terça-feira, 17 de abril de 2018

BLOQUEIO ADMINISTRATIVO DE BENS DE SÓCIOS, ADMINISTRADORES, PESSOAS RELACIONADAS, DEMAIS RESPONSÁVEIS – O QUE JÁ ERA RUIM, PIOROU!




Ou o fisco brasileiro é muito esperto ou a classe empresarial é muito ingênua. Talvez ambas as constatações estejam corretas. Desde o início do século 20 isto vem sendo comprovado. Naquela época, com a transformação da fatura/duplicata, idealizada a pedido dos empresários, em instrumento com finalidades arrecadatórias por exigência do fisco. 

Num dos episódios muito conhecido, e não tão longevo, a introdução da sistemática não cumulativa do PIS/COFINS (Lei 10.637/2002 e 10.833/2003), implementada também a pedido dos empresários, transformada atualmente num manicômio tributário no qual ninguém se entende!

Como é que se permitiu a criação, agora, da regra que autoriza o bloqueio de bens dos contribuintes sem prévia medida judicial numa Lei (13.606/2018 - http://bit.ly/2G8BtDi), que versava sobre tema absolutamente estranho, i. e., o parcelamento de dívida do Funrural, é completa incógnita. É até mesmo injustificável numa época em que a atuação de lobbies é avassaladora, conforme comprova-o a denominada operação Lava-à-Jato. 

Se o cenário já era ruim, piorou muito quando no recente 3 de abril de 2018 o Congresso Nacional derrubou o veto do Poder Executivo ao artigo 20-D da referida Lei 13.606. Entenda:

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA - MENSAGEM DE VETO 27 
(09.01.2018)


Art. 20-D da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002, acrescido pelo art. 25 do projeto:
“Art. 20-D.  Sem prejuízo da utilização das medidas judicias para recuperação e acautelamento dos créditos inscritos, se houver indícios da prática de ato ilícito previsto na legislação tributária, civil e empresarial como causa de responsabilidade de terceiros por parte do contribuinte, sócios, administradores, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá, a critério exclusivo da autoridade fazendária:I - notificar as pessoas de que trata o caput deste artigo ou terceiros para prestar depoimentos ou esclarecimentos;II - requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;III - instaurar procedimento administrativo para apuração de responsabilidade por débito inscrito em dívida ativa da União, ajuizado ou não, observadas, no que couber, as disposições da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999.”
Razões do veto
“O dispositivo cria um novo procedimento administrativo, passível de lide no âmbito administrativo da PGFN. Ocorre que a proposta não deixa clara o seu escopo. Não estão claros os limites das requisições, tampouco os órgãos afetados. Assim, ao carecer de maior detalhamento, o dispositivo traz insegurança jurídica, impondo-se, por conseguinte, o seu veto.”

CONGRESSO NACIONAL - VETO 8/2018 
(03.04.2018)

Por meio do Veto n° 8/2018 do Congresso Nacional, com 360 votos de deputados e 50 votos de senadores os vetos do Presidente da República foram rejeitados, passando aquela parte então vetada a integrar a Lei 13.606.
Assim, passaram a viger os incisos I, II e III, todos do art. 20-D da Lei 10.522/2002, com a redação originariamente conferida pelo artigo 25 da Lei 13.606.
Pior, nas justificativas dadas pelo Congresso para derrubar os vetos presidenciais só se encontram comentários sobre o Funrural. Nem um único mísero pio sobre o bloqueio de bens dos contribuintes.
Os empresários foram enganados uma vez – quando a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) conseguiu, à sorrelfa, introduzir no limiar do ano novo o bloqueio de bens dos contribuintes numa lei que tratava do Funrural –; foram enganados uma segunda vez quando o veto presidencial veio a ser agora derrubado, estendendo as hipóteses de bloqueio aos bens pessoais de sócios, administradores, etc.

EFEITOS

Pode-se perguntar: no que muda essa derrubada do veto? A resposta: muda tudo! Isto mesmo, ao permitir que bens de sócios e administradores, pessoas relacionadas e demais responsáveis venham a ser também bloqueados sem a necessidade de autorização judicial.
Até agora o bloqueio de bens das empresas e de seus sócios ou administradores, pessoas relacionadas e demais responsáveis só era possível por meio de prévias providências judiciais e desde que com fundamento no CTN, nos casos de liquidação de sociedade de pessoas ou práticas de gestão com emprego de excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos (art. 134, VII e 135), ou em casos de abuso da personalidade jurídica caracterizados pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial (Código Civil, art. 50). 
Isso acabou em relação à empresa com a promulgação da Lei 13.606 em 9 de janeiro de 2018. E, agora, também com relação aos sócios e administradores, pessoas relacionadas e demais responsáveis, a partir de 3 de abril de 2018. 
O caput do art. 20-D contém um gatilho disparador do bloqueio de bens da empresa e dos sócios, administradores, etc: a ocorrência de indícios da prática de ato ilícito previsto na legislação tributária. Na verdade a legislação tributária não conceitua ou prevê o que seja ato ilícito. Este deve ser buscado na legislação civil e penal.
Assim, para que esse risco se materialize basta a existência de indícios da prática de ato ilícito (civil ou penal). Um planejamento tributário no qual o fisco vislumbre simulação (Código Civil, art. 167, § 1º), mesmo que inexistente, já será suficiente. 
Mas não apenas isto. Inclui-se nesse rol o abuso de direito como tal definido aquele em que seu titular, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes (Código Civil, art. 187). Ainda, a suposta prática de crime tributário previsto na Lei 8.137/90, como por exemplo, deixar de prestar informações, v. g., entregar declaração de rendas.
Antes da derrubada do veto ao art. 20-D o tema foi disciplinado pela PGFN através da Portaria PGFN 33/2018 (http://bit.ly/2HRTGWi). Agora deverá ser editada nova Portaria PGFN para esclarecer a operacionalização desse novo bloqueio de bens de sócios e administradores.

O QUE FAZER

Apesar de já em curso 4 ações diretas no STF questionando a constitucionalidade dessas novas disposições (ADIn), cabe aos contribuintes ter claro que qualquer medida da PGFN voltada para o bloqueio de bens, quer contra a empresa, quer contra os bens dos sócios, administradores, etc., deverão correr ao Judiciário. Lá essa distorção será sanada conforme dão indícios as liminares já concedidas aos contribuintes contra essa nova prática abusiva.
Franco Advogados Associados

17 de abril de 2018.


Artigos Relacionados: 




Nota importante: Em 9 de dezembro de 2020 o STF analisou, em conjunto, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5.881, 5.886, 5.890, 5.925, 5931 e 5.932, que buscavam o julgamento das regras da Lei 13.606/18 que permitiam ao fisco, sem autorização judicial, tornar indisponíveis imóveis ou veículos de contribuintes inscritos na Dívida Ativa, cuja conduta já havíamos antecipado ser inconstitucional. 
Nessa decisão agora ocorrida o STF, por 7 a 4, permitiu o registro da informação sobre a inadimplência, em cartório, para proteger terceiros. 
Interessante notar que, no mérito dessa decisão, prevaleceu o entendimento: "O Estado não pode se valer de meios indiretos de coerção". Chama a atenção essa conclusão ante sua gritante contradição com o entendimento dos membros daquela mesma Corte Suprema depois que o próprio STF já sentenciou, em 2019, que o comerciante que cobra o ICMS de seu cliente e não o repassa aos cofres públicos pode ser preso! (http://bit.ly/2GfmN6AA prisão não seria, por si mesma, meio indireto de coerção?

quinta-feira, 5 de abril de 2018

RETIRADA DE DESPESAS ADUANEIRAS DO VALOR ADUANEIRO - BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO (II), IPI, PIS/COFINS E ICMS

COMO REDUZIR O VALOR ADUANEIRO E OS TRIBUTOS


 ESCLARECIMENTOS INTRODUTÓRIOS


O Decreto 6.759/2009 dispôs integrar o valor aduaneiro, dentre outros, independentemente do método de valoração utilizado: a) o custo de transporte das mercadorias importadas até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro (art. 77, caput, I); b) os gastos relativos à carga, descarga e manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada da mercadoria ao porto, aeroporto alfandegado de descarga ou ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro (art. 77, caput e II).

A base de cálculo do PIS-Importação e COFINS-Importação é o valor aduaneiro, assim entendido aquele que serviu de base para o cálculo do II acrescido do ICMS cobrado no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições (Decreto 6.759/2009, art. 253).

A Instrução Normativa 327/2003 repete a previsão do art. 77 do Decreto 6.759/2009. 

O conceito de capatazia está expresso no referido Decreto: a atividade de movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário (art. 40, § 1º, I). 

O Decreto define que o trabalho portuário de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações nos portos organizados será realizada por trabalhadores portuários (art. 40). Estiva é a atividade de movimentação de mercadorias nos conveses ou nos porões das embarcações principais ou auxiliares, incluindo o transbordo, arrumação, bem como o carregamento e a descarga, quando realizados com equipamentos de bordo (art. 40, § 1º, II).

Capatazia relativa à descarga da mercadoria é realizada pelo operador portuário e por ele cobrada do importador, podendo ultrapassar a 1% do valor da operação (cerca de R$ 700,00 a R$ 900,00 por contêiner).

Pois os contribuintes passaram a opor divergência sobre se as despesas com descarga, manuseio e conferência de mercadorias (capatazia ou THC Terminal Handling Charges) ocorridas nos portos/aeroportos/local alfandegado de fronteira (zona primária) brasileiros deveriam ser incluídas no valor aduaneiro, base de cálculo do II e de todos os demais tributos, federais e estaduais que dele derivam (IPI, PIS/COFINS e ICMS).

O PONTO CENTRAL DA DISCUSSÃO


O ponto central da discussão, portanto, é que a expressão “até o porto” constante do Decreto e da IN não deveria abranger as despesas ocorridas após a chegada do navio ao porto. Segundo o STJ, de fato não podem ser incluídas na base de cálculo do II porque não guardam relação direta com os bens importados. Para a RFB, os encargos decorrentes da descarga, manuseio e transporte no Brasil são componentes do valor aduaneiro.

Fundamento dessa dissensão é o Acordo de Valoração Aduaneira negociado com o GATT (AVA-GATT), cujo item 8.2 dispõe:

 “Ao elaborar sua legislação, cada Membro deverá prever a inclusão ou a exclusão, no valor aduaneiro, no todo ou em parte, dos seguintes elementos: 
(a) o custo de transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação;

(b) os gastos relativos ao carregamento, descarregamento e manuseio associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação; ...”

Como atrás visto, o art. 77 do Decreto 6.759/2009 determinou integrar o valor aduaneiro, os gastos de capatazia até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga. E a IN 327/2003 dispôs que os gastos relativos à descarga da mercadoria do veículo de transporte internacional no território nacional serão incluídos no valor aduaneiro, independentemente da responsabilidade pelo ônus financeiro e da denominação adotada (art. 4º, § 3º).

Com efeito, os gastos de carga e descarga associados, no porto ou aeroporto de origem, ao transporte da mercadoria até o porto ou aeroporto de destino não compreendem os gastos sob as mesmas rubricas da mercadoria após sua entrada no porto/aeroporto brasileiro.

A IN 327/2003 e o Decreto violaram o Acordo de Valoração Aduaneira (art. 8º), o qual prevalece sobre a legislação interna (CF, art. 5º, § 2º e CTN, arts. 96 e 98).

A 2ª Turma do STJ decidiu por unanimidade (REsp 1626971/SC) pela exclusão dos gastos de capatazia (movimentação de mercadorias em portos e aeroportos) do valor aduaneiro, base de cálculo do II, IPI, PIS/COFINS e ICMS.

Confirmou assim entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região - TRF 4 (que julga decisões regionais federais do RS, PR, SC), o qual vem decidindo nesse sentido desde 2016 e cujo entendimento está consolidado na Súmula 92 daquela Corte Federal.

A 1ª Turma do STJ já vinha decidindo nessa mesma direção (REsp 1239625/SC). 

Desse modo cabe ao importador ir ao Judiciário não apenas para cessar essa cobrança que, segundo a União, apenas no que se refere ao II e IPI soma R$ 2 bilhões/ano, como também reaver os valores pagos indevidamente nos últimos 5 anos, o que monta R$ 12 bilhões segundo cálculos da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

O QUE MAIS DEVE SER EXCLUÍDO DO VALOR ADUANEIRO


Já há a tese de que as despesas com frete internacional e seguro devem ser também excluídas do valor aduaneiro, base de cálculo do II, IPI, PIS/COFINS e ICMS, com impacto significativamente maior que a mera exclusão das despesas de capatazia. E o fundamento, neste caso, é a ausência de lei formal posto que a única previsão quanto a estes itens constam do Decreto atrás comentado.

TAXA SISCOMEX


A par disso, recentemente informamos sobre a uniformização do entendimento das duas Turmas do STF e 2ª Turma do STJ acerca da inconstitucionalidade do aumento da Taxa Siscomex, com a possibilidade de pedido de restituição da diferença paga a maior nos últimos 5 anos (http://bit.ly/2HT6s6f). 

Tratam-se todos – redução do valor aduaneiro por exclusão de capatazia, frete internacional e seguro, mais redução da Taxa Siscomex –, de aspectos que, no seu conjunto, podem ter impacto significativo na redução dos custos de importação das empresas. A ser considerado e urgentemente acionado nos casos em que se vislumbrar economia.

Franco Advogados Associados

5 de abril de 2018