Este tema é aplicável independentemente de como tenham sido gerados os créditos compensáveis dos contribuintes, mas tem especial aplicação com créditos de Pis/Cofins constituídos a partir da exclusão do ICMS de suas bases, dado que o volume do estoque de créditos passou a ser muito elevado e os débitos não seguiram na mesma proporção.
Sobre isto recomendamos enfaticamente a leitura de material disponível sob o título “Prazo para aproveitamento do crédito de Pis/Cofins”, cujo link encontra-se disponível ao final da presente matéria.
Muitos contribuintes, com elevados estoques de créditos a serem compensados, passaram a incluir, dentre os débitos compensáveis, os de natureza previdenciária (Contribuição Previdenciária devida pelo empregador e pelo empregado).
Isto porque a Lei 13.670/2018, por seu art. 26-A, alterou o artigo 74 da Lei 9.430/96 que disciplina a compensação tributária, para determinar que:
“Art. 26-A – O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 28 de dezembro de 1996:
I – aplica-se à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pelo sujeito passivo que utilizar o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), para apuração das referidas contribuições, observado o disposto no § 1º deste artigo.
(...)
§ 1º - Não poderão ser objeto da compensação e de que trata o inciso I do caput deste artigo:
I – o débito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei:
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para a apuração das referidas contribuições; e
b) relativo a período de apuração posterior à utilização do eSocial com crédito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil concernente a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições; e
II – o débito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil:
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração de tributos com crédito concernente à contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei; e
b) com crédito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições.
§ 2º - A Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinará o disposto neste artigo.”
De fato, a Instrução Normativa 1810/2018 veio dispor sobre o sistema de compensação tributária unificada, aplicável somente às pessoas jurídicas que utilizam o e-Social para apuração das Contribuições Previdenciárias, autorizadas a compensar ditas contribuições com créditos relacionados a outros tributos e contribuições federais, ao que se denominou compensação cruzada.
O art. 76 da apontada IN 1810/2018 previu ser vedada e considerada não declarada a compensação quando tiver por objeto:
a) contribuições previdenciárias patronal e dos empregados por contribuinte que não utilizar o e-Social para apuração das referidas contribuições (inciso XVII);
b) os débitos relacionados às referidas contribuições previdenciárias relativos:
i) a período de apuração anterior à utilização do e-Social para apuração das referidas contribuições (inciso XIX, “a”);
ii) a período de apuração posterior à utilização do e-Social com crédito dos demais tributos administrados pela RFB concernente a período de apuração anterior à utilização do e-Social para apuração das referidas contribuições (inciso XIX, “b”)
c) os débitos dos demais tributos administrados pela RFB:
i) relativo a período de apuração anterior à utilização do e-Social com crédito concernente às referidas contribuições (inciso XX, “a”);
ii) com crédito das contribuições previdenciárias relativo a período de apuração anterior à utilização do e-Social para apuração das referidas contribuições (inciso XX, “b”).
Observa-se a vedação à compensação tributária, tanto na Lei, quanto na IN, baseada num recorte no tempo em que o não emprego do e-Social na apuração da contribuição previdenciária é o elemento distintivo para vedar a compensação.
Ou, dito de outro modo, permissão para efetuar a compensação por contribuintes somente a partir da utilização do e-Social para apuração da dita contribuição previdenciária (patronal e do empregado).
Partindo da alteração promovida por meio do inciso I do art. 26-A, que introduziu alteração ao art. 74 da Lei 9.430/96, em que a compensação da Contribuição Previdenciária, como regra geral é admitida, veja-se as exceções em que tal compensação é vedada (o elemento distintivo é a implantação do e-Social em cada contribuinte). E, também, as situações em que é permitida:
ESQUEMA DE COMPENSAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS |
A - Débitos Previdenciários | Não podem ser compensados |
| C - Débitos Previdenciários | Podem ser compensados |
Apurados antes da utilização do e-Social pelo contribuinte |
| Apurados após a utilização do e-Social pelo contribuinte | ||
Apurados após a utilização do e-Social pelo contribuinte, com créditos dos demais tributos, relacionados a período de apuração anterior à utilização do e-Social |
| Apurados após a utilização do e-Social pelo contribuinte, com créditos dos demais tributos, relacionados a período de apuração posterior à utilização do e-Social | ||
B - Débitos dos demais Tributos Federais | Relativos a período de apuração anterior à utilização do e-Social para apuração de tributos, com créditos relacionados a Contribuição Previdenciária |
| D - Débitos dos demais Tributos Federais | Relativos a período de apuração posterior à utilização do e-Social para apuração de tributos, com créditos relacionados a Contribuição Previdenciária |
Com créditos de Contribuições Previdenciárias relativos a período de apuração anterior à utilização do e-Social para apuração delas (Contribuições Previdenciárias) |
| Com créditos de Contribuições Previdenciárias relativos a período de apuração posterior à utilização do e-Social para apuração delas (Contribuições Previdenciárias) |
Notar que podem ser compensados os débitos previdenciários apurados após a utilização do e-Social pelo contribuinte, com créditos dos demais tributos, relacionados a período de apuração posterior à utilização do e-Social.
Questão que enseja discussão é: quando nasce, para os contribuintes, o direito aos créditos que poderão vir a ser utilizados para compensar os débitos previdenciários?
Como a lei não define o momento em que nasce o fato gerador do crédito, o qual só pode ser habilitado após seu trânsito em julgado, isso está sendo levado ao Judiciário, com posicionamento contrário da RFB, que se fundamenta na letra “A” e “C”, supra.
Segundo o Jornal Valor Econômico (10/03/2021), 54 processos de grandes empresas que estão promovendo a compensação cruzada estão sob acompanhamento especial da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em São Paulo.
Isto porque, como exposto, a Lei 13.670/2018 autorizou esse tipo de compensação, porém de créditos apurados após a vigência do e-Social, mecanismo que permite o acompanhamento pelo fisco dos pagamentos previdenciários em tempo real.
Como visto, o argumento das empresas, dentre elas Grupo Centauro (que obteve liminar perante a 2ª Vara Cível Federal - Processo 5021593-13.2020.4.03.6100), Pão de Açúcar, Camil (Processo 5018774-06.2020.4.03.6100), Expresso de Prata (Processo 5004511-66.2020.4.03.6100), Sherwin Williams (Processo 5003058-91.2020.4.03.6114) e outras, para fundamentar sua pretensão em juízo buscando respaldo a essas compensações, é que o direito delas nasceu a partir do trânsito em julgado que reconheceu a legitimidade para efetuar compensações e desde que isso tenha ocorrido após o momento em que o e-Social passou a ser inicialmente exigido de todos os contribuintes, em geral, retroagindo, assim, o prazo alcançado pelo direito delas para uso de seus créditos.
Já a PGFN entende que o fato gerador do crédito deve ser posterior à adesão de cada contribuinte, individualmente considerado, ao e-Social.
Ou seja, uma coisa é o momento em que nasce o direito de compensação, que é oficialmente reconhecido com o trânsito em julgado e que retroage temporalmente alcançando os créditos apurados no período de até 5 anos anteriores à data da distribuição da ação, tese defendida pelos contribuintes, de um lado, e aqueles apurados após a utilização do e-Social, por cada contribuinte, tese defendida pela PGFN, de outro.
A tese fazendária, reconhecidamente amparada na Lei 13.670/2018, desfavorece os contribuintes, ainda porque a implantação do e-Social foi feita em fases, vinculadas ao faturamento da empresa, de modo que essa distinção entre empresas que passaram a adotar o e-Social – umas se antecipando, no tempo, a outras –, representa também quebra ao princípio da isonomia, segundo as teses utilizadas pelos contribuintes no Judiciário.
Discute-se, portanto, o momento em que nasce o direito do contribuinte ao crédito. E esse só existe materialmente, porque quando pode ser habilitado perante o fisco, no momento em que ocorre o trânsito em julgado (CTN, art. 170-A).
Interessante observar que o representante da PGFN em São Paulo sustenta a fragilidade da tese das empresas, reconhecendo-a até mesmo esdrúxula, sob o argumento de ser a compensação, efetivamente, um direito do contribuinte, mas existe esse corte temporal, qual seja, a data da apuração do crédito desde que após a utilização do e-Social por cada contribuinte. A não ser que uma nova lei revogue a vedação imposta pelo art. 26-A da Lei 13.670/2018, conclui ele.
Esse argumento é, ele mesmo, frágil e esdrúxulo porque toda lei não precisa nascer justa e constitucional já que, para reparar a injustiça e inconstitucionalidade de uma lei, existe o Judiciário. É a ele que cabe o papel de corrigir, num sistema de tripartição de Poderes, os desvios praticados pelo legislador. Logo, não é porque existe a previsão contida na Lei 13.670/2018, art. 26-A, que sua prescrição seja automática e inexoravelmente tida por justa, legal ou constitucional.
A quem se sentir prejudicado, em qualquer situação e, neste caso especialmente, cabe sempre buscar o restabelecimento da ordem jurídica perante o Judiciário. Ainda porque o controle fazendário – mens legis, ou seja, intenção da lei, ou mesmo a mens legislatoris, é dizer, intenção do legislador –, em hipótese alguma, resta prejudicado porquanto, em qualquer hipótese, o controle das compensações pelo fisco, via e-Social, referindo-se a crédito nascido antes da implantação desse mecanismo de controle tecnológico, ou após sua implantação, prosseguirá sendo, em tempo real, acompanhado pelo fisco.
Ou seja, não é porque o crédito se refira ao ano 2000, por exemplo, que o fisco perderá o controle fiscalizatório sobre as compensações realizadas uma vez que, em qualquer situação, a compensação ocorrente, exemplificativamente em 2020, dito controle se dará não apenas por via do e-Social, como também pela DCTF, balanço, etc. Afinal, a Receita Federal e a Previdência Social estão debaixo de um sistema fiscalizatório único, desde 2007 (Lei 11.457/2007), quando deixou de ser simplesmente Receita Federal para se transformar na Receita Federal do Brasil (RFB), encampando a Previdência Social.
Recomenda-se, neste caso, para todos os contribuintes que estiverem em situação semelhante, a busca do Judiciário. E, a este, espera-se que não fuja de sua missão de reparar ilegalidades ou inconstitucionalidades e, menos ainda, decida com um olhar de administrador fazendário, sensibilizado pelo impacto arrecadatório que sua decisão provocará porque se o ente público, no caso, União, pode imprimir dinheiro e se financiar com venda de títulos públicos, já o contribuinte, se impedido de utilizar seus créditos tributários legítimos, no tempo em que necessita fazê-lo para não quebrar, principalmente nessa época de letargia econômica ditada pela pandemia Covid-19, ao quebrar são empregos que se perdem, riquezas que deixam de ser geradas e a própria arrecadação que deixa de existir.
Ou seja, no embate entre os interesses públicos e sociais – notar que a geração de empregos, etc, sob este enfoque, deixa de compor interesses privados das empresas e passa a traduzir elevado interesse social –, estes últimos devem prevalecer porque a União não gera riquezas, mas as empresas, sim. Desde que ativas, ou vivas. Após mortas, não há riqueza. Há, sim, pobreza.
O Brasil empobreceu, entre 2011 e 2020, 0,6%, passando da 6º posição no ranking das maiores economias mundiais, medidas pelo PIB em dólares, para 12º posição em 2020 e, em 2021, deverá baixar para a 13º posição. Em 2011, era a 6º economia. Por desastres resultantes da adoção de políticas econômicas suicidas adotadas por nossos governantes, pelo que nada pagam, mas a nação inteira, sim, estamos mais pobres (Revista Veja, edição 2730, ano 54, nº 11, de 24/03/2021).
Por fim, vale lembrar a todos e, sobretudo enfaticamente aos magistrados, que quem paga os salários deles e de toda a administração pública não são os governos, mas sim os contribuintes que dão parte de suas economias para manter a máquina pública em funcionamento a qual, por incompetência e roubalheira, deixam de gerar resultados em seus benefícios. Se gerasse, não teríamos empobrecido. Por esta razão, não é responsável, tampouco inteligente, decidir com base no caixa da União, como tem feito nossa Suprema Corte, ou o caixa dos Estados e Municípios, como têm decidido os tribunais locais de todo o País.
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