sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

A ALÍQUOTA DO ITBI




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A Constituição Federal prevê competir aos Municípios instituir imposto sobre transmissão, entre vivos, de bens imóveis – ITBI (CF, art. 156, II) [1]. Sua cobrança compete ao Município onde situado o imóvel (CF, art. 156, § 2º, II) [2]. Nada diz sobre a alíquota aplicável, mínima ou máxima. E também nada diz sobre a quem compete fixar suas alíquotas, mínima e máxima.

Com base nisso os Municípios passaram a estabelecer, por lei ordinária própria, as alíquotas que querem. São Paulo e Rio de Janeiro exigem alíquota de 3%. Há municípios próximos a São Paulo exigindo alíquota de 5%.

Entretanto, a mesma Constituição, sob o título “Dos Princípios Gerais”, prevê, por seu artigo 146, caber à Lei Complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária (art. 146, III) [3].

Lei Complementar existente é o Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), que criou o ITBI (art. 35) [4] e, em relação à alíquota desse imposto, dispõe que esta não excederá aos limites fixados em resolução do Senado Federal (CTN, art. 39) [5].

Dando cumprimento ao disposto no art. 39 do CTN, em 1966 foi promulgado o Ato Complementar 27/66 que fixou a alíquota do ITBI em 1% até que o Senado a determinasse. Sua redação é a seguinte:

“Art. 8º - Até que sejam fixadas pelo Senado Federal os limites a que se refere o artigo 39 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, ficam estabelecidas, para a cobrança do imposto a que se refere o artigo 35 da mesma lei, as seguintes alíquotas máximas:
I – Transmissões compreendidas no sistema financeiro da habitação a que se refere a Lei 4.380, de 21 de agosto de 1964 e legislação complementar 0,5%;
II – Demais transmissões a título oneroso 1,0%;”

Mais tarde, em 1981, foi promulgada a Resolução do Senado Federal 99/81 com a seguinte redação:

“Art. 1º - As alíquotas máximas do imposto de que trata o inciso I do art. 23 da Constituição Federal [refere-se ao dispositivo da Constituição então vigente], serão as seguintes, a partir de 1º de janeiro de 1982:
I – transmissões compreendidas no sistema financeiro de habitação a que se refere a Lei 4.380, de 21 de agosto de 1964 e legislação complementar:
a)   Sobre o valor efetivamente financiado: 0,5% (meio por cento);
b)   Sobre o valor restante: 2% (dois por cento).
II – demais transmissões a título oneroso: 2% (dois por cento);
III – quaisquer outras transmissões: 4% (quatro por cento).
Art. 2º - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º - Revogam-se as disposições em contrário.”

Sob o argumento enviesado de que a Resolução Senatorial 99/81 que fixou alíquota máxima de 2% não teria sido recepcionada pela Constituição vigente, de 1988, porque estaria ela concedendo isenção de tributo municipal, violando assim o artigo 151, III [6] da mesma Constituição Federal, os municípios têm fixado alíquota superior a 2% – há, como exposto, aqueles exigindo alíquota de 5%! –, transformando essa tributação em terra sem lei.

A primeira vulnerabilidade dessa argumentação tem a ver com o fato de que a Resolução 99/81 – que veio exclusivamente estabelecer as alíquotas do ITBI –, nem de longe versa sobre isenção de tributo municipal com violação ao disposto no art. 151, III da CF, cuja dicção veda à União instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. 

Nem mesmo estaria dita Resolução a estabelecer isenção parcial porque esse mesmo raciocínio, a ser válido, poderia, mutatis mutandis, ser aplicável ao ICMS que tem também suas alíquotas máximas e mínimas passíveis de serem fixadas pelo Senado Federal (CF, art. 155, § 2º, IV) [7].

Ademais, a Resolução Senatorial 99/81 tem fonte no Poder Legislativo, não no Executivo, portanto, não se trata de ato produzido pela União, para a qual é endereçada a vedação prevista no art. 151, III, CF.

Perseveraria não fazendo sentido a tese de isenção parcial concedida pela União ainda que o art. 39 do CTN não tivesse exigido, expressamente como o faz, que a alíquota do ITBI não pode exceder aos limites fixados pelo Senado Federal.

Assim, a fixação da alíquota do ITBI em 2% promovida pela Resolução SF 99/81 nem se refere à concessão de isenção, tampouco se trata de ato produzido pela União representada pelo Executivo. Cuida aquele ato Senatorial, exclusivamente, de dar cumprimento ao comando normativo exteriorizado no CTN, art. 39, que, por sua vez, está cumprindo exclusivamente a regra constitucional que preconiza caber à Lei Complementar estabelecer normas gerais de Direito Tributário (CF, art. 146).

O que fez a Constituição atual foi dar ao ITBI o tratamento a ele conferido pela Constituição anterior.

Para valer entendimento contrário defendido pelos Municípios precisaria ter sido alterada a redação do art. 39 do CTN. Mas não o foi.

Noutro dizer, se a Constituição Federal se silenciou quanto à alíquota do ITBI, não têm os municípios liberdade para fixá-la conforme sua conveniência – a exemplo do que fez o Município de São Paulo, determinando-a em 3% –, ao argumento de que está sendo cumprida a regra prevista na Constituição, art. 150, I [8], já que ao não discriminar aquele inciso a natureza da lei nele prevista, tanto pode estar ele se referindo a lei complementar, como à lei ordinária. 

Não podem porque o CTN é a norma complementar que estabelece, por seu artigo 39, que a competência para fixar tais limites é do Senado Federal.

A segunda vulnerabilidade está assentada no fato de que, se efetivamente a Resolução Senatorial 99/81 não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, então deve obrigatoriamente ser aplicado o Ato Complementar 27/66 que limitou a alíquota em 1%. Afinal, referido Ato Complementar foi produzido para viger temporariamente (“Até que sejam fixadas pelo Senado Federal os limites ...”).

Se a Resolução do Senado é inconstitucional como sustentam os fiscos municipais, então deve retornar a aplicação do citado Ato Complementar. Aliás, e deve mesmo porque dito Ato Complementar veio alterar o art. 39 do CTN para apontar a competência do Senado Federal para fixação de alíquota máxima e, se o CTN foi recepcionado pela nova Constituição, o Ato Complementar também o foi. Assim, a alíquota máxima, ao invés de 2%, seria 1%.

Por outro lado, se se sustentar que o Ato Complementar 27/66 perdeu sua validade ao dar cumprimento à sua previsão quando, em 1981, veio ao mundo a Resolução Senatorial 99, então conclusão inafastável é que não pode ser exigido esse imposto por falta de previsão legalmente válida quanto à sua alíquota.

Veja-se o posicionamento da doutrina de Aliomar Baleeiro na atualização de Misabel Abreu Machado Derzi: “O § 2º do art. 23 da CF de 1967, contém regra introduzida com ligeira diferença pelo § 2º do art. 9º da Emenda nº 18/1965. Esta dizia que a Resolução do Senado, para fixação da alíquota máxima, seria ‘nos termos do disposto em lei complementar’. O texto vigente diz apenas ‘lei’, referindo-se, portanto, à lei ordinária.
O mecanismo de legislação pressupõe três etapas: a) uma lei ordinária do Congresso estabelecendo os critérios a serem seguidos pela proposta do Presidente da República e pela resolução do Senado; b) a proposta do Presidente nos termos dessa lei; c) uma resolução do Senado, provocada pela proposta presidencial dentro dos standards da lei do item ‘a’.” (Direito Tributário Brasileiro, 12ª edição, pág. 376).

Portanto, não se trata de mera lei ordinária do legislativo municipal porque, ainda que o art. 150, I, da Constituição, ao se referir ao vocábulo “lei”, sem especificar tratar-se de “lei complementar” autorizasse essa conclusão, o art. 146, II da mesma CF, ao exigir Lei Complementar para estabelecer normas gerais em matéria tributária, vedaria tal possibilidade porque o CTN (lei complementar que é), por seu artigo 39, como dito, prossegue exigindo limitação da alíquota fixada por Resolução do Senado Federal.

Conclusão inafastável é que a liberdade pretendida pelos municípios no atribuir-se o poder de fixar alíquotas conforme lhes convier não pode esbarrar nos limites estabelecidos implícita ou explicitamente pela Constituição Federal, secundada pelo CTN.

Para valer a tese dos Municípios de que detêm poderes para fixar as alíquotas que lhes aprouver, seria necessária mais que a inconstitucionalidade da Resolução Senatorial 99/81 ou perda de eficácia do Ato Complementar 27/66. Precisariam afastar a regra do art. 39 do CTN, que exige Resolução do Senado Federal. E, ante – segundo suas argumentações – a inexistência dessa Resolução constitucionalmente válida, não poderiam exigir o ITBI.

Só existem três opções disponíveis aos Municípios, nesse caso: alíquota de 2% (Resolução Senatorial 99/81); alíquota de 1% (Ato Constitucional 27/66); alíquota de 0% no caso de nenhum dos instrumentos normativos serem por eles, Municípios, considerados juridicamente válidos. Na verdade a alíquota de zero por cento, neste caso, é exemplo meramente metafórico já que o ITBI não poderia ser neste caso exigido ante a ausência de um dos elementos intrínsecos de qualquer tributo: a alíquota.

Já a hipótese por eles defendida – poderem fixar a alíquota livremente sem qualquer limitação – é a única que não se encontra dentre as opções jurídicas validamente a eles disponíveis.


Atenção: é  dever de todos os contribuintes – adquirentes de imóveis – discutir essa questão, bem como outras relativas à base de cálculo, especialmente Valor Venal de Referência (VVR), insurgindo judicialmente antes da aquisição do imóvel ou mesmo após. No caso da base de cálculo lastreada no Valor Venal de Referência as chances de êxito no Judiciário são de 100%. O tipo de ação a ser ajuizada e outras estratégias processuais são determinantes para o êxito pleno, tanto no que se refere: a) ao afastamento do VVR; b) redução da alíquota para 1%. Tratam-se de duas ações distintas.

Franco Advogados Associados
21.02.2020

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[1] “Art. 156 – Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(...)
II – transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.”
[2] “§2° O imposto previsto no inciso II:
(...)
II – compete ao Município da situação do bem.”
[3] “Cabe à lei complementar:
III – estabelecer normais gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
(...).” 
[4] “Art. 35 – O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:
(...).”
[5] “Art. 39 – A alíquota do imposto não excederá os limites fixados em resolução do Senado Federal, que distinguirá, para efeito de aplicação de alíquota mais baixa, as transmissões que atendam à política nacional de habitação.”
[6] “Art. 151 – É vedado à União:
(...)
III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.”
[7] “Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...).
II – operações relativas à circulação de mercadorias ...
(...)
§ 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
IV – resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;
V – é facultado ao Senado Federal:
a)      estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas ...;
b)      fixar alíquotas máximas nas mesmas operações ...”
[8] “Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

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