INVESTIDOR-ANJO E SOCIEDADE SIMPLES (ME/EPP) – INVESTIMENTO
EM START-UP, PERMANÊNCIA, REMUNERAÇÃO,
BAIXA DO INVESTIMENTO - NOVAS REGRAS (LC 155/2016)
Com vigência a partir de 01.01.2017, a Lei Complementar 155/2016 (27.10.2016)
alterou a LC 123/2006 para nela incluir a figura do investidor-anjo (arts. 61-A
a 61-D).
Primeiramente, é fato que a novidade introduzida por esse capítulo da
nova lei visou a área de Pesquisas e Desenvolvimento (P&D) já que orientada
para os incentivos às atividades de inovação e investimentos produtivos. A inovação
tecnológica alicerçada por atividades realizadas nas empresas, públicas ou
privadas, se baseia em esforços de P&D, na forma de contratação de mão de
obra qualificada, aquisição/licenciamento de tecnologias, investimento
produtivo e ações de marketing (Inovação Tecnológica: da definição à ação –
Revista de Artes e Humanidade, de Marcos Paulo Fuck e Anapatrícia Morales Villa,
in revistacontemporaneos.com.br).
E esse esforço de P&D abrangido pela LC 155 é direcionado para as Microempresas
(ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP), geralmente o regime tributário adotado
pelas start-ups. Essas empresas estão
intituladas a receber investimentos de pessoas físicas, jurídicas ou fundos de
investimentos – investidores-anjos–, os quais não integrarão o capital social
da ME/EPP (art. 61-A, § 2º e art. 61-D). Se não integram o capital, uma
hipótese é registrá-los como passivo exigível a longo prazo, ali alocando
inclusive os encargos incidentes sobre a remuneração (correção), admitida pela
lei em favor do investidor.
Os valores investidos também não caracterizam receita da sociedade (art.
61-A, § 5º), logo, trata-se de uma obrigação de pagamento para o
investidor-anjo a reforçar o entendimento de se tratar de passivo exigível a
longo prazo. Por isso, para fins de enquadramento ou até mesmo desenquadramento
do Simples esses investimentos não são computados, assim como a emissão e a
titularidade de investimentos não promovem o desenquadramento do Simples (art.
61-B).
Para dar forma jurídica a esse acordo de investimento as partes devem
formalizar contrato de participação cujo objeto seja o fomento à inovação e
investimentos produtivos e cuja vigência é limitada a 7 anos (art. 61-A, § 1º).
Provavelmente esse é o prazo estimado pelo legislador para a start-up ganhar autonomia própria.
Se o objeto social deve ser exercido unicamente pelos sócios, em seus
nomes individuais e sob sua responsabilidade exclusiva (art. 61-A, § 3º), não
se consegue entender qual a diferença dessa nova figura comparativamente à
sociedade em conta de participação (SCP), na qual, por lei, o sócio
participante – anteriormente denominado sócio oculto – também não pode deter
atos de gestão na sociedade, tampouco tomar parte nas relações do sócio
ostensivo com terceiros (Código Civil, art. 993, par. único). A pergunta é: por
que inventar na ordem jurídica algo que já existia?
O investidor-anjo não é considerado sócio; não tem poderes de gerência
ou voto nas deliberações sociais (art. 61-A, I); não responde por dívidas da
empresa, inclusive recuperação judicial – e quanto à recuperação extrajudicial?!
–; não responde com seu patrimônio pessoal no caso de a sociedade perder a
personalidade jurídica com fundamento no desvio de finalidade ou confusão
patrimonial (art. 61-A, II). Exatamente
as características das SCP.
O investidor-anjo é remunerado pelos aportes que fizer na sociedade,
pelo prazo máximo de 5 anos (art. 61-A, III). Se o contrato pode ter prazo máximo
de 7 anos e o investidor só pode ser remunerado por 5 anos, logo isso força a
conclusão de que o legislador quis beneficiar a sociedade investida com 2 anos
de carência para começar a pagar o investidor. O que é reforçado com a previsão
legal de que somente poderá ser exercido o direito de resgate do investimento
no mínimo 2 anos após o aporte (art. 61-A, § 7º).
Anualmente o investidor-anjo fará jus aos resultados distribuídos, não
superior a 50% dos lucros (art. 61-A, § 6º). Um contrato de SCP não teria tais
limitações, nem mesmo quanto a carência, prazo máximo de 7 anos ou 5 anos para remuneração.
O resgate do principal investido, exigível a partir de 2 anos após o
investimento feito será calculado através de balanço especial levantado para
tal fim por meio do qual será apurado o patrimônio social e com base no qual
será pago o investidor-anjo, cujo limite é o valor investido, corrigido (art.
61-A, § 7º). Como a lei não dispõe sobre qual é a correção, aplicável no mínimo
o equivalente aos juros legais calculados com base na Selic (Código Civil, art.
406).
O investidor-anjo pode transferir para terceiros – inclusive para os sócios
da ME/EPP investida – seus direitos sobre os aportes feitos (art. 61-A, § 8º),
caso em que é necessária a anuência dos sócios da ME/EPP, salvo se, quanto a
tal anuência, o contrato contiver previsão em sentido contrário (art. 61-A, § 9º).
No caso de os sócios decidirem-se pela venda de suas quotas detidas no
capital da ME/EPP, o investidor-anjo terá preferência na aquisição. E terá
direito de vender seu investimento para terceiros juntamente com os demais sócios
(em relação às quotas por estes detidas), nos mesmos termos e condições a eles
ofertados pelos terceiros (art. 61- C). Aplicação daquilo que em sociedades anônimas
se denomina tag along.
Chama a atenção o fato de que a lei confere ao Ministério da Fazenda o
poder de regulamentar a tributação sobre a retirada do capital investido (art.
61-A, § 10). Ora, o resgate do capital investido nunca é tributado pela simples
e boa razão de que, antes de investido, já fora tributado. E as remunerações
percebidas pelo investidor-anjo, ao longo da duração do investimento – Selic,
no caso –, já foram tributadas como rendimento de capital. Portanto, qual a tributação
passível de ser regulamentada nesse caso?!? A menos que na saída o
investidor-anjo obtenha ganho de capital representado pela mais-valia entre o
investimento feito e o seu resgate, caso em que essa diferença será obviamente
tributada como ganho. Mas isso já é e sempre foi regrado pela legislação do
imposto de renda.
O tanto quanto aqui exposto reforça nosso entendimento de que a constituição
de SCP prossegue traduzindo muito mais vantajosa alternativa por levar ao mesmo
resultado, porém sem as amarras impostas pela nova lei. Além do que, enquanto o
resultado do investimento promovido pelo investidor-anjo é tributado como
rendimento de capital, a remuneração do sócio participante (SCP) pode assumir a
feição de percepção de lucro, porém isento de tributação (vide mais em http://bit.ly/2kn0LGB). E, no caso de liquidação
da start-up, ao invés de balanço
especial, a relação contratual se resolve por mera prestação de contas.
A nova lei determina que o investidor-anjo, nessa modalidade de
investimento de risco só pode investir em ME/EPP. Assim, a única vantagem da
nova lei é a possibilidade de o investidor-anjo promover os investimentos em
sociedade Simples e esta permanecer nesse regime de tributação, menos oneroso,
o que é vedado no caso de SCP. Aliás, dado que essa restrição, no caso de SCP, decorre
de mera interpretação do fisco, sem qualquer base legal, pode ser contestada
judicialmente com segura margem de sucesso.
A Comissão de Valores Mobiliários lançou em 2016 Audiência Pública SDM
6/16 dispondo sobre mecanismo muito semelhante regulando a figura do investidor
líder em sociedades de propósito específico para participação em ofertas de
valores mobiliários emitidos por empreendedores de pequeno porte por meio de
plataformas de crowdfunding (Valor Econômico,
19.12.2016).
Com efeito, o que está em questão e por isso mesmo merece ser comparado é
se realmente essa vantagem de a start-up
poder ser enquadrada e tributada no regime do Simples (LC 155) é maior ou menor
que aquela advinda do fato de o investidor poder negociar seu investimento, prazo
máximo de remuneração e desfrutar de liberdade para retirar-se do negócio a
qualquer tempo, ainda que após 7 anos, juntamente com a vantagem advinda do
menor custo tributário.
Franco Advogados Associados
14.02.2017