quinta-feira, 31 de maio de 2018

OS EFEITOS BENÉFICOS E PREJUDICIAIS DA PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA




COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA APÓS DECISÃO DE 2º GRAU



O Direito Tributário e o Penal se aproximam por serem regidos por alguns princípios comuns. Exemplos: a dúvida favorece o réu; anterioridade da lei; retroatividade benigna; devido processo legal; princípio da legalidade; tipo penal versus hipótese de incidência. 

São diferentes quanto à restrição que alcançam: direito tributário restringe o patrimônio; direito penal restringe a liberdade. 

Exatamente por isso, o que ocorre na esfera do Direito Penal pode interessar também ao Direito Tributário.

Vamos a um exemplo: quando a Lei 8.383/1991 veio atribuir ao contribuinte o direito a compensação tributária de tributos federais conduzida sob sua exclusiva responsabilidade no tocante ao cálculo do seu direito (pagamento indevido ou maior que o devido) e os procedimentos para promover a compensação por sua própria conta e risco, isso ensejou condutas ilícitas na medida em que créditos tributários inexistentes passaram a ser indevidamente apropriados.

Tal distorção foi corrigida por meio da Lei Complementar 104/2001 ao introduzir no CTN o art. 170-A prevendo que a compensação tributária, no caso de decorrer de contestação judicial, só pode ocorrer após o trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. 

Ou seja, qualquer tese tributária em relação à qual o contribuinte tenha sido vitorioso no Judiciário, como por exemplo, a exclusão do ICMS sobre o PIS/COFINS, a autorização para compensação só ocorre após esgotadas todas as instâncias – sentença de primeiro grau, 2º grau, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e STF.

É aí que entra em cena a proximidade do Direito Penal e Tributário. Como amplamente divulgado pela imprensa, o Supremo Tribunal Federal está às voltas com a questão sobre se a execução penal, ou seja, a prisão do condenado pode ter lugar com a sentença transitada em julgado, é dizer, após esgotados todos os recursos previstos na legislação penal, ou pelo contrário, pode ocorrer após decisão em 2ª instância, isto é, tribunal local.

Até aqui vem prevalecendo o entendimento vigente, e que pode ser ainda alterado, no sentido de que a execução da pena pode ocorrer logo após o julgamento de 2ª instância.

Se esse entendimento é válido para o Direito Penal no âmbito da execução penal, por que não pode ser igualmente aplicado no âmbito do Direito Tributário no concernente à compensação tributária?

Dito de outro modo, por que é necessário exaurir as instâncias judiciais para, só então, o contribuinte ter direito de exercer seu direito de compensação tributária? Por que não pode fruir esse direito após sentença favorável do tribunal local?

Uma Juíza da 9ª Vara do Trabalho de Vitória já aplicou esse entendimento do STF para conferir caráter definitivo a uma execução trabalhista determinando a execução de bens da empresa empregadora para o pagamento ao trabalhador (Valor Econômico, 24/04/2018).

Embora o art. 170-A do CTN aluda à expressão “trânsito em julgado”, sempre se entendeu que isso ocorre após decisão do STJ e do STF. Mas essa condição não se encontra expressa no CTN.

E a lógica é: se com o julgamento de 2ª instância é possível prender um condenado, por que não seria admitida a compensação tributária? 

Lembrando que entre o julgamento em 2ª instância e o julgamento no STJ ou STF, ou ambos conforme o caso, pode decorrer um longo e precioso tempo em que o custo financeiro pode significar muito, principalmente numa época de escasso acesso ao capital de giro.

É óbvio que se o direito à compensação decorrer de tese jurídica e não de matéria de fato, pode ser necessária a manifestação do STJ ou mesmo do STF para pacificar ali o entendimento jurídico. Não é esta a situação que envolve a exclusão do ICMS sobre o PIS/COFINS porque ali o STF já se pronunciou definitivamente, ao menos em casos concretos, embora sem efeitos gerais.

PRISÃO POR SONEGAÇÃO INEXISTENTE


Esse entendimento também tem o seu reverso e contrário: a possibilidade de prisão de executivos, conselheiros e sócios de empresas após condenação em 2ª instância por sonegação fiscal. 

Principalmente nos casos de interpretação equivocada do fisco sobre eventual planejamento tributário realizado pelo contribuinte. Alcança ainda, além do planejamento, quaisquer casos em que ocorram desdobramentos penais. Do total de multas aplicadas pela Receita Federal entre 2013 e 2017, de 26% a 36% foram feitas com multas qualificadas, aplicadas quando a fiscalização constata a ocorrência de sonegação, fraude ou conluio entre as partes. 

49,8 mil desses autos geraram representações fiscais para fins penais, que são comunicações do fisco para o Ministério Público averiguar a ocorrência, em tese, de crimes tributários. 

Ocorre que o fisco não detém conhecimentos jurídicos sobre o que seja tipificável como crime tributário, ou não. E, também, não responde penalmente por falsa imputação de crime. Ou seja, sua responsabilidade ao afirmar a ocorrência de crime, mesmo que inexistente, é zero.

O Ministério Público (MP) aguarda decisão do Conselho de Contribuintes (CARF) – instância administrativa – para, após decisão desfavorável ao contribuinte, iniciar processo criminal contra ele. Quando o contribuinte perde no CARF e prossegue em sua tese defensiva na instância cível, muitas vezes efetua depósito judicial ou apresenta fiança bancária para suspender a cobrança.

Nesse entretempo, correm em paralelo a ação penal proposta pelo MP e a ação cível interposta pelo contribuinte. Supondo que ele perca a discussão judicial cível em instâncias inferiores e, também na esfera criminal, a prevalecer esse entendimento de que a prisão pode ocorrer com decisão de 2º grau, corre o risco de ser preso. E se sua tese vier a ser vitoriosa no STJ ou no STF? 

Talvez a solução para esse risco estivesse na aplicação das regras introduzidas pela MP 685/2015 que instituiu o programa de redução de litígios tributários (PRORELIT). Ocorre que na conversão dessa MP na Lei 13.202/2015 essa previsão legal foi proscrita. Tanto que no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5366 proposta pelo PSB o Ministro Luiz Fux decidiu por sua extinção sem julgamento do mérito, dentre outras razões, porque na conversão em lei as regras do PRORELIT não foram reproduzidas.

Franco Advogados Associados


São Paulo, 31 de maio de 2018.


TEMA RELACIONADO: 

PLANEJAMENTOS TRIBUTÁRIOS – PRÉVIA DECLARAÇÃO AO FISCO (PRORELIT) – MP 685









sexta-feira, 18 de maio de 2018

VOCÊ SABIA QUE DESÁGIOS OBTIDOS EM PROGRAMAS DE PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO SÃO TRIBUTADOS?



PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO

INTRODUÇÃO DO TEMA


TRIBUTAÇÃO DO PERDÃO PARCIAL DE DÍVIDA TRIBUTÁRIA. Os descontos obtidos em multas e juros nos Programas Especiais de Parcelamento Tributário (REFIS/PERT, etc) são tributados pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Ou, pelo menos, assim sempre se entendeu.

O julgamento do STF na questão envolvendo o ICMS sobre PIS/COFINS, entretanto, está rendendo desdobramentos.


Num caso que chegou à Justiça Federal recentemente, com fundamento na tese consagrada pelo STF de que receita tributável é receita própria, não aquelas que representam repasses para os governos ou, como neste caso, perdão de dívida por não representar ingresso financeiro, o juiz deu razão para o contribuinte, afastando a tributação.


Tem-se, aí, mais uma tese a ser levada ao Judiciário com chances de êxito. O contribuinte em questão foi bem sucedido, a confirmar a validade da tese.

 

A REGRA



Ambiente negocial profundamente complexo. As barreiras levantadas contra o empreendimento no Brasil são reconhecidamente hostis. Isso prova que empreender, neste País, não é coisa para fracos. 

Foram embora do País, nos últimos anos, não apenas mas também justificado pela complexidade e elevada carga tributária, dentre outras: Kirin (japonesa), Geely Motors (chinesa), Mahindra Motors (indiana), Aston Martin (inglesa), HSBC (inglês), Citibank (americano), Hertz (americana), FNAC (francesa), Starbucks (americana), Nintendo (japonesa).

Veja: o perdão de dívida tributária, como tal entendidos os descontos obtidos pelo contribuinte a título de multas e juros moratórios em programas de parcelamento tributário (os famosos REFIS, PERT e equivalentes) são considerados pela Receita Federal acréscimos patrimoniais e, nessa condição, são tributados pelo Imposto de Renda (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL), PIS e COFINS. 

Esse entendimento fiscal está firmado na Solução de Consulta 17/2010 (27.04.2010), sob o argumento de ocorrência de redução do passivo, cuja receita correspondente deve ser tributada por inexistir previsão legal de isenção.

Interessante observar que nas pesquisas diretamente conduzidas no site da RFB, não existe a Solução de Consulta 17 de 27.04.2010. Mas há a Solução de Consulta DISIT 306 de 04.09.2007. 

Esta última conclui expressamente que sobre o perdão: a) incide IRPJ; b) incide CSLL; c) a receita relativa ao perdão, originariamente registrado em contrapartida a conta de despesa não se sujeita ao PIS/COFINS; b)  se a receita relativa ao perdão estava originariamente registrada em contrapartida à conta de ativo, como é o caso de remissão de capital de dívida, sujeita-se ao PIS/COFINS.

ENTENDA O CASO


Por entender que redução de multas e juros não constitui faturamento ou receita de modo que não poderia ser base para tributação, uma empresa de Rondônia foi bater às portas da Justiça Federal (Proc. 1000052-91.2018.4.01.4103).

Com fundamento na decisão do Supremo Tribunal Federal que afastou a incidência do ICMS sobre PIS/COFINS, o juiz federal que analisou o caso reconheceu razão à empresa. Para ele, a partir do entendimento do STF o perdão de dívida não poderia ser tratado como receita para fim de tributação, mas apenas para fins de demonstração de resultado da empresa, por não configurar ingresso financeiro:

“As verbas decorrentes do perdão não integram o patrimônio de forma inaugural, não havendo aquisição de disponibilidade nova, mas apenas eliminação de um comprometimento patrimonial existente.Desse modo, os juros e multas remitidos [perdoados] não podem ser considerados faturamento e, portanto, não integram a base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS” (Valor Econômico, 08/05/2018).

Tecnicamente, isto é, do ponto de vista legal, a interpretação da Receita está correta. O problema é que nem tudo que é legal é também justo. Se uma empresa aderente a um programa especial de parcelamento for tributada pelo lucro real, sobre a redução da multa e juros terá que pagar tributos e contribuições no montante de 43,25% (nominal) do desconto autorizado!

Naquele caso concreto, objeto da ação citada, para uma anistia de cerca de R$ 30 milhões o fisco exigiu de volta aproximadamente R$ 3 milhões.

O governo dá com uma mão e, com a outra, exige parte de volta! Talvez isto justifique por quê no último programa de parcelamento o legislativo tenha, após  rumorosa queda de braço, feito o executivo engolir, a contragosto da Receita, descontos inéditos que chegaram a 90% sobre os juros e 70% sobre as multas (Lei 13.496/2017).

POSSÍVEL SOLUÇÃO JURÍDICA


Considerando que ninguém entra num REFIS porque quer, sendo a isso compelido ante a pesada carga tributária incompatível com a capacidade contributiva da maioria dos contribuintes, o ideal é que leis que introduzissem novos REFIS também previssem expressamente o afastamento desses tributos sobre a parcela perdoada para que os benefícios advindos desses programas especiais de parcelamento fossem plenos. Ou que novas leis viessem a assim prever alcançando os programas já vigentes.

Pior é que, muitas vezes por desconhecer esse efeito adverso dos descontos obtidos, muitos contribuintes podem vir a ser autuados, caso em que acrescem-se novas multas e juros punitivos.

Franco Advogados Associados

18 de maio de 2018


Artigo Relacionado:

ADESÃO A PROGRAMAS DE PARCELAMENTO – CONFISSÃO IRREVOGÁVEL E IRRETRATÁVEL DE DÍVIDA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA SEGUIDA DE EXPRESSA RENÚNCIA A QUALQUER DEFESA, ADMINISTRATIVA OU JUDICIAL, BEM COMO DESISTÊNCIA DAS JÁ INTERPOSTAS – RESTRIÇÃO ILEGAL – POSSIBILIDADE DE REABERTURA DE DISCUSSÃO JUDICIAL






terça-feira, 8 de maio de 2018

NÃO INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE VERBAS TRABALHISTAS DEVIDAS PELO EMPREGADOR – ECONOMIA TRIBUTÁRIA – CRITÉRIOS – ATUALIZAÇÃO DO TEMA




 



A incidência da Contribuição Previdenciária representa ônus muito pesado para as empresas. A interpretação sobre quais verbas pagas pelas empresas sujeitam-se a sua incidência são muito díspares e oscilantes. O Fisco tem o seu entendimento, o CARF também, os Tribunais Regionais Federais idem, o STJ já se posicionou sobre o tema e o STF também.

Essas interpretações, e as nossas, são objeto dos presentes comentários.

O contribuinte também pode ter a sua, baseada nas seguintes premissas: contraprestação do trabalho e habitualidade de um lado (incide) e, de outro, eventualidade, indenização e benefício social (não incide).

Vale à pena revisar os procedimentos submetendo ao escrutínio cada rubrica paga para excluir aquelas que, por sua natureza, não se sujeitam à contribuição previdenciária. A economia pode ser substancial. O risco de autuação pode ser afastado por medida judicial adequada.


I – 1/3 DE FÉRIAS (ABONO), AVISO PRÉVIO INDENIZADO, SALÁRIO-MATERNIDADE, PRIMEIROS 15 DIAS DE AUXÍLIO DOENÇA/ACIDENTE



STJ (1ª SEÇÃO) – 


Em 2012 a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tinha em pauta o julgamento da incidência de contribuições previdenciárias sobre o salário-maternidade e 1/3 constitucional de férias. Tratava-se de um recurso interposto pela rede varejista Ponto Frio. Contrariando sua própria jurisprudência, aquela Corte concluiu pela não incidência sobre essas verbas.

No julgamento dos REsp 1.230.957/RS em 2013 e 1.358.281 em 2014 (STJ, 1ª Seção, recurso repetitivo) foi decidido pela não incidência sobre: 1/3 constitucional de férias; aviso prévio indenizado; primeiros 15 dias de auxílio doença/acidente. 

O entendimento consolidado pelo STJ é que não devem sofrer incidência da contribuição previdenciária as importâncias pagas: a) a título de indenização; b) que não correspondam a serviços prestados; c) nem correspondam a tempo à disposição do empregador.

Por outro lado, segundo o STJ deve integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária a verba trabalhista que possuir: a) natureza remuneratória; b) destinada a retribuir o trabalho, qualquer que seja sua forma. Ao que o STF acrescentou: c) habitualidade.

A doutrina vem se debatendo sobre o que determina essa habitualidade.

RFB E SUA CONTRARIEDADE AO DECIDIDO PELO STJ EM REPETITIVO


Na sequência, apesar de no julgamento do recurso repetitivo a 1ª Seção do STJ (REsp 1.230.957/RS e 1.358.281) concluir contrariamente à tributação do abono de férias, em início de 2015 a Receita Federal (RFB) prosseguiu autuando os contribuintes por entender o contrário. Esse entendimento administrativo veio materializado na Solução de Consulta (SC) 1.001, vinculada à Solução de Consulta COSIT 188 de junho de 2014.

A empresa consulente alegava tratar-se, essa rubrica, de verba indenizatória e não remuneratória em relação à qual o STJ já havia pacificado seu entendimento. 

A RFB fundava sua contrariedade na ausência de manifestação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), nos termos da Lei 10.522/2002, art. 19 e, ainda, porque havia discussões pendentes de solução definitiva pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Naquela época o STF já havia se posicionado por diversos precedentes no sentido de que somente as parcelas incorporáveis aos salários sofreriam a incidência da contribuição previdenciária, o que não seria o caso de 1/3 de férias ante sua natureza indenizatória.

Por meio da Solução de Consulta 99.101 de 22.08.2017 a RFB prosseguiu defendendo a incidência da contribuição previdenciária sobre 1/3 de férias e primeiros 15 dias de afastamento do empregado em razão de doença ou acidente, determinando aos fiscais ignorarem a Nota 115/2017 da PGFN que dispensava os procuradores de recorrer em relação à dita contribuição devida pelo empregado.

Nessa SC a RFB concluiu que o aviso prévio indenizado, exceto seu reflexo no 13º salário não integra a base da contribuição previdenciária. 

NOTA:
Em meados de 2017, numa reviravolta inesperada porque contrária aos fundamentos do repetitivo do STJ até então prevalecente, no julgamento do STF de 29/03/2017 apreciando o Tema 20 da repercussão geral fixou este a tese de que “verbas habituais” compõem o cálculo da contribuição previdenciária. Com base nisso a PGFN editou a Nota 520 (13/06/2017) defendendo que o entendimento do STJ em repetitivo teria sido superado pela decisão do STF, passando a uniformizar-se, a partir daí, o entendimento da PGFN e o da RFB. 
Mesmo com essa mudança, o TRF4 (Rio Grande do Sul), concluindo que a importância paga a título de 1/3 constitucional de férias possui natureza indenizatória/compensatória, não constituindo pois ganho habitual do empregado, decidiu, em fevereiro/2018 (5008179-36.0217.4.04.7001) por manter o entendimento do STJ proferido no REsp 1.230.957/RS e 1.358.281, afastando a incidência da contribuição previdenciária.
Em 2017 o Ministro Tofolli (RE 1.066.730) aplicou a decisão do RE 565.160 para concluir que 1/3 de férias integra o salário-contribuição embora essa questão (natureza remuneratória e habitual) não tenha sido no RE 565.160 analisada.

II – 15 DIAS DE SALÁRIO (LICENÇA MÉDICA OU ACIDENTÁRIA)


Nessa época, várias empresas já estavam indo ao Judiciário fazendo valer o entendimento do STJ sobre a inincidência sobre 1/3 de férias e buscavam recuperar o que havia sido recolhido nos últimos 5 anos.

Ainda no início de 2015 uma confecção paulista havia conseguido liminar perante a 8ª Vara da Justiça Federal de São Paulo para deixar de recolher contribuição previdenciária devida sobre 15 dias de salário no caso de licença médica ou acidentária (até fevereiro/2015 as empresas deviam apenas sobre os primeiros 15 dias de afastamento, passando a 30 dias a partir da MP 664/2014, porém na sua conversão na Lei 13.135/2015 retornou aos 15 dias).

NOTA:
Em dezembro de 2014 a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF 3ª Região) decidiu por unanimidade pela não incidência do FGTS sobre férias indenizadas, aviso prévio indenizado, auxílio-doença, auxílio-acidente (primeiros dias de afastamento) e 1/3 de férias. Os TRFs da 2ª e 5ª Região têm proferido decisões favoráveis aos empregadores.

No final de 2015 um Sindicato paulista obteve decisão definitiva da Justiça Federal (1ª Turma do TRF-3) – tal decisão, unânime, seguiu orientação do STJ firmada em sede de recurso repetitivo, ante sua natureza indenizatória e não salarial – para que seus 39 mil associados deixassem de recolher contribuição previdenciária calculada sobre os primeiros 15 dias de auxílio-doença e auxílio-acidente.

III – SALÁRIO-MATERNIDADE/PATERNIDADE



A Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizou em 17 de novembro de 2015 Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF contra a incidência da contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade. O argumento é que o art. 28, § 9º, “a” da Lei 9.528/97 afronta dispositivos constitucionais que garantem a proteção à maternidade e ao direito das mulheres ao mercado de trabalho, previstos na Constituição Federal, arts. 5º, 6º e 7º.

O entendimento da PGR é que a exigência da contribuição previdenciária, nesse caso, contribui para o aumento do custo do empregador com a mão de obra feminina comparativamente à masculina, constituindo fator de discriminação contra a mulher no mercado de trabalho, fragilizando a proteção constitucional à maternidade.

Além do que, não se trata de remuneração paga pelo empregador uma vez que no período não há trabalho, apenas um benefício previdenciário garantido pela CF.

NOTA:
Antes da apresentação dessa Adin, em fevereiro de 2014 a 1ª Seção do STJ já havia decidido, no âmbito de recurso repetitivo, pela incidência da contribuição previdenciária sobre salário-maternidade e paternidade. 


IV – AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO 
(VALE ALIMENTAÇÃO OU VALE REFEIÇÃO)



CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS (CARF) – STJ – STF



No início de 2018 o CARF decidiu que o auxílio-alimentação, pago em dinheiro ou ticket, integra o salário para efeito de recolhimento da contribuição previdenciária. 

A reforma trabalhista (Lei 13.467/2017, art. 457, § 2º) prevê que sobre o auxílio-alimentação não incide qualquer encargo, trabalhista ou previdenciário, salvo no caso de pagamento em dinheiro. O fisco argumenta que tickets equivalem a dinheiro.

Segundo a relatora do CARF, com fundamento no Decreto 5/1991 que regulamentou a Lei 6.321/1976, somente seriam excluídos da base da contribuição previdenciária os custos com refeições fornecidas por meio de serviços próprios de refeição ou distribuição de alimentação mediante convênio com empresas de alimentação coletiva.

O problema desse entendimento é que muitas empresas que aderem ao Programa de Alimentação ao Trabalhador (PAT) do Ministério do Trabalho fornecem ticket-refeição.

NOTA:
Em julgamento do STJ em fevereiro de 2017 a 1ª Turma já havia decidido que o auxílio-alimentação pago em dinheiro, por meio de vale-alimentação ou tickets, e com habitualidade, tem natureza salarial e integra a base da contribuição previdenciária (REsp 1591058). O STF, em 2010, entretanto, decidiu não incidir contribuição previdenciária no pagamento do vale-transporte em dinheiro (RE 478.410), o que, por equiparação, poderia ser aplicado ao vale-alimentação. Todavia, na reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) ficou excluída da incidência previdenciária o vale-alimentação pago em dinheiro.


V – QUADRO RESUMO DE INCIDÊNCIAS (SEGUNDO A RFB)



A RFB divulga em seu site uma tabela de incidência a qual obedece o entendimento daquele órgão fiscalizador. A seguir a reproduzimos – parcialmente, considerando sua extensão e selecionando os itens por nós reputados principais –, adicionando uma coluna com o nosso entendimento fundado nos julgados do STF e do STJ:




RUBRICA
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - INCIDÊNCIA
RFB
STF/STJ

Abonos
Sim
Não (se previsto em acordo coletivo ante seu caráter eventual)
Abono salarial
Não
Não (se expressamente desvinculado do salário, mesmo se pago de forma espontânea)
Adicional férias (CF, art. 7º, XVII)
Sim
Não (conforme STJ e TRFs)
Abono Pecuniário (1/3 de férias vendido)
Não
Não 
Acordo na Justiça do Trabalho:
·  Parcelas que integram o salário contribuição ou o total do acordo quando não discriminadas
·  Parcelas não integrantes do salário contribuição quando discriminadas
·  Férias indenizadas e 40% FGTS
·  Atualização monetária das parcelas
·  Juros moratórios
·  Honorários periciais


Sim
Sim
Não
Não
Não
Não
Sim
Sim (apenas as consideradas salário contribuição)
Não
Não
Não
Não
Adiantamentos:
·  13º salário
·  Férias
·  Salário
·  Vale (não restituído)


Não
Não
Não
Não
Não
Não
Sim
Sim
Adicionais (insalubridade, periculosidade, trabalho noturno, tempo de serviço)
Sim
Sim
Ajuda de custo (exclusivamente decorrente da mudança do local de trabalho):
·  Paga uma única vez (CLT, art. 470)
·  Paga em mais de uma parcela




Não
Não
Sim
Não (apesar de paga mais de uma vez, não perde sua natureza não habitual)
Alimentação (PAT)
Não
Não (lembramos que o CARF vem mudando seu entendimento e chancelando autuações fiscais, mas o STF já decidiu não incidir sobre vale-transporte pago em dinheiro, o que poderia ser estendido para vale-alimentação - vide também reforma trabalhista)
Assistência médica (serviço médico ou odontológico próprio da empresa ou convênio)
Não
Não (atenção para julgados do CARF pela incidência quando estabelecidas diferenciações de atendimento entre trabalhadores e dirigentes)
Auxílio-doença:
·  Até 15 dias
·  Complementação salarial (desde que extensivo à totalidade dos empregados)


Sim
Não (vide entendimento do STJ)
Não
Não
Aviso Prévio trabalhado
Sim
Sim
Aviso Prévio indenizado
Não
Não
Benefícios da previdência social
Não
Não
Salário-maternidade
Sim
Não (entendimento sufragado por Adin proposta pela PGR, embora ainda não julgada)
Bolsa de estudos
Sim
Não (não tem natureza remuneratória, não retribui trabalho, embora durante seu pagamento ausente a eventualidade)
Gratificações (concedidas a qualquer título quando habituais)
Sim 
Sim (não se não habituais)
Cesta básica (PAT)
Não
Não
Comissões
Sim
Sim
13º salario
Sim
Sim (STF, Súmulas 688 e 207)
Diária para viagem (se excedente de 50% da remuneração mensal)
Sim
Sim
Férias
Sim
Sim (exceto o dobro previsto na CLT, art. 137)
Férias indenizadas
Não
Não
Gorjetas
Sim
Sim
Gratificações (habituais)
Sim
Sim (não se não habituais)
Habitação fornecida contratualmente
Sim
Sim
Habitação para trabalho em localidade distante da residência do empregado
Não
Não
Horas Extras
Sim
Sim
Licença remunerada
Sim
Sim
Lucros distribuídos
Não
Não
Lucros distribuídos: a) na forma de antecipação; b) ou quando não houver discriminação entre remuneração do trabalho e a do capital; c) ou se tratar de adiantamento de lucros ainda não apurados; d) ou quando a contabilidade for deficiente
Sim
Não (nem o fisco tampouco o legislador pode alterar uma realidade: lucro distribuído ao sócio/acionista prossegue com sua natureza inalterada independentemente de qualquer condição; jamais será remuneração salarial)
Multas (acordo ou sentença e art. 477, § 8º CLT)
Não
Não
Participação nos lucros (MP 794/94)
Não
Não
Prêmios
Sim
Não (nos termos da nova legislação trabalhista)
Reembolso despesas médicas e medicamentos (desde que a cobertura abranja todos os empregados)
Não
Não
Pró-labore (vide “Lucros distribuídos”)


Repouso semanal
Sim
Sim
Salário família (valores legais)
Não
Não
Vale-Transporte (Lei 7.418/85 e Dec. 95.247/87)
Não
Não


 

VI - CONCLUSÃO


Está em questão, na instância administrativa e na judicial, no caso, a natureza da verba paga: a) contraprestação do trabalho e habitualidade de um lado e, de outro; b) eventualidade, indenização e benefício social.

O STF se negou a avaliar a natureza das rubricas a partir de suas características: remuneração; indenização; habitualidade, por entender tratar-se de análise infraconstitucional, da alçada do STJ. Assim como também não explicitou o que se enquadra dentro do conceito de habitualidade.

Se os arts. 22 e 28 da Lei 8.212/1991 combinados com o § 11 do art. 201 da CF dispõem compor o salário contribuição as verbas habituais e remuneratórias do trabalho, logo não incide contribuição previdenciária sobre: a) verbas indenizatórias; b) as decorrentes de benefícios sociais e; c) aquelas não habituais.

Caberia ao STJ dizer sobre a natureza remuneratória ou indenizatória e habitual ou eventual, prevalecendo o decidido no RESp 1.230.957 que inibe a incidência sobre os primeiros 15 dias de afastamento (benefício social) e 1/3 de férias (não retribui serviços prestados, tampouco configura tempo à disposição do empregador e possui natureza indenizatória ou compensatória).

A conclusão do STJ contrária à incidência da contribuição previdenciária sobre 1/3 de férias e primeiros 15 dias de afastamento não foi prejudicada pelo julgamento do STF (Tema 20), o qual reafirmou que a CF prevê a integração das verbas habituais ao salário de contribuição, mas desde que remuneratórias.

Ante todo o exposto, fixados os critérios, cabe ao contribuinte conduzir providências no sentido de deixar de recolher a contribuição previdenciária sobre as verbas em relação às quais concluir: a) ter natureza indenizatória; b) não corresponder a serviços prestados; c) não corresponder a tempo à disposição do empregador; d) ser eventual (não habitual). 

E recolher em relação àquelas que concluir: a) ter natureza remuneratória; b) destinada a retribuir trabalho; c) ser paga com habitualidade. 

O quadro sinótico acima foi elaborado para auxiliá-lo nessa tarefa.

Além disso, se optar pela garantia proporcionada pela escolha da via judicial, deve requerer a repetição do montante indevidamente recolhido nos últimos 5 anos.


Franco Advogados Associados

8.5.2018


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Vide atualização deste tema em matéria postada em 13/11/2020, sob o título "Vale Transporte - Não Incidência da Contribuição Previdenciária"