinto daquele que efetivamente executa a atividade (art. 1º, III, “b”); iii) repasse ou terceirização de parte ou de todo o serviço a terceiros não integrantes do quadro de profissionais habilitados da sociedade (art. 1º, III, “c”). Tais condições não constam do DL 406/68;
c)   não enquadramento como sociedade uniprofissional nas situações em que os profissionais tenham diferentes habilitações ou exerçam atividades distintas (art. 2º), consideradas incompatíveis aquelas sociedades que: i) não possam, sem o auxílio de profissional de habilitação distinta da dos sócios, atingir seu objeto social (art. 2º, par. único, I); ii) conjuguem profissionais de diferentes habilitações, tais como engenheiro mecânico com engenheiro civil ou agrônomo com geólogo (art. 2º, par. único, II); iii) conjuguem diferentes atividades, tais como engenharia com serviços de acompanhamento e fiscalização de obras (art. 2º, par. único, III). Igualmente, tais restrições inexistem na redação do DL 406/68;
d)   não fazer jus ao regime especial próprio das sociedades uniprofissionais a PJ que: i) tenha mais de uma atividade profissional como objeto da prestação de serviço no contrato social (art. 3º, I); ii) adote o modelo de Ltda (art. 3º, II); mesmo Ltda, tenha profissional que responda de forma limitada (essa limitação constitui afrontosa aberração por confundir responsabilidade profissional – que é o único ponto merecedor de relevância quando em questão a uniprofissionalidade  –, com responsabilidade pelo passivo social, próprio do regime jurídico de personalidades jurídicas) (art. 3º, III); iii) tenha sócio cuja habilitação não alcance a totalidade do objeto social (art. 3º, IV). Todas essas exigências constituem inovação à previsão do DL 406/68.
Fundamentam medidas judiciais todos os pontos em que, quer a Lei 13.701/03, quer o Parecer Normativo SF 3/2016, colidem com as condições estabelecidas pelo DL 406/68, mesmo porque se a própria Lei 13.701/03 dispõe que o ISS tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista de serviços ainda que não constitua atividade preponderante do prestador, como pode ela própria condicionar o enquadramento na uniprofissionalidade ao exercício de atividade única – nem mesmo utiliza o vocábulo “preponderante” para estabelecer o descrímen?
Ou seja, o mesmo critério jurídico estabelecido para exigir o tributo é desconsiderado para eleger o enquadramento nas regras da uniprofissionalidade.
Como exposto preambularmente, a municipalidade paulistana erige todo tipo de obstáculo para com isso vedar que os contribuintes sejam legitimamente enquadrados na condição de uniprofissionais. 
Ora os obstáculos são justificados com base na profissão dos sócios, ora com base na atividade profissional prevista no Contrato Social, ora na personificação jurídica como Ltda, ora na não entrega da Declaração Anual de Sociedade Uniprofissional.
É evidente que submeter o reconhecimento desse direito à arbitrariedade da autoridade municipal paulistana não se coaduna com o Estado de Direito, com a legalidade, com a Constituição Federal e, menos ainda, com as regras complementares previstas no DL 406/68.
Tudo isso fundamenta exaustivamente medidas judiciais contra a ilegalidade perpetrada pela municipalidade.
Ainda mais porque a renitência da autoridade coatora quanto a dar estrito cumprimento às previsões insculpidas no DL 406/68 resulta aumento do custo tributário, no caso concreto, da ordem de R$ 60 mil/ano.
Traduz-se, isto, em expor o contribuinte à injusta concorrência, em razão de seus concorrentes que atenderem às exigências tais – inobstante ilegais e inconstitucionais –, terem menor custo tributário repassável para seus preços de modo que ditas exigências põem em risco até mesmo a sobrevivência do contribuinte.
Mais não bastasse, o desenquadramento impõe-lhe recolher o ISS com base no faturamento sob pena de multa de 50%, inscrição do débito na Dívida Ativa, inscrição no CADIN, impedimento de celebrar com a municipalidade paulistana convênios, acordos, contratos, obter incentivos fiscais e financeiros e, para ferir de morte sua sobrevivência, impedimento de obter auto de licença de funcionamento e novos alvarás de funcionamento.
Ante o exposto, cabível exigir pela via judicial o reconhecimento do direito ao enquadramento na condição de Sociedade Uniprofissional em razão exclusiva de sua atividade profissional (engenharia) estar expressamente inserida, nos termos do DL 406/68 (art. 9º § 3º), às hipóteses em que tal enquadramento é expressamente permitido.

A única condição a ser atendida, nos termos do DL 406/68, é a atividade profissional nele prevista e a assunção de responsabilidade pessoal do profissional.

Franco Advogados Associados

26 de fevereiro de 2020.

NOTA:

Em 14.04.2020 recebemos comentários a esta publicação, postada no site Tributário.net que, sob nossa autorização a havia reproduzido. Dado o seu interesse, reproduzimos as observações de uma leitora e nossa resposta.


Karla Borges

Muito boa análise, contudo, gostaria de fazer uma reflexão e uma indagação, se me permite!
Os serviços elencados pelo Decreto-Lei 406/68 foram alterados pelo Decreto-Lei 834/69, todavia a Lei Complementar 56/87 deu uma nova redação ao parágrafo 3º do artigo 9º do DL 406/68, então, alterado pelo DL 834/69, em relação aos serviços permitidos ao recolhimento do ISS fixo.
A Lei Complementar 116/03, por sua vez, revogou parte do DL 406/68, parte do DL 834/69 e integralmente a Lei Complementar 56/87, exatamente aquela que permitia que aqueles serviços listados pudessem ter recolhimento de ISS diferenciado. Esse rol de serviços não faz mais parte do mundo jurídico. O ordenamento jurídico brasileiro não permite a repristinação, qual seria, então, o embasamento legal para que se tribute de forma diferenciada os itens de serviços originalmente previstos, como engenharia, por exemplo?



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Prezada Karla Borges, muito obrigado por suas considerações. Vamos à resposta. 

Tomemos, por exemplo, o precedente do STJ, de 02/08/11 (RESP 919.067, 1.a T), segundo o qual o tratamento diferenciado dispensado às sociedades profissionais, nos moldes do art. 9.o do DL 406/608, não foi revogado pela LC 116/03 porque, à luz do art. 2.o, par. 1.o, da LINDB, a lei posterior somente revoga a anterior quando expressamente o declare, quando com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Na hipótese: i) o art. 10 da LC 116/03 limitou-se a revogar, expressamente, apenas os arts. 8.o, 10, 11 e 12, do DL 406/68 e incisos III, V e VII, do art. 3.o do DL 834/69; ii) a alteração do par. 3.o do art. 9.o do DL 406/68, pelo inciso V do art. 3.o do DL 834/69, teve o único intuito de adequar a norma à nova numeração adotada na lista de serviços tributáveis pelo ISS, razão pela qual não há que se falar em repristinação, uma vez inexistente norma anterior revogada; iii) não há incompatibilidade entre as normas gerais estipuladas na LC 116 e a tributação diferenciada prevista no art. 9.o do DL 406/68; iv) a LC 116 não regulou integralmente a matéria atinente à tributação pelo ISS. Ademais, é certo que a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior (LINDB, art. 2o, par. 2.o). Essas considerações aqui expostas foram extraídas do voto do Relator, falecido Min. Teori Zavascki, à época do julgamento, assentado no STJ.

Essa decisão justifica plenamente porque as Prefeituras, como a de São Paulo, prosseguem disciplinando esse tipo de tratamento tributário endereçado especificamente para sociedades uniprofissionais. Do contrário não mais estariam fazendo isto.


Continue lendo nossas matérias disponibilizadas em grande volume na internet e, também, em nosso Blog: francoadvogadosassociados.blogspot.com. Forte abraço.


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Tréplica em 17.04.2020:

Agradeço o retorno e a forma gentil que tratou a matéria. Embora concorde parcialmente com as suas considerações, insisto que a LC 56/87 foi integralmente revogada pela LC 116/03, portanto o parágrafo 3º do artigo 9º deixou de existir. Veja o que a LC 56/87 dispôs:
"O § 3º do art. 9° do Decreto-lei n° 406, de 31 de dezembro de 1968, alterado pelo Decreto-lei n° 834, de 8 de setembro de 1969, passa a ter a seguinte redação:
"§ 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável."
Ora, quando a LC 116/03 revoga a LC 56/87 integralmente, exclui do mundo jurídico o §3º do art. 9º, assim só restaria a disposição prevista originalmente no decreto-lei 406/68, alterado pelo DL 834/69, que não poderia ser repristinado. Creio que a posição de recepção dos dispositivos citados pela CF 88 foi uma precipitação do STF.
Ainda que esse meu argumento fosse desprezado, a aplicação do dispositivo legal seria inexequível, uma vez que não há mais indicação dos itens da lista de serviços passiveis de recolhimento fixo.
A questão é polêmica e penso que os estudiosos deveriam aprofundar-se no tema, a fim de constatar que não há como manter os dois parágrafos do artigo 9º na legislação pátria.
Obrigada!


NOSSA RESPOSTA:

Olá Karla Borges, bom dia.

Estou respondendo por email ao invés de através do site Tributario.net porque realmente não consegui, apesar de esforços frustrados para entrar na área de comentários daquele site.

Peço que considere minhas manifestações sem qualquer ranço de vaidade ou sentimentos afins. Trate-a como simples resposta, que de fato é.

Pelo que me parece sua atuação na área tributária está ligada, além de outras, à fiscalização. Tenho grandes e próximos amigos ligados à fiscalização (federal, estadual, trabalhista e previdenciária), os quais respeito profundamente por suas posições. E, assim, parece natural o pensar com enfoque na proteção dos cofres públicos. Apesar de sua discordância, que obviamente é um direito seu, os fatos são aqueles postos em minha anterior resposta aos seus comentários. E, a meu ver, aquele entendimento do STJ é absolutamente consentâneo com a LINDB, pelas razões (quatro razões) naquele precedente postas e em minha resposta expostas. 

Reconheço que você tem o direito de discordar e, por isso, respeito-o. 

Mas o fato, e esse é a meu ver definitivo: os Municípios, notadamente a capital paulista, contra a qual ajuizei Mandado de Segurança (e Porto Alegre também, daí porque veio à luz aquele precedente, atual, do STJ), fazem de tudo para desenquadrar os contribuintes da condição de sociedades uniprofissionais.

A pergunta, que me parece definitiva: se os Municípios não fossem obrigados, pelo ordenamento jurídico, a submeter-se ao regramento vigente, eles estariam erigindo toda ordem de obstáculos para desenquadrar os contribuintes da condição de uniprofissionais? 

A resposta a essa pergunta fala por si. De modo que, ao reconhecer a obrigatoriedade de aplicar a lei é porque ela vige. Discorde-se da interpretação dada pelo STJ, ou não.

Eu, particularmente, não vejo polêmica no entendimento do STJ pois a vislumbro muito clara e sobretudo lógica por se tratar de aplicação do Direito no tempo (Direito Intertemporal). Hermenêutica e Aplicação do Direito de Carlos Maximiliano é uma obra a que eu sempre recorro para ver resolvidas essas questões. Mas, como dito acima, todos têm o direito de discordar, claro. Da discordância é que se justifica o Judiciário. Mas, como dito, os municípios, todos, tem se submetido àquela lei, sem discordância quanto à sua vigência, mas sim, à sua aplicação.

Forte abraço.

Franco