segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

VOCÊ REALMENTE SABE O QUE É CONCORRÊNCIA DESLEAL?











CASOS CURIOSOS NO
PLANEJAMENTO SOCIETÁRIO E FAMILIAR SUCESSÓRIO




I – INTRODUÇÃO


Concorrência desleal conceitua a disputa por clientes, conduzida por meios desonestos. Rivalidade comercial ou industrial capaz de criar confusão mediante emprego de falsas afirmações visando desvio de clientela dos concorrentes. 

Ao menos era isso o que se sabia, ou se intuía sobre esse conceito.  Adicione agora uma nova hipótese: Estados e Municípios se engalfinhando para cobrar, respectivamente, de um lado, imposto sobre herança e doação (ITCMD) e, de outro, imposto sobre transações onerosas de bens imóveis (ITBI). Ambos, predadores de uma única vítima: o cidadão!

Ambos concorrem deslealmente. Objeto da concorrência é o cidadão, a quem não se pode denominar contribuinte porque ambos – Estado e Município – ou, ao menos um deles, não tem direito algum de exigir o que quer que seja. 

Pois é exatamente isto que ocorre no atual cenário em que Estados e Municípios travam luta empedernida por arrecadação, não importando o bom senso, a boa-fé, a legalidade, a constitucionalidade. Nada importa!

Vamos explicar: por décadas nós, planejadores tributários societários e familiares sucessórios vimos estruturando a economia fiscal não apenas, mas também, com base na substituição da doação tributada pelo ITCMD (4% no Estado de São Paulo), por empréstimos.

Igualmente, muitas vezes na divisão patrimonial os sucessores elegem dentre os bens partilháveis aqueles de sua preferência, por exemplo, dinheiro, imóveis. E nós elaboramos o planejamento com base na opção feita, sempre objetivando o menor custo tributário.

E não é que o Estado de São Paulo, no caso de empréstimos, vem exigindo o ITCMD sob o argumento de que empréstimo é doação?

E, os municípios, exigindo o ITBI (3% no caso do Município de São Paulo) sobre partilhas em que uma pessoa escolhe imóvel e a outra dinheiro – ainda que tal partilha ocorra em montantes equivalentes (50% para cada uma, por exemplo) –, concluindo que aquele que optou pelo imóvel comprou a parte do outro?

II – ITCMD


O ITCMD, de competência estadual, incide sobre heranças e doações. Considere-se aqui a doação. 

Se uma pessoa pode transferir à outra dinheiro ou bens porque a lei civil garante a ela tal opção (Código Civil, art. 104), pode escolher também a forma de fazê-lo: empréstimo ou doação. 

Empréstimo não é doação, ou vice-versa. Ambas as figuras jurídicas convivem harmonicamente no Código Civil. A primeira, debaixo das disposições dos arts. 579 e seguintes; e a segunda, sob os arts. 538 e seguintes.

A opção por uma ou outra não é do fisco, jamais! Tampouco pode ele presumir ou equiparar situação jurídica diferente daquela eleita pelo cidadão – invariavelmente ele presume ou equipara aquela capaz de gerar arrecadação para os cofres públicos.

Na separação conjugal de pessoas casadas sob o regime de comunhão parcial, por exemplo, em que o direito de cada cônjuge equivale a 50% do patrimônio construído ao longo da vida conjugal, ocorre que se um deles resultar com parcela superior a 50% o fisco exige o ITCMD sob alegação de que em relação à diferença superior à referida metade ocorreu doação. A nosso ver, corretamente, sob a perspectiva do ITCMD.

Agora, na sequência, vem a situação que esclarece a concorrência desleal do título que encabeça este Artigo, pois Estado e Municípios querem tributar a mesma situação jurídica.

III – ITBI 

Se, na diferença mencionada acima – denominada excesso de meação –houver transferência de imóvel, os municípios vêm exigindo também o imposto municipal! Só que, nesse caso, não apenas sobre o excedente dos 50%, mas sobre a integralidade do valor do imóvel!

Exigem ITBI, ainda que inexista excesso de meação. Por exemplo, numa divisão igualitária de valores quando um opta por imóvel e outro por dinheiro, ao fundamento de que um comprou a parte do outro.

Lembrando que o ITBI incide sobre operação onerosa envolvendo bem imóvel. 

Em favor de suas teses lançam mão da previsão contida no art. 2017 do Código Civil, segundo o qual na partilha de bens deve-se observar a maior igualdade possível no tocante ao valor, natureza e qualidade.

IV – A QUESTÃO NO JUDICIÁRIO PAULISTA (TJSP)
A – ITCMD

Perplexamente, as decisões vêm se encaminhando majoritariamente no sentido de que o perdão de dívida deve ser tributado pelo ITCMD. Essas questões ainda não chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Um fator preponderante considerado nessas decisões é a ausência de comprovação da quitação da dívida oriunda do empréstimo ou falta de previsão de como tal quitação ocorreria (Apelação 8000594-79.2013.8.26.0014; Apelação 004537-96.2011.8.26.0602; Apelação 0006243-86.2011.8.26.0482).

Das 4 Câmaras de Direito Privado do TJSP, apenas numa delas há uma decisão favorável – e por unanimidade – ao apelante (Apelação 004536-14.2011.8.26.0602). O Relator entendeu ter havido equívoco no preenchimento da Declaração de IR. 

Mas, nesse caso, ele foi mais longe, afirmando não poder se equiparar perdão de dívida à doação já que “considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”, enquanto que o “perdão da dívida é remissão, forma de extinção de uma obrigação, nos termos do artigo 385 do CC [Código Civil]” 

Para então concluir: “a pretendida equiparação de uma figura contratual a uma mera forma de extinção de obrigação evidentemente representa violação ao princípio da legalidade tributária” (Valor Econômico 16.01.2019). 

B - ITBI

Em relação a esse imposto os municípios estão perdendo a batalha. O TJSP decidiu em favor do cidadão – por unanimidade –, num caso que envolveu divórcio consensual, sob o argumento de que não ficara comprovada na ação que a partilha amigável resultara em divisão desigual ou que a transmissão do bem ocorrera mediante remuneração pois houvera o recolhimento do ITCMD, a comprovar a existência de doação gratuita entre os ex-cônjuges.

Ou seja, sobre um mesmo fato econômico – excesso de meação – sobre o qual fora recolhido o imposto sobre doação (ITCMD) ao Estado, o município quis também imposto sobre transação onerosa sobre bens imóveis (ITBI), numa jocosa concorrência desleal em que objeto da disputa foi não o desvio de clientela mediante emprego de ardis, mas sim o cidadão tornado ilegalmente contribuinte – ao menos sob a perspectiva de uma das pretensões tributantes, no caso, pretensão do município!

A Relatora do caso concluiu ser a Constituição clara ao determinar a competência da municipalidade para instituir imposto sobre transmissões onerosas de imóveis (ITBI), “o que não ocorreu no caso (...). 

E prosseguiu: a simples suposição não faz realidade. Houve apenas divisão patrimonial entre os ex-cônjuges”. “... a partilha de bens configura ato não oneroso e representa apenas a divisão patrimonial dos bens, já existentes em comunhão, afastando qualquer hipótese de venda ou transmissão não incidindo, portanto, ITBI.” (Apelação 1014237-15.2016.8.26.0114).

Como se vê, esse caso revela, com intensidade, o disparate da pretensão municipal.

V – EQUIPARAÇÃO

Viu-se, mais atrás, que o fisco estadual equipara empréstimo à doação. E, o fisco municipal, partilha à compra e venda.

Equiparação é igualação, ato pelo qual se põem em posição de igualdade duas coisas ou fatos que se aparentam desiguais, pretendendo conferir a coisas diferentes efeitos jurídicos perfeitamente idênticos como se fossem coisas realmente da mesma espécie ou natureza. No Direito, o que é equiparado regula-se pela mesma regra jurídica e produz os mesmos efeitos (De Plácido e Silva). 

Equiparação não se confunde com analogia, tampouco com a interpretação extensiva. Isto porque, enquanto equiparação significa igualação, já analogia preenche uma lacuna na norma jurídica e a extensão interpretativa completa a norma existente (Carlos Maximiliano). 

A equiparação é inadmitida, exceto quando prévia e expressamente prevista na lei, porque o Direito Tributário é regido por princípios, dentre eles o da estrita legalidade. Só pode ser exigido tributo cujos elementos estejam perfeitamente descritos na lei (sujeito ativo, passivo, fato gerador, base de cálculo, alíquota, etc).

E só lei complementar pode estabelecer normas gerais tributárias que definam tributos e suas espécies, fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (CF, art. 146). Só lei ordinária pode instituir tributos, definir fato gerador tributário, fixar sua base de cálculo (CTN, art. 97 e incisos).

Desse modo, a equiparação não pode ser utilizada para exigir tributo fora das situações em que a lei tributária não a expressamente admita. E, nos casos aqui selecionados, não há qualquer permissão legal para os fiscos estaduais e municipais equipararem situações distintas para conferir a coisas diferentes efeitos jurídicos perfeitamente idênticos como se fossem coisas realmente da mesma espécie ou natureza.

Ainda porque o CTN veda a aplicação da analogia para exigir tributo não previsto em lei (art. 108, § 1º) – o que vale também para exigências além do previsto na lei. 

Reforça essa afirmativa a vedação à alteração da definição, do conteúdo e do alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado para definir novas competências tributárias (CTN, art. 110). 

Os princípios gerais de direito privado podem ser utilizados para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários (CTN, art. 109). 

Mais não bastasse, nas esferas administrativa e judicial, nem o fisco estadual ou municipal pode decidir-se pela tributação sem considerar as consequências práticas de sua decisão, tampouco o Judiciário pode assim proceder (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, art. 20, caput).

Além do que, a invalidação do contrato de empréstimo transmutado por decisão administrativa ou judicial em contrato de doação deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas, indicando as condições para que a regularização ocorra não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas anormais ou excessivos (LINDB, art. 21).

Outrossim, a decisão administrativa ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova deve prever regime de transição (LINDB, art. 23). E quando revista prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento, prevalente na época da prática do ato, é vedado que se declarem inválidas situações plenamente constituídas à época de tal revisão (LINDB, art. 24 e par. único).

Por fim, as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas (LINDB, art. 30, caput).

VI – CONCLUSÃO

Contrariando visceralmente as regras acima, com destaque especial para as da LINDB, a administração pública e o Judiciário, no caso da exigência, pelo Estado, do ITCMD sobre empréstimos convolados por interpretação injurídica em doação, mostra-se absolutamente ilegal.

Quem pretender prosseguir utilizando a figura do empréstimo em substituição à opção pela doação, pode fazê-lo. A Constituição, o Código Civil, o CTN e a LINDB asseguram esse direito. As decisões em sentido contrário do TJSP serão certamente revistas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) quando essas disputas lá chegarem.

Importante é formalizar o empréstimo por instrumento contratual, preferencialmente registrado em Cartório para conferir-lhe publicidade, no qual esteja expressamente prevista a forma e prazo para sua quitação, incluindo previsão de prorrogação do vencimento contratual de modo a assegurar flexibilidade no resgate da dívida por parte do devedor. 

Do mesmo modo, ofende o Direito Brasileiro a exigência, pelas administrações municipais, do ITBI sobre excesso de meação ou sobre partilhas iguais em que uma das partes opta por receber imóvel ao invés de outros bens. 

A ofensa jurídica, no caso da opção pelo imóvel, ocorre também porque a aquisição do direito sobre ele, imóvel, adveio da aplicação de regras de direito hereditário que garantiu ao beneficiário tal direito. O imóvel se originou do patrimônio do falecido, isto é, daquele que anteriormente detinha sua propriedade. Não proveio do outro herdeiro, também beneficiário, é dizer, daquele que optara por receber seu quinhão em dinheiro.

A regra prevista no art. 2017 do Código Civil, atrás comentada, é direcionada para a proteção do herdeiro apontando para um norte social representado pela maior igualdade possível quanto ao seu valor, natureza e qualidade. Não se pode inferir daí poder o fisco dela se valer para exigir tributo indevido (CTN, arts. 109 e 110).

Franco Advogados Associados

18.01.2019


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