Sob o título “Não Incidência da Contribuição Previdenciária sobre Verbas Trabalhistas devidas pelo Empregador – Economia Tributária – Critérios – Atualização do Tema”, de 08/05/2018, afirmamos inincidir Contribuição Previdenciária sobre vale-transporte, em consonância com julgado do STF (RE 478.410/SP) de 2010.
A Lei 7418/85 e o Decreto 95247/87 já dispuseram que o benefício do vale-transporte não tem natureza salarial, tampouco se incorpora à remuneração para qualquer efeito, assim como não integra a base de incidência da Contribuição Previdenciária, ou do FGTS.
Lei 7418/85
“Art. 2º - O Vale-Transporte, concedido nas condições e limites definidos, nesta Lei, no que se refere à contribuição do empregador:
a) Não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos;
b) Não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço;
c) Não se configura como rendimento tributável do trabalhador.”
Decreto 95247/87
Art. 6° O Vale-Transporte, no que se refere à contribuição do empregador:
I - não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração do beneficiário para quaisquer efeitos;
II - não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço;
III - não é considerado para efeito de pagamento da Gratificação de Natal (Lei n° 4.090, de 13 de julho de 1962, e art. 7° do Decreto-lei n° 2.310, de 22 de dezembro de 1986);
IV - não configura rendimento tributável do beneficiário.”
E a Lei 8212/91, que instituiu o Plano de Custeio da Seguridade Social dispôs:
“Art. 28 – Entende-se por salário-de-contribuição:
(...)
§ 9º - Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:
(...)
f) a parcela recebida a título de vale-transporte, na forma da legislação própria;”
Aquele julgamento do STF, embora tratando de vale-transporte pago em dinheiro ao empregado, contém elementos definidores importantíssimos acerca da natureza indenizatória do benefício. Confira-se do voto da Min. Cármen Lúcia:
“... como foi posto já parece-me que pelo Relator e realçado pelo Ministro Ayres Britto, na verdade, aqui se tem uma situação em que rigorosamente não há um ganho. A lei proíbe o ganho a qualquer título. Aqui não é ganho. Aqui é recebimento de uma (sic) determinado valor para que ele possa ter esse transporte sem que o seu ganho, que este sim é a contraprestação pelo trabalho, possa ser onerado, razão pela qual acompanho o Relator.”
Ainda naquele julgamento o Ministro Ayres Britto concluiu não ser possível a cobrança de tributo sobre parcela que não tem caráter salarial, mas indenizatório, o qual não integra o cálculo para fins de aposentadoria ou pensão.
“E cobrar tributos sobre uma verba que não é salarial. Tem caráter indenizatório, tanto que não integra os benefícios do trabalhador quando da aposentadoria nem a pensão dos seus dependentes.
(...)
Não incide imposto de renda, por exemplo, sobre essa parcela, não repassada para aposentadoria.”
Embora aquela decisão proferida naquele RE, em que era Recorrente o Unibanco, não tenha produzido efeitos gerais, ou seja, produziu efeitos apenas entre as partes, mostrou-se valioso precedente para os contribuintes, empregador e empregado, objetivando a declaração de inconstitucionalidade, bem como para pleitear a restituição dos recolhimentos efetuados indevidamente durante os últimos 5 anos.
Em que pese isto, a RFB publicou a Solução de Consulta Cosit 58 de 23/06/2020, para definir que sobre parte dos valores pagos pelo empregador incide Contribuição Previdenciária. Veja-se:
“Ementa: Contribuições Sociais Previdenciárias. Vale-Transporte. Auxílio Alimentação. Retenção. Base de Cálculo.
É dedutível da base de cálculo da contribuição previdenciária a ser retida, apenas o valor efetivamente pago pela empresa para o transporte do trabalhador, descontada a parcela suportada pelo empregado. Não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de vale-transporte por meio de vale-combustível ou semelhante. A não incidência da contribuição está limitada ao valor equivalente ao estritamente necessário para o custeio do deslocamento residência/trabalho e vice-versa, em transporte coletivo, conforme prevê o art. 1º da Lei nº 7.418 (...). O empregador somente poderá suportar a parcela que exceder a seis por cento do salário básico do empregado. Caso deixe de descontar este percentual do salário do empregado, ou desconte percentual inferior, a diferença deverá ser considerada como salário indireto e sobre ela incidirá contribuição previdenciária e demais tributos.
O valor pago pela empresa a título de auxílio-alimentação é dedutível da base de cálculo da retenção da contribuição previdenciária. Se parcela desse auxílio for descontada da remuneração do empregado, esses valores comporão o salário de contribuição e não serão dedutíveis da base de cálculo, seja ele calculado sobre a folha de pagamento ou relativo à retenção de 11% (...) do valor bruto da nota fiscal, da fatura ou do recibo de prestação de serviços.”
Nesse caso a RFB respondia a uma consulta de uma autarquia federal, que queria saber sobre sua obrigação de efetuar a retenção de 11% do valor da Nota Fiscal, a título de Contribuição Previdenciária patronal incidente sobre os valores totais, ou descontada a parte dos empregados, correspondentes aos vales-transporte e auxílio-alimentação.
E a RFB foi mais longe: se eventual parcela desse auxílio for descontada da remuneração, esses valores comporão o salário contribuição e, portanto, não serão dedutíveis da base de cálculo, seja ele calculado sobre a folha de pagamento ou relativo à retenção de 11% do valor bruto da Nota Fiscal de prestação de serviços.
Para Wagner Balera, um dos maiores especialistas no País sobre o tema Previdência Social, a Lei 13.467 dispôs, expressamente, que essas verbas estão excluídas da base de cálculo da contribuição devida à Previdência Social. E completa, que na base de cálculo só deve entrar a remuneração do trabalhador, por serem valores que refletem os benefícios concedidos pela Previdência Social. Em linha com o entendimento do ex-Ministro Ayres Britto, afirmou que o vale-transporte não repercute nos benefícios assegurados – refere-se à aposentadoria –, portanto não integram sua base de cálculo (Valor Econômico, 02/07/20)
Naquela decisão do STF, de 2010, acima citada, concluiu-se que a incidência do vale-transporte pago em dinheiro é inconstitucional porque, qualquer que seja a forma de pagamento, sua natureza é indenizatória.
No caso de empresa que, tendo descontado do empregado percentual inferior a 6%, a diferença entre o que foi descontado e 6% deve ser considerada salário indireto para sobre ela calcular a Contribuição Previdenciária e IR-Fonte? Inclusive contribuições ao sistema S?
A resposta é não! Por quê? Porque a despeito da manifestação posta na SC 58/2020, se o STF julgou pela inincidência da Contribuição Previdenciária sobre vale-transporte dada sua natureza indenizatória, portanto, não remuneratória (não salarial), sua natureza jurídica não sofre qualquer mutação em razão de o empregador ter descontado 6%, conforme previsto na lei, ou 4%.
Não faz qualquer sentido entender que a diferença, no exemplo, de 2% descontado a menor do empregado, transmute sua natureza indenizatória para salarial.
E, se a Previdência Social não pode exigir Contribuição Previdenciária sobre o vale-transporte, não o pode sobre qualquer que seja o percentual descontado do empregado.
Para concluir, vamos tomar o seguinte exemplo:
Hipótese I
a) Salário: R$ 2.000,00
b) Custo com transporte do trabalhador: R$ 160,00
c) Valor que a empresa pode descontar do trabalhador: R$ 2.000,00 x 6% = R$ 120,00
d) Valor com que a empresa arcará desse custo = R$ 40,00
Hipótese II
e) Salário: R$ 2.000,00
f) Custo com transporte do trabalhador: R$ 160,00
g) Valor que a empresa pode descontar do trabalhador: R$ 2.000,00 x 6% = R$ 120,00
h) Valor que a empresa efetivamente desconta (4%) = R$ 80,00
i) Valor com que a empresa arcará desse custo = R$ 80,00
Diferenças entre Hipóteses I e II:
j) Valor descontado do trabalhador = R$ 120,00 – R$ 80,00 = R$ 40,00
k) Custo adicional para a empresa = R$ 80,00 – R$ 40,00 = R$ 40,00
Se a empresa, no exemplo aqui posto, subvenciona a mais o transporte de seu trabalhador em R$ 40,00 (2%), como é que, tendo ela incrementado seu custo com o transporte em 2% venha a ser compelida, pelo entendimento da RFB, contra entendimento do STF, a recolher Contribuição Previdenciária sobre 2% como se a verba destinada ao transporte perdesse a natureza indenizatória e passasse a ter natureza remuneratória?
Remarque-se: esses 2% – no exemplo aqui representado por R$ 40,00 – apenas não foi dele, empregado, descontado, mas continua sendo verba destinada ao transporte dele. Tanto assim é, que a empresa assumiu esse custo para transportá-lo.
Pode-se alegar que ao dispor a Lei 7418/85 “... concedido nas condições e limites definidos, nesta Lei, no que se refere à contribuição do empregador” traria, por consequência lógica, a constatação de que, fora das condições e limites nela previstos desnaturaria os parâmetros da inincidência previdenciária, tornando tudo, ou no exemplo, pelo menos 2%, em algo passível de incidência previdenciária! E a resposta prossegue sendo não porque essa verba, por não ter natureza remuneratória, dentro ou fora do parâmetro legal, persevera indenizatória.
Por isso é que os contribuintes estão intitulados e pedir restituição de todo o montante indevida, ilegal e inconstitucionalmente pago aos cofres previdenciários nos últimos 5 anos. Nessa restituição retornará tudo o que foi pago indevidamente, inclusive, no exemplo, Contribuição Previdenciária sobre os R$ 40,00 adicionais (2%).
Franco Advogados Associados
São Paulo, 13/11/20
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