quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

CRIME NÃO RECOLHER ICMS – DESDOBRAMENTOS DESSE TEMA




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Como amplamente divulgado, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou um recurso contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de agosto/2018 (HC 399109), que havia concluído configurar crime o não recolhimento de ICMS declarado pelo contribuinte. 

E então sentenciou o STF, em 18.12.2019 (RHC 163334), por 7 a 3, ser crime o ato de declarar o ICMS e não o recolher aos cofres públicos. Obviamente isso gerou um precedente muito perigoso, por diversas razões, inclusive por sua extensão ao ISS e IPI.

Trata-se de caso já por nós divulgado (http://bit.ly/2y6KKeT e http://bit.ly/2LAGm9E), e que se refere a empresários de Santa Catarina, os quais deixaram de recolher aos cofres públicos o ICMS cobrado nas Notas Fiscais, entre os anos de 2008 e 2011, cuja dívida de R$ 30 mil foi por eles arrolada em três programas de parcelamento, porém jamais quitados.

No julgamento do STF o Ministro Relator, Luís Roberto Barroso, manifestou-se no sentido de que o resultado desse novo entendimento é aplicável unicamente à hipótese em que o comerciante cobra o ICMS do consumidor e não o repassa aos cofres públicos. 

Observar estar isto em linha com os fundamentos da decisão do mesmo STF que, em 2017, concluiu que o ICMS, por ser apenas cobrado do cliente final e repassado ao fisco estadual, não constitui receita do contribuinte, não integrando, pois, a base de cálculo do PIS/COFINS.

O Ministro Barroso foi além em suas considerações para acrescentar não estar tratando do comerciante que está em dificuldade financeira, mas sim daquele que, repetidamente, como estratégia comercial, deixa de recolher o ICMS, como, diz ele, ocorreu no caso concreto julgado. O empresário estava, há meses, praticando o mesmo ato, aderiu por três vezes a programas de parcelamento da dívida e não cumpriu quaisquer deles.

“Mas se ele tiver que fazer uma escolha entre pagar tributo e pagar salário evidentemente a conduta não seria criminalizada. Porque, de novo, não se criminaliza quem está em dificuldade financeira”, enfatizou.

Após conclusão dos votos os Ministros fixaram tese para deixar claro que a medida só servirá para os casos em que ficar demonstrado dolo (intenção) e o comportamento reiterado do contribuinte (Valor Econômico, 19/12/2019).

Dolo

Na acepção jurídica, dolo é artifício, engano ou manejo empregado com a intenção de induzir terceiros à prática de ato jurídico, em prejuízo destes e proveito próprio do agente que o pratica, ou de terceiros. No sentido penal, dolo é ato praticado com intenção consciente de crime ou delito, seja por ação ou omissão.

Presente o dolo, segundo o STF, fica caracterizada a apropriação indébita cuja pena é de 6 meses a 2 anos de detenção. 

O problema, no caso, não está no risco de prisão que na prática, em razão do prazo da pena, que é bem pequeno, autoriza sua conversão em punição restritiva de direitos, como multa ou prestação de serviços – exceto a partir da reincidência –, mas, sim, inviabilização de seus negócios. Por exemplo, restrição na contratação com o poder público, na contratação de crédito com bancos privados ou mesmo com outras empresas, inclusive obtenção de visto para viagens internacionais – e o precedente que isso constitui, suprimindo do contribuinte a primariedade para novos crimes.

Comportamento reiterado

intenção reiterada, segundo o Ministro Barroso, deve ser apurada na instrução criminal por situações como inadimplência reiterada, venda de produtos abaixo do preço de custo, criação de obstáculos à fiscalização e uso de laranjas, o que evidenciaria, no dizer do Ministro Gilmar Mendes, a real intenção de fraudar, ou seja, confirmaria o dolo. Este último lembrou que a criminalização de mera dívida se equipara à prisão civil o que fere a Constituição Federal e o Pacto de San José, daí porque votou contra essa decisão, isto é, com a minoria.

11 Estados já definiram em suas legislações os critérios para caracterizar o devedor contumaz do ICMS que, de modo reiterado, deixa de recolher esse imposto, caso em que perde o direito a benefícios fiscais, deixa de gozar de prioridade no atendimento pelo fisco, dentre outras consequências. De um modo geral são considerados o período de inadimplência e o valor da dívida. 

Em São Paulo é considerado inadimplente contumaz o contribuinte que declara e não paga o ICMS por 6 meses, consecutivos ou não, no período de 12 meses ou cujo débito inscrito na Dívida Ativa supere a 40 mil Unidades Fiscais, pouco mais de R$ 1 milhão e correspondam a mais de 30% de seu PL ou mais de 25% de total das operações realizadas nos 12 meses anteriores (Lei Complementar 1.320/2018, que instituiu o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – “Nos Conformes”, art. 19).

Pelo menos uma dessas leis estaduais existentes dispondo critérios sobre contumácia do contribuinte está sendo discutida no STF através de Ações Diretas de Inconstitucionalidades sob o fundamento de que isso depende de lei complementar (ADI 4854/RS). 

Já existem projetos de leis complementares estabelecendo regras nacionais para caracterização de devedor contumaz. Entre elas, 284/17 do Senado Federal e 1.646/19 da Câmara. Note-se que tais projetos tratam do devedor contumaz, mas não há qualquer projeto estabelecendo os critérios para configuração do dolo, no caso.

Em princípio isso nem seria necessário pois a intenção do contribuinte é tarefa que depende de apuração durante a instrução criminal e, decorrentemente, do convencimento do juiz. Mas, por se tratar de tema que envolve o direito de praticar atividades enquadradas no capítulo da Ordem Econômica e Financeira da Constituição, sem riscos de prisão já que o risco do empreendimento não deve traduzir risco para o empreendedor de vez que os patrimônios social e pessoal são juridicamente separados, a previsão legal quanto às situações concretas em que aplicável o dolo, nesse caso, seria prudente, porque ninguém se sente à vontade para investir no País sabendo da existência de cenário em que presente risco pessoal de natureza criminal para empreender.

Se nessa história não há contribuinte santo, o qual, por se utilizar da má-fé, segundo o STJ e, agora, STF, merece ser criminalmente punido, nos fiscos e nas Procuradorias também não os há. A má-fé também inspira a conduta do fisco e das Procuradorias. Cliente nosso acabou de receber notificação, num dia, de protesto com vencimento no dia seguinte, de valores já garantidos em ação tributária em curso. E essa é a segunda investida da Procuradoria contra o mesmo contribuinte e no âmbito da mesma ação. A primeira foi às vésperas do Natal 2019! 

Há anos, pelo menos desde 1995, cinco anos após a promulgação da Lei 8.137/90, os contribuintes vêm sendo compelidos pelos fiscos, após representação fiscal para fins penais formuladas sem qualquer critério juridicamente válido, a pagar tributo muitas vezes indevidos, debaixo do risco de prisão! É dizer, o fisco nas suas três esferas (federal, estaduais, municipais) vem, desde há muito, utilizando o caminho irresponsável da imputação de crime para incrementar a arrecadação.

O contribuinte incorre no risco de ser preso. E o fisco e Procuradorias? Pelo que respondem ante atos absolutamente irresponsáveis e inconsequentes?

A estimativa é que mais de 200 mil contribuintes, em São Paulo e Santa Catarina, estejam sujeitos aos efeitos desse novo entendimento, 170 mil deles aguardando julgamento apenas no Estado de São Paulo.

Nesse caso julgado pelo STF em desfavor dos contribuintes um dos advogados que defenderam os empresários pretende opor recurso de Embargos de Declaração para pedir que o novo entendimento valha somente a partir da publicação do julgamento ocorrido em 18.12.2019. Antes disso, mero inadimplemento fiscal. Isto porque os Ministros do STF mudaram a jurisprudência firmada naquela Corte e que vinha preservada desde 1.971 (RHC 67688).

Projetos de lei alterando a redação da Lei 8.137/90

Após decisão do STF foram protocolados dois projetos de lei na Câmara dos Deputados alterando a redação da Lei 8.137/90, art. 2º, II, prevendo não tipificar crime os casos de inadimplemento.

O PL 6592 prevê que a criminalização seja considerada caracterizada nos casos em que o não pagamento do tributo envolver fraude.

Outro PL (6520) prevê não criminalização quando o ICMS é declarado e não recolhido.

Ambos, como visto, alteram a redação do referido artigo 2º, o qual prevê configurar crime deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou contribuição social descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação que deveria recolher aos cofres públicos. A disposição desse artigo somente seria aplicável, então, nos casos de substituição tributária. Na verdade, já é assim. O que ocorreu no caso julgado foi interpretação absolutamente errada, ou meramente política, do STJ e do STF. 

É claro que tudo o que aqui se cogita, inclusive alteração legislativa proposta não limita seus efeitos ao ICMS, sendo extensível a todos os tributos, federais, estaduais e municipais, no que aplicáveis.

Ambos os projetos, apresentados em dezembro/2019, não tiveram andamento já que a Câmara entrou, em seguida, em recesso parlamentar.

Conclusão

Se deixar de declarar o tributo caracteriza crime de sonegação e declará-lo, porém não o recolher, também é enquadrável como crime, pelo menos o contribuinte, com essa opção sonegatória (deixar de declarar) estará dificultando o acesso do fisco à informação que mais facilmente o comprometerá seriamente no plano criminal.


Claro, nessa hipótese deve ser sopesado que o crime de sonegação, porque previsto em outro artigo da Lei 8.137/90 (art. 1º), sujeita o infrator à pena maior, de 2 a 5 anos, razão pela qual a conversão em penas alternativas não tem lugar, exceto se condenado a menos de 4 anos.

Assim, entre ambas as opções, obviamente, enquanto não promulgados os projetos de lei atrás referidos, os contribuintes poderão tender a optar por deixar de informar ao fisco as suas obrigações. E, nesse caso, nem é necessário discutir a presença do dolo (intenção) já por se tratar de questão de sobrevivência.

O ICMS é o tributo mais sonegado no País. É natural que assim o seja pois é impagável. Quando o Sistema Tributário Nacional teve início em 1967, a alíquota era de 6%. Atualmente, 18%. O fato de sua sistemática permitir abatimento do imposto pago nas aquisições (crédito) não muda esse cenário calamitoso já que o que conta mesmo é a alíquota efetiva e essa não é insignificante porque se o fosse esse imposto não teria se tornado, como dito, impagável. 

Para finalizar, a má-fé do fisco novamente se mostra com toda sua força num caso concreto sob nossos cuidados em que o contribuinte detém direito de crédito acumulado em tudo e por tudo inquestionável, superior a R$ 3 milhões e que, por depender de ato do Secretário de Fazenda, não consegue autorização para utilizá-lo para pagamento de seus fornecedores. Nesse caso, junto com a má-fé vem a prova de que a alíquota efetiva é muito mais agravada.

Franco Advogados Associados

15 de janeiro de 2020.

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Nota importante: Em 9 de dezembro de 2020 o STF analisou, em conjunto, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5.881, 5.886, 5.890, 5.925, 5931 e 5.932, que buscavam o julgamento das regras da Lei 13.606/18 que permitiam ao fisco, sem autorização judicial, tornar indisponíveis imóveis ou veículos de contribuintes inscritos na Dívida Ativa, cuja conduta já havíamos antecipado ser inconstitucional. (vide-as em http://bit.ly/2G8BtDihttp://bit.ly/2H6begK)
Nessa decisão agora ocorrida o STF, por 7 a 4, permitiu o registro da informação sobre a inadimplência, em cartório, para proteger terceiros. 
Interessante notar que, no mérito dessa decisão, prevaleceu o entendimento: "O Estado não pode se valer de meios indiretos de coerção". Chama a atenção essa conclusão ante sua gritante contradição com o entendimento dos membros daquela mesma Corte Suprema depois que o próprio STF já sentenciou, em 2019, que o comerciante que cobra o ICMS de seu cliente e não o repassa aos cofres públicos pode ser preso! A prisão não seria, por si mesma, meio indireto de coerção?








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