CONTRATOS
DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA PÓS-VENDA – APROPRIAÇÃO DE CRÉDITO DE PIS/COFINS –
POSSIBILIDADE – CONDIÇÕES – PARECER
CONSULTA:
Empresa tributada no regime da não-cumulatividade
informa-nos produzir equipamentos e prestar assistência técnica pós-vendas para
os referidos equipamentos. Por não dispor de estrutura para a prestação de
assistência técnica em nível nacional contrata empresas para essas intervenções
a quem terceiriza essas atividades, cujos serviços
e peças empregados pelas terceirizadas são cobrados da Consulente através
de notas fiscais.
Diz que, estudando a legislação aplicável a
ambas as contribuições não identificou autorização para apropriação do crédito
relativos ao PIS/COFINS.
Somos consultados sobre o direito de apropriar
crédito de PIS/COFINS sobre valores pagos a terceiros pelos serviços e peças empregados na
prestação de assistência técnica pós-venda na situação descrita.
RESPOSTA:
I –
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
1.
A Emenda
Constitucional 42/2003 alterou a Constituição Federal para nela instituir (art.
195, § 12), o que se convencionou denominar regime não cumulativo para as
contribuições sociais financiadoras da seguridade social [1].
2.
A Lei 10.637/2002
(MP 66 de 29.08.2002), primeiramente, e a Lei 10.833/2003 (MP 135 de
30.12.2003), na sequência, vieram criar, respectivamente, a não-cumulatividade
do PIS e da COFINS, estabelecendo-as incidirem sobre o total das receitas
auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou
classificação contábil, compreendendo a receita bruta e todas as demais
receitas auferidas pela pessoa jurídica o total das receitas tributáveis pelas
referidas contribuições (Lei 10.637, art. 1º, § 1º) [2].
3.
Para dar
cumprimento à não-cumulatividade, autorizou a lei o desconto de créditos
calculados em relação a bens e serviços utilizados como insumos na prestação de
serviços (Lei 10.637, art. 3º, II), mediante aplicação da alíquota prevista
sobre o valor dos bens e serviços utilizados como insumos adquiridos no mês (art.
3º, § 1º, I), não gerando direito a crédito o valor de mão de obra paga a
pessoa física (art. 3º, § 2º, I), o valor da aquisição de bens ou serviços não
sujeitos ao pagamento da contribuição, etc (art. 3º, § 2º, II).
4.
O direito ao
crédito aplica-se, exclusivamente, em relação aos bens e serviços adquiridos de
pessoas jurídicas domiciliadas no País (art. 3º, § 3º, I) e aos custos e
despesas incorridos, pagos ou creditados a pessoas jurídicas domiciliadas no
País (art. 3º, II).
5.
A lei outorgou à
Receita Federal a atribuição de dispor sobre os custos, despesas e encargos
vinculados às receitas auferidas (art. 3º, § 8º).
6.
Para disciplinar a
aplicação das referidas leis, a RFB editou a IN 247/2002, alterada pela 358/2003,
cujo art. 66 que aqui interessa mais de perto dispõe [3]:
“Art. 66. A pessoa jurídica que apura o
PIS/PASEP não-cumulativo com a alíquota prevista no art. 60 pode descontar
créditos, determinados mediante a aplicação da mesma alíquota, sobre os
valores:
I – das aquisições efetuadas no mês:
b) de
bens e serviços, inclusive combustíveis e lubrificantes, utilizados como insumos:
(...)
b.2) na
prestação de serviços;
(...).”
7.
À primeira vista,
parece claro o direito da Consulente de, no caso concreto aqui analisado, descontar
créditos de PIS/COFINS uma vez que no atendimento pós-venda aos equipamentos
que fabrica, ante a ausência de estrutura física e humana para dar conta de tal
atendimento, contrata terceiras empresas, no País, para prestar a assistência
técnica com emprego de peças.
8.
Portanto, em
princípio, a terceirização da assistência técnica com o emprego de peças
traduz, para a Consulente, insumos aplicados na obtenção da receita tributada
por ambas as contribuições sociais.
9.
Essa conclusão
lógica, entretanto, é afetada pelas disposições da mesma IN 247/2002, que na
sequência prevê:
“§ 5º - Para os efeitos da alínea “b” do
inciso I do caput, entende-se como insumos:
(...)
II – utilizados na prestação de serviços:
a) os bens aplicados ou
consumidos na prestação de serviços, desde que não estejam incluídos no
ativo imobilizado;
b) os serviços prestados
por pessoa jurídica domiciliada no País, aplicados ou consumidos na prestação
do serviço.
(...).”
10.
O problema reside
exatamente aí. Ao dispor que bens e serviços utilizados como insumos pela
Consulente, na prestação de serviços só podem ser aqueles por ela aplicados ou
consumidos na prestação (alínea “a”) ou aqueles por ela aplicados ou consumidos
na prestação por meio de terceira empresa domiciliada no País (alínea “b”),
estabeleceu, na prática, uma restrição que não consta da Constituição Federal,
tampouco das Leis 10.637/02 e 10.833/03.
11.
Isto porque vem o
fisco exigindo que os produtos ou serviços sejam aplicados diretamente na
produção dos bens ou na prestação dos serviços e neles consumidos. Veja-se que
a exigência de que sejam “diretamente” aplicados ou consumidos não consta da
lei de modo que não vale para a tomada de crédito, ante esse entendimento
distorcido, se se tratar de aplicação indiretamente e que não resulte sua
consumição, conforme será melhor abordado adiante.
12.
A Constituição
limitou-se a criar a incidência sobre a receita ou o faturamento – no caso aqui
tratado estamos a cogitar de faturamento –, cabendo à lei definir os setores da
atividade econômica sujeitos à regra de não-cumulatividade (CF, art. 195, §
12). As Leis 10.637 e 10.833, como visto atrás, instituíram a incidência sobre
a receita bruta autorizando o desconto dos créditos calculados em relação a
bens e serviços utilizados como insumos na prestação dos serviços (art. 3º,
II), excetuados, dentre outros, o valor da mão de obra paga à pessoa física e
bens ou serviços não sujeitos ao PIS/COFINS (art. 3º, § 2º, II). Isto é, nos
termos das leis citadas, para gerar créditos basta estar atendido apenas o ato
de incorrer em custos e despesas, pagos ou creditados a pessoa jurídica
domiciliada no País (art. 3º, II).
13.
A RFB inovou a
lei e também a Constituição, deveras, ao introduzir a exigência da consumição dos insumos aplicados diretamente no processo produtivo
industrial (fabricação e vendas) ou na prestação dos serviços. É dizer,
utilizou critério aplicável ao IPI, para disciplinar aspectos relativos a contribuições
cujas incidências nada têm a ver com a industrialização uma vez que enquanto o
IPI incide sobre o faturamento de produto industrializado, admitido o crédito
de matérias primas, produtos
intermediários obrigatoriamente consumidos no processo fabril e material de
embalagens, o PIS/COFINS incide simplesmente sobre o faturamento (no caso
específico aqui analisado), admitido o crédito em situação que não guarda
relação direta com a produção ou a prestação dos serviços, por exemplo, créditos
calculados sobre a energia elétrica consumida e até mesmo encargos de
depreciação, aluguel de prédio, etc.
14.
Para perfeito
entendimento do tema, absolutamente relevante entender o seguinte: o PIS/COFINS,
até 2002 e 2003, respectivamente, vinha incidindo sobre múltiplas fases do
ciclo econômico da riqueza produzida (bens e serviços) de modo a representar
muito mais que meros 3% e 0,65%, resultado do efeito acumulativo das diversas
incidências num mesmo ciclo.
15.
O que fizeram a
EC 42/03 e as Leis 10.637 e 10.833 foi estabelecer, nas situações previstas na
ordem jurídica então por elas inovada, o direito de descontar créditos de modo
a viabilizar a aplicação prática da não-cumulatividade por elas instituída. O
sistema normativo passou a conviver, delas em diante, com duas vertentes:
sistema cumulativo juntamente com sistema não-cumulativo. E o sistema
não-cumulativo, nos casos por ele alcançados, passou a ser a regra.
16.
Ora, se assim é,
não faz sentido algum a restrição imposta por atos normativos infra-legais (IN
247, 358 e 404) ao condicionar o direito de descontar crédito, instituído como
regra geral para viabilizar um sistema de não-cumulatividade então introduzido
na ordem legal, à figura da consumição, própria de outro subsistema normativo,
o IPI.
17.
Ao assim
procederem, as referidas IN, subvertendo a ordem legal, ao invés de a
não-cumulatividade operar-se por meio de regra geral que passaria a permitir o
desconto de crédito, por ambas as contribuições sociais, de todos os elementos contribuintes para a
obtenção da receita tributada (faturamento, no caso concreto ora analisado)
– critério mais próximo do conceito de necessidade dos gastos para a obtenção
da renda, próprio do IR –, a RFB introduziu, contra a lei e a Constituição,
repita-se, sistemática em que somente aquelas situações por ela expressamente arroladas
assegurariam direito de crédito! [4]
18.
O que foi
idealizado para traduzir regra geral da não-cumulatividade nas situações em que
aplicável esse regime, transformou-se então, por ato infra-legal, em exceção,
dependente de lista taxativa editada pelo fisco (RFB), afastando-se
efetivamente da não-cumulatividade prevista na Constituição e nas leis
retrorreferidas [5].
II – MANIFESTAÇÕES
DA RFB ATRAVÉS DE SOLUÇÕES DE CONSULTAS, SOLUÇÕES DE DIVERGÊNCIA E INSTRUÇÕES
NORMATIVAS
19.
Resultado desse
descompasso entre um sistema normativo que veio para prestigiar a aplicação da
não-cumulatividade nos casos em que aplicável esta, as restrições impostas pela
RFB culminaram na necessidade de ela esclarecer normativamente, caso a caso, as
situações em que cabe descontar crédito e aqueles em que, em seu ilegal
entender, inaplicável o desconto de crédito.
20.
É com base no
conceito de consumo (consumição) previsto nas IN citadas que o fisco
fundamentou suas Soluções de Consulta (SC). Por exemplo, na SC 96/2011 a
receita ponderou que “o termo insumo não
pode ser interpretado como todo e qualquer bem ou serviço que gera despesa necessária para a atividade da
empresa, mas, sim, tão somente, como aqueles, adquiridos de pessoa jurídica, que efetivamente sejam aplicados ou
consumidos diretamente na prestação
do serviço da atividade-fim ou na fabricação de bens destinados à venda.” (grifamos)
[6]
21.
Em igual sentido
a SC 7/2011: “somente podem ser
considerados insumos, para fins de creditamento da COFINS, os bens ou os
serviços intrinsecamente vinculados à produção de bens, isto é, quando
aplicados ou consumidos diretamente nesta, não podendo ser interpretados como
todo e qualquer bem ou serviço que gere despesas, mas tão somente os que efetivamente se relacionem com a atividade-fim
da empresa. Sua natureza será assim de um componente (fator) essencial na
consecução do objeto, sendo nele diretamente
empregado.” (grifamos)
22.
A SC 109/2010
exteriorizou o entendimento fiscal de que “somente
os gastos efetuados na aquisição de bens e serviços geram direito a créditos a
serem descontados da COFINS devida.
Excluem-se, portanto, desse conceito, as despesas que reflitam indiretamente na
prestação de serviço.” (grifamos)
23.
Observe-se que
nas mencionadas SC o fisco se refere, além da ideia de consumição, também a
gastos com a atividade-fim. Atenção: no caso concreto aqui analisado, estamos a
tratar de atividade-meio exercida indiretamente pela prestadora de
serviços terceirizada já que a assistência técnica e o emprego de peças é
promovido por ela, ao invés de diretamente
pela Consulente.
24.
A Solução de
Divergência COSIT (SD) 14/2007 exarou o entendimento de que as despesas
efetuadas com a aquisição de partes e
peças de reposição e com serviços de manutenção em veículos, máquinas e
equipamentos empregados diretamente na
prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos
destinados à venda, pagas à pessoa jurídica domiciliada no País geram
direito a créditos a serem descontados, desde que as partes e peças de
reposição não estejam incluídas no ativo imobilizado. Essa SD seria aplicável
ao caso aqui estudado se não
restringisse seu alcance ao utilizar a expressão: “empregado diretamente”, o que quer dizer, não
haveria direito ao crédito se empregado indiretamente
através de interpostas pessoas, é dizer, as empresas terceirizadas.
25.
Nesse sentido, a
SC 154/07 veiculou o entendimento fiscal no tocante à assistência técnica em garantia, por não ser considerada insumos à
fabricação, não podem ser descontadas como crédito as despesas incorridas pelo
fabricante com serviços de assistência técnica em garantia prestados por
terceiros.
26.
Em maio de 2008 a
SD 15/08 manifestou o entendimento de que o direito ao crédito de PIS/COFINS
surgia pelo fato de o bem ou serviço ser intrínseco à atividade do contribuinte
e ser aplicado ou consumido na fabricação do produto, tendo sido excluídas das
restrições de crédito as exigências expressas nos vocábulos “emprego direto”,
“emprego indireto” e “materiais de limpeza de equipamentos e máquina, graxas,
pinos, tarraxas e ferramentas”, tendo sido conferido ao contribuinte o direito
ao crédito sobre todo e qualquer bem ou serviço adquirido para aplicação ou
consumo (direto ou indireto, com ou sem desgaste) na fabricação do bem.
27.
Apesar de se
tratar de manifestação oficial exarada no âmbito de Solução de Divergência, cuja
hierarquia ocupada na esfera da administração tributária federal deveria
vincular toda a RFB, as Soluções de Consulta subsequentemente proferidas prosseguiram
manifestando posições restritivas a tal direito do contribuinte, como exemplo,
SC 237/08, retornando na sequência a prevalecer o posicionamento oficial
restritivo desfavorável aos contribuintes, por meio da SD 35/08 [7].
28.
Como visto, regra
geral as manifestações da RFB apontam para a condição imprescindível de que
determinado custo ou despesa só gera direito a abatimento do crédito de
PIS/COFINS se puder ser constatada sua aplicação direta no processo produtivo
ou na prestação do serviço, conforme regra aplicável ao IPI.
29.
Em 2016 a Solução
de Divergência COSIT nº 7 posicionou-se no sentido de que serviços só são
considerados insumos se diretamente ligados à atividade ou processo produtivo
da empresa. A atividade principal do contribuinte que propôs a consulta era a
comercialização de produtos, mas também realizava atividade preparatória de
florestamento e reflorestamento. Inobstante os altos dispêndios com essa
atividade secundária, não foram considerados insumos. Ou seja, é considerado
insumo para efeito de tomada de crédito itens que sejam imprescindíveis (essenciais) para a industrialização ou
prestação de serviços.
III –
JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA E JUDICIAL
A –
ADMINISTRATIVA
30.
Muitas decisões
do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) refletem o entendimento
da RFB expressas nas IN retro, no sentido de que somente os insumos
intrinsecamente vinculados ou aplicados no processo produtivo ou na prestação
de serviço podem ser considerados para fins de cálculo de créditos do
PIS/COFINS [8].
31.
Nesse sentido,
Acórdão 3301.00.416/2011 em que analisada a apropriação de créditos de
PIS/COFINS sobre gastos com rolamentos, folders e sacos de ráfia. Cada um dos
gastos foi analisado a fim de enquadrá-los como insumos, submetidos ao teste de
que comprovadamente aplicados ou consumidos no produto final do contribuinte,
tendo sido feita a seguinte análise:
a)
folders:
considerando que o produto comercializado pelo contribuinte pressupõe sua
montagem pelo adquirente, é necessária a orientação de uso, manutenção e
conservação do produto ao cliente, devem ser enquadrados como insumos;
b)
sacos de ráfia:
sendo destinados à embalagem do produto, devem ser considerados insumos;
c)
rolamentos: em
razão de não comprovada sua aplicação ao produto final, impossível seu
enquadramento como insumo.
32.
A classificação
como insumo, no referido julgamento, foi orientada pela análise sobre sua
aplicação ao produto final comercializado pelo contribuinte. Ou seja, somente
os gastos com produtos efetivamente aplicados na composição do produto final
foram considerados para fins de apropriação de crédito de PIS/COFINS [9].
33.
Ou seja, para o
reconhecimento do direito ao crédito vinha sendo considerados os gastos
apontados como insumos em confronto com o tipo de atividade desenvolvida pelo
contribuinte, quando comprovada sua aplicação na prestação ou no processo
produtivo.
34.
Entretanto,
tem-se observado uma mudança nessa postura dos julgadores daquele órgão
administrativo, tendo sido adotada a análise sobre a atividade da empresa o que
definirá quais insumos são essenciais
para a consecução de seu objeto social, de modo que se a empresa for produtora,
são relevantes os insumos relacionados com a produção, se fabricante, os custos
de fabricação, se prestadora de serviços, os componentes imprescindíveis para
que o serviço seja prestado. Nessa direção, o Acórdão 2101-00.095/2009.
35.
Observar que para
essa corrente interpretativa não se adota o conceito de necessidade dos custos e despesas preconizado pelo IR, mas o de essencialidade. Essencialidade, dentro do contexto que emerge desse entendimento,
implicaria num grau de exigência maior do que simples necessidade. Não bastaria ser necessário,
precisaria ser também essencial.
36.
Outras decisões prestigiaram
o conceito de insumo adotado pela legislação do IR. Isso ocorreu, por exemplo,
num caso em que era julgado o direito ao crédito de insumos para manutenção de
máquinas (Processo Administrativo 11020.001952/2006-22, 2ª Turma, 2ª Câmara, 3ª
Seção do CARF, julgado em 08.12.2010). O entendimento foi firmado, nesse caso,
sob o argumento de que o conceito de insumos adotado para o IR (RIR/99, arts.
290), bem como de despesas operacionais (RIR/99, art. 299), deve ser aplicado porque
para obtenção do lucro, antes foi necessária a obtenção da receita.
37.
O CARF julgou em
dezembro de 2014 recursos do Magazine Luiza, Lojas Riachuelo e Casas Bahia, todos
pleiteando crédito sobre valores gastos com taxas de cartões de crédito,
embalagens, combustíveis e consultas ao SPC/Serasa, uniformes, alimentação
fornecida aos funcionários, por considerá-los insumos. Todas as decisões foram
desfavoráveis aos contribuintes. A 3ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção julgou o
pedido do Magazine Luiza (autuação fiscal de 2011, de R$ 110 milhões,
envolvendo o período de 2006 a 2009) concluindo que valores pagos com
combustível e manutenção de empilhadeiras e fitas adesivas utilizadas na
entrega de mercadorias adquiridas pela internet não são insumos. No caso dos
gastos com cartões, tratar-se-iam de despesas operacionais segundo decidido
nesse julgado, porque posteriores à fase de produção.
B -
JUDICIAL
38.
Na maioria dos
acórdãos dos Tribunais Regionais Federais (Processos 2005.61.00028586-8 – TRF
3ª Região; 2009.71.07001153-5 e 2005.71.00027722-0 – TRF 4ª Região) foi adotado
o entendimento de que o conceito de insumo previsto nas IN 247/2002 e 404/2004 está
em consonância com a vontade do legislador (Leis 10.637 e 10.833) que foi a de
limitar o direito ao creditamento apenas a elementos aplicados diretamente na
fabricação do bem ou na prestação dos serviços. Segundo esse entendimento,
somente os insumos específicos e vinculados diretamente à produção dos bens e
serviços gerariam direito ao crédito. Esse conceito se aproxima da regra
aplicável ao IPI.
39.
Decisão do TRF 4ª
Região (Apelação Cível 0029040-40.2008.404.7100/RS), entretanto, enquadrou como
insumos todas as despesas dedutíveis para fins do IR. Dessa decisão chamam a atenção
dois aspectos relevantes: um relativo aos serviços utilizados para a prestação
de outros serviços; e, outro, relativo ao conceito de necessidade e
indispensabilidade, própria do IR, verbis:
“(...)
4. Conquanto o legislador ordinário não tenha
definido o que são insumos, os critérios utilizados para pautar o creditamento,
no que se refere ao IPI, não são aplicáveis ao PIS e à COFINS. É necessário
abstrair a concepção de materialidade inerente ao processo industrial, porque a
legislação também considera como insumo os serviços contratados que se destinam
à produção, à fabricação de bens ou produtos ou à execução de outros serviços. Serviços, nesse contexto, são o resultado
de qualquer atividade humana, quer seja tangível ou intangível, inclusive os que são utilizados para a prestação
de outro serviço. (sublinhamos
porque o entendimento destacado se aplica ao caso concreto aqui analisado)
(...).
6. O critério que se mostra
consentâneo com a noção de receita é o adotado pela legislação do imposto de
renda. Insumos, então, são os gastos que, ligados inseparavelmente aos
elementos produtivos, proporcionam a existência do produto ou serviço, o seu
funcionamento, a sua manutenção ou o seu aprimoramento. Sob essa ótica, o
insumo pode integrar as etapas que resultam no produto ou serviço ou até mesmo
as posteriores, desde que seja imprescindível para o funcionamento do fato de
produção.
7. As despesas com serviços de armazenagem,
expedição de produtos e controle de estoques, enquadram-se no conceito de
insumos, uma vez que são necessárias e
indispensáveis para o funcionamento da cadeia produtiva.” (grifamos) [10]
40.
Já o Superior
Tribunal de Justiça (STJ - REsp
1.147.902/RS – 2010) restringiu o aproveitamento de créditos relacionados a
despesas com frete pago para a transferência interna de mercadorias entre os
estabelecimentos de um mesmo contribuinte, ante o entendimento de que tais
transferências não estariam atendendo ao conceito de insumo. Veja-se:
“(...)
2. A legislação tributária em comento
instituiu o regime da não-cumulatividade nas aludidas contribuições da
seguridade social, devidas pelas empresas optantes pela tributação pelo lucro
real, autorizando a dedução, entre outros, dos créditos referentes a bens ou
serviços utilizados como insumo na produção ou fabricação de bens ou produtos
destinados à venda.
3. O direito ao crédito decorre da utilização
de insumo que esteja vinculado ao desempenho da atividade empresarial. As
despesas de frete somente geram crédito quando relacionadas à operação de venda
e, ainda assim, desde que sejam suportadas pelo contribuinte vendedor.
4. Inexiste, portanto, direito ao creditamento
de despesas concernentes às operações de transferência interna das mercadorias
entre estabelecimentos de uma única sociedade empresarial.” [11]
41.
Ainda no STJ está
sendo julgado o REsp 1.246.317 no qual a validade do conceito de insumo
previsto nas IN 247 e 404 está sendo examinada, e no qual vem prevalecendo o
entendimento intermediário, isto é, nem deve prevalecer o conceito aplicável ao
IPI, tampouco ao IR, amplo demais. É aí que entra o conceito de essencialidade.
42.
Em 2015 o STJ
decidiu um caso que se encontrava pendente naquela Corte havia 4 anos posto
iniciado o julgamento em 2011. Trata-se de um julgado em que a empresa
(Domingos Costa Indústrias Alimentícias) pedia o reconhecimento de seu direito
de crédito relativo a produtos de limpeza, desinfecção e serviços de
dedetização por ela utilizados como insumos. A decisão do STJ reformou posição
contrária da 2ª instância (TRF – 1ª Região com sede em Brasília) que entendia
inadmissível o crédito porque esses itens não integravam o processo de produção
e o produto final porquanto aplicáveis a qualquer atividade que exija
higienização. Nesse caso, a revisão do STJ
favoreceu a interpretação do contribuinte sob o entendimento do relator considerando
que materiais de limpeza e dedetização são essenciais à atividade da empresa. O
relator entendeu serem insumos todos os bens e serviços que viabilizem o processo
produtivo e a prestação de serviços que possam ser direta ou indiretamente
empregados neles e cuja ausência poderia implicar perda de qualidade.
43.
A posição mais
recente do STJ e que vem merecendo toda a atenção dos contribuintes dado seu
elevado interesse, está expressa em julgado em curso na 1ª Seção (composta por
10 ministros) – REsp 1.221.170/PR –, sob o rito dos recursos repetitivos, no
qual por ora quatro ministros já votaram e há três linhas de voto: uma
favorável a um conceito mais restritivo de insumo, na linha adotada pela RFB (com
2 votos); outra mais abrangente e favorável aos contribuintes, adotando os
conceitos aplicáveis ao IR (1 voto); uma terceira, intermediária, em que o
conceito de insumo para fins de creditamento está relacionado a elementos essenciais à atividade-fim da empresa
(1 voto), não bastando ao insumo atender ao conceito de necessidade ao processo produtivo já que nem todo custo ou despesa
necessária ao funcionamento da empresa seria essencial ao processo produtivo.
44.
A empresa
interessada nesse caso, Anhambi Alimentos, fabricante de ração animal, reclama
direito a crédito sobre diversos insumos, como água, combustíveis, veículos,
equipamentos de proteção individual, exames laboratoriais, materiais de
limpeza, ferramentas, seguros sobre perdas em sua produção e fretes. O
julgamento foi iniciado em 23.09.2015 e já foi suspenso por dois pedidos de
vista [12]. Esse julgamento revela
sua importância também pelo elevado valor envolvido nesse tema “crédito de
PIS/COFINS”: em torno de R$ 50 bilhões [13].
45.
Chama a atenção
nesse julgado, também, a introdução de um outro conceito: princípio da necessariedade (despesas necessárias),
em contraposição ao da essencialidade.
Insumos seriam todas as despesas realizadas com a aquisição de bens e serviços necessários para o exercício da
atividade empresarial e não somente aqueles que se integram fisicamente ao
produto final a ser comercializado pelas empresas, insumo dito essencial [14].
46.
O primeiro
julgado em que o STJ adotou o critério de essencialidade foi julgado em
dezembro de 2014 num caso em que era parte Johann Alimentos, a qual pedia o
reconhecimento do direito a crédito sobre aquisições de combustíveis,
lubrificantes, peças de reposição de veículos, todos necessários para a entrega
dos produtos fabricados. Nesse caso o julgamento foi favorável ao contribuinte
porque o STJ considerou que a empresa, além de comercializar alimentos e
distribuí-los, tinha em seu objeto social o transporte rodoviário de cargas.
47.
Sobre isso notar
que, no geral, não basta haver no objeto social a previsão que autoriza
exploração da atividade a qual reclama, para sua execução, os insumos
questionados pelo fisco e pelo contribuinte. Algumas decisões administrativas e
judiciais têm exigido, adicionalmente, tratar-se de atividade principal aquela
em relação à qual o contribuinte postula direito ao crédito sobre os insumos
(bens e serviços).
48.
Importante esse
alerta porque no caso sob análise, a atividade principal explorada pela
Consulente é, supostamente, a de fabricação. A assistência técnica é atividade
explorada com natureza secundária.
49.
Importante
consignar que o Supremo Tribunal Federal ainda deverá posicionar-se sobre o seu
entendimento acerca do regime não-cumulativo das contribuições sociais, em
recurso com repercussão geral, o que ainda não o fez, embora já sob a relatoria
do Ministro Fux.
IV –
DOUTRINA
50.
Muitos dentre os
juristas a seguir estudados foram ou são, ainda, conselheiros do CARF.
Portanto, apreciam o tema sob a ótica interna daquele órgão de julgamento
administrativo.
51.
Marco Aurélio
Greco já destacou que a contribuição para o PIS e a COFINS refere-se a
tributos, em seu dizer, vocacionados para o século XXI, diferentemente do IPI e
ICMS, exatamente por não se prenderem a transações com bens físicos, mas sim à
receita gerada [15].
52.
Inobstante isto,
a doutrina, fundada no entendimento do fisco exarado em suas Instruções
Normativas, Soluções de Consulta, algumas decisões do CARF e referendadas por
algumas decisões judiciais, vinha consagrando o entendimento quanto a não ser
possível o crédito quando os serviços contratados junto a terceiros, ainda que
pessoas jurídicas, se destinassem a atividades-meio
da pessoa jurídica contratante, podendo ser indicada para tal situação o
seguinte exemplo: auditoria como atividade necessária à prestação do serviço a
terceiro gera direito ao crédito; por outro lado, a contratação de uma empresa
de auditoria para auditar o próprio prestador dos serviços não dá direito ao
crédito[16].
53.
Transplantando
para o caso sob exame no presente Parecer, a assistência técnica prestada por
terceirizadas contratadas para a Consulente (contratante), tem nexo com a
atividade-fim da contratante de modo que, sob essa estrita perspectiva, as
despesas operacionais incorridas teriam capacidade para gerar direito ao
crédito de PIS/COFINS.
54.
A propósito, já
escrevemos em nosso Blog “Novidades Jurídicas Empresariais – Tributárias” (PIS/COFINS – ICMS/ISS
– Obrigatória Reabertura das Discussões Judiciais – Outras Questões Relevantes
- http://bit.ly/2l8AITp) que com o advento da Lei 12.973/2014 as
bases de cálculo do PIS/COFINS foram alteradas, tanto no regime cumulativo (Lei
12.973, art. 52, que alterou os arts. 2º e 3º da Lei 9.718/98), como no não-cumulativo
(Lei 12.973, art. 2º, que alterou o art. 12 do DL 1.598/77, incluindo neste o §
5º), passando a constituir base de cálculo de ambas as contribuições a receita
bruta prevista no DL 1.598/77, art. 12, deixando de se justificar a distinção
até então feita entre faturamento e receita.
55.
O art. 12 do DL
1.598/77, na redação do art. 2º da Lei 12.973/14 dispôs, com o acréscimo do
inciso IV, que a receita bruta compreende as receitas da atividade ou objeto
principal da pessoa jurídica, além daquelas compreendidas como produto da venda
de bens, preço da prestação de serviços em geral e o resultado auferido nas
operações de conta alheia (comissão por intermediação na venda de bens, por
exemplo).
56.
Com efeito, por
se aproximar mais a base de cálculo do PIS/COFINS daquela própria aplicável ao
IR, a partir da referida Lei 12.973/14 tornou-se mais fortemente defensável a
adoção dos conceitos de despesas e custos aplicáveis ao IR como aptos a
assegurar o direito ao crédito do PIS/COFINS.
57.
Natanael Martins,
ex-conselheiro do CARF, corroborando o nosso entendimento imediatamente acima
exposto, assim se pronunciou acerca de seu entendimento sobre o tema:
“Ademais, embora seja patente a provável
discordância da Receita Federal quanto à acepção genérica do conceito de
insumos, entendemos defensável a ideia de que também seriam passíveis de gerar
direito ao crédito de PIS e de COFINS os dispêndios havidos na aquisição de
demais bens e direitos necessários ao desenvolvimento da atividade empresarial,
ainda que classificáveis como despesas, porque ninguém há de negar, por
exemplo, a necessidade de as sociedades empresariais, seja de que ramo for,
incorrerem em despesas de intermediação, corretagem, propaganda e de
publicidade.
(...)
(iv) O conceito de insumos em face do PIS e da
COFINS, dada a materialidade desses tributos que incidem sobre a totalidade das
receitas da pessoa jurídica, em sua acepção mais ampla, pode ainda ser tido
como relativo a consumo em todos os fatores de produção, vale dizer, não apenas
o consumo relativo à produção ou execução de bens, strictu sensu, mas também como compreensível (consumo) dos demais fatores necessários
à obtenção de receitas.” [17]
58.
Marcelo Magalhães
Peixoto vai no mesmo sentido:
“Parece ser intuitivo, portanto, que se os insumos
passíveis de creditamento são todos os bens adquiridos à fabricação do bem,
então o conceito que se deve dar ao termo insumos equivale ao conceito de custo da produção que, por sua vez, deve ser buscado junto às normas de direito privado
(normas contábeis), nos termos do artigo 110 do Código Tributário Nacional.
No Pronunciamento ‘XIV – Receitas e Despesas –
Resultados’ (...) o IBRACON define custo de aquisição como o
valor pago para a obtenção da propriedade de um determinado bem.
(...)
Também o item 08 da NPC n. 02 do IBRACON
define claramente o que é custo como todos os gastos incorridos para a
aquisição e/ou produção de um bem.
(...)
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis adotou a
linha do IBRACON para definir o que é custo, conforme se verifica do
recém-divulgado Pronunciamento CPC n. 16 (...).
(...)
Logo, enquadram-se no conceito de custo de produção os incorridos e necessários na aquisição e na produção de determinado
bem até a etapa em que ele (o bem) estiver em condições de ser comercializado.”
[18]
59.
Edmar Oliveira
Andrade Filho pontifica que os insumos necessários ao funcionamento de uma
empresa são diferentes daqueles empregados numa linha de fabricação de um
produto, posto que uma fábrica é um elemento de uma empresa, todavia, por mais
importante que seja a fábrica, da empresa também fazem parte todos os recursos,
materiais e humanos, necessários à compra, divulgação, venda, pós-venda, assistência técnica e
entrega dos bens e, ainda, ao gerenciamento financeiro, contábil, legal, etc.,
de modo que a simples fabricação de um produto não significa a realização
institucional da empresa porquanto, para que isso ocorra, é necessária a
distribuição dos bens produzidos, é necessário investir em propaganda e ações
de marketing de variadas formas, sendo insumos os gastos imprescindíveis à
fabricação de bens ou prestação de serviços, enfim, todos os elementos que
permitem o regular funcionamento da empresa, é dizer, comprar ou extrair bens,
industrializar, divulgar, vender e entregar. [19]
60.
Luís Eduardo Schoueri,
por sua vez, abordou o critério de essencialidade
– o qual nem encampa os preceitos aplicáveis ao IPI (consumição), tampouco ao
IR (gastos necessários) –, mas sim uma terceira via [20]. O autor aponta para o REsp 1.246.317 (2ª
Turma do STJ), atrás já citado, no qual o Relator Campbell Marques adota o
referido critério como razão de sua decisão.
61.
Esse critério (essencialidade) exteriorizado no voto
do Relator do processo no STJ tem o sentido de que os bens e serviços ao mesmo
tempo úteis e necessários ao processo produtivo e à prestação de serviços devem
ser considerados aptos a gerar créditos das contribuições, isto é, somente
aqueles estritamente necessários à efetivação do processo produtivo em si,
ainda que não sejam agregados ao produto final ou ao serviço prestado, e desde
que assegurem que o processo exista ou se desenvolva com as qualidades
pertinentes.
62.
No entender do
citado autor, o termo insumo pressupõe certa vinculação com a atividade-fim, o
que não é totalmente claro é qual o nível de vinculação exigido [21].
63.
O autor indica um
exemplo esclarecedor para distinguir “necessidade”,
adotado para o IR, de essencialidade invocado
pelo relator do processo no STJ para aplicação às contribuições: que as
despesas com propaganda são consideradas necessárias e contribuem para a
geração de receitas não há dúvida, mas não contribuem para a produção do bem.
Por outro lado, as despesas com publicidade em uma empresa destinada à produção
de eventos não são só necessárias, mas também essenciais à sua atividade, visto
que, além de a despesa neste caso estar diretamente atrelada à geração da
receita, está intrinsecamente ligada à manutenção da própria atividade-fim da empresa tomadora dos
serviços, inexistindo dúvidas quanto ao direito de apropriação dos créditos.
64.
Necessidade, conclui, tem a ver com a atividade operacional e está atrelada
ao conceito aplicável ao IR, enquanto essencialidade
tem a ver com o termo “insumo”, algo necessário para a produção ou fabricação
de bens ou produtos destinados à venda, cuja falta implicaria produção ou
fabricação diversa daquela alcançada [22]. O conceito aplicado pelo
autor à produção ou fabricação pode perfeitamente ser estendido a serviços.
65.
Pedro Anan, com
amparo em precedente do CARF (Acórdão 203-12.741), conclui que insumos são
todos os gastos e despesas essenciais à atividade
principal do contribuinte, ou seja, a fabricação de produtos ou a prestação
de serviços, sem os quais a qualidade pode ser prejudicada [23].
66.
Pedro Guilherme
Accorsi Lunardelli conclui inaplicável a apropriação de conceitos e sistemas
próprios do ICMS e IPI para explicar o direito ao crédito do PIS/COFINS, assim
como inaplicável a apropriação de conceitos do IR. Os critérios adotados pela
legislação de regência são eminentemente jurídicos e próprios, embora possam
coincidir com conceitos contábeis, ora custo, ora despesa [24].
67.
Portanto, não sem
razão que tanto o CARF quanto o Judiciário, mais recentemente, vem examinando
com total atenção a totalidade da receita obtida em cotejo com as receitas da
atividade ou objeto principal da pessoa jurídica, buscando com isso determinar
não apenas a necessidade dos gastos
incorridos para a obtenção da receita, base de cálculo do PIS/COFINS, como sua essencialidade, ou imprescindibilidade.
V – SÍNTESE
CONCLUSIVA
68.
Sintetizamos o
até aqui exposto:
69.
Após 14 anos de
vigência do PIS e 13 da COFINS, a normatização infra-legal deixada ao encargo
da RFB, como registram os históricos conflituosos da relação
fisco-contribuintes brasileiros, só podia resultar nessa barafunda.
70.
O próprio fisco
se posiciona de modo pendular através de Soluções de Consulta (SC), geralmente
contrárias às leis e à Constituição às quais deve irrestrita obediência
interpretativa, cujas manifestações oficiais são na sequência uniformizadas por
Soluções de Divergências (SD), algumas delas mais consonantes com as leis e Constituição,
SD essas que, a sua vez, inobstante revestidas de supremacia sobre as SC e
vincular a administração tributária – embora a partir da IN 1396/2013 as SC
também sejam detentoras de efeito vinculante, não detém a supremacia de que são
dotadas as SD –, tornam a ser desrespeitadas pelas consultorias das diversas
regiões fiscais do País, impondo nova revisão das SD.
71.
No geral, o
posicionamento do fisco tem sido orientado no sentido de vincular o direito de
crédito à consumição dos insumos utilizados diretamente no processo fabril, nos
moldes dos conceitos aplicáveis ao IPI, conceito este que além de ilegal, não se
presta a conceituar e aclarar o tema quando em questão a prestação de serviços
porque essa atividade não se sujeita ao IPI.
72.
O CARF, a sua
vez, pronuncia-se igualmente de forma errática, ora adotando os critérios
próprios do IPI (consumição no processo fabril), ora do IR (custos e despesas
necessários para obtenção da renda, que, antes de ser renda, foi receita). Ao
menos vem agora evoluindo seu entendimento para agasalhar a tese da
essencialidade, ou seja, gera direito ao crédito os insumos essenciais à
obtenção da receita.
73.
O Judiciário vem,
a seu turno, pendendo pela adoção ora dos critérios próprios do IPI, ora do IR,
ora adotando a essencialidade, e mais recentemente, dividindo-se os seus
julgadores na aplicação dos três critérios num mesmo julgamento! Junto com a
essencialidade, tanto o Judiciário quanto o CARF tem agora incluído mais um
elemento em sua análise: essencialidade dos gastos (insumos) condicionados à sua
estrita aplicação na obtenção da receita oriunda da exploração do objeto
principal do contribuinte.
74.
A doutrina, do
mesmo modo, vem oscilando entre todos esses critérios, com preferência ora pelo
conceito de necessidade aplicável ao IR, ora pelo de essencialidade, ora
prestigiando a aplicação do critério de essencialidade concomitante com a
atividade principal realizada pelo contribuinte.
75.
É dizer, além de
dever ser atendido o conceito de essencialidade, é imperativo tratar-se, a
prestação, de serviços contratados no estrito atendimento à atividade-fim do
contribuinte que pretende apropriar créditos de PIS/COFINS. E, para afastar
riscos, bem como aumentar as chances da defesa na obtenção do êxito, aconselha
que o contribuinte tenha como atividade principal de seu objeto social aquela
prestação em relação à qual o terceiro venha a prestar serviços e cujos créditos
pretenda tê-los apropriados.
76.
Nesse cenário,
como se vê, avulta a insegurança jurídica já que a última instância a dizer o
Direito no País (STF), ou seja, o entendimento válido e definitivo, sequer se
pronunciou sobre esse tema tão tormentoso.
VI –
CONCLUSÃO
77.
Embora não
questionado pela Consulente, esclareça-se que o Ato Declaratório Interpretativo
RFB 15/2007 exarou o entendimento no sentido de que as pessoas jurídicas
sujeitas ao regime de apuração não-cumulativo do PIS/COFINS podem descontar
créditos calculados em relação às aquisições de bens e serviços de pessoa
jurídica optante pelo Simples Nacional.
78.
Neste caso a
questão foi resolvida de modo favorável aos contribuintes de forma acertada já
que no regime de não-cumulatividade das contribuições sociais não há
transferência de créditos como ocorre com o ICMS/IPI. Os créditos de ambas as
contribuições são apurados internamente pelo contribuinte conforme dispõem as
Leis 10.637 e 10.833 [25].
79.
Posto isto, vamos
à nossa conclusão. Em princípio, não há dúvida alguma de que a contratação de
terceiras empresas para a prestação de serviços com emprego de peças em todo o
Brasil, suprindo a falta de estrutura da Consulente, atende tanto aos conceitos
de necessidade para a geração da
renda (conceito aplicável ao IR para fins de apuração do lucro real), assim
como o de essencialidade para a
obtenção da receita, pois a empresa depende de seu pós-vendas para conseguir
manter-se no mercado. Entretanto, o conceito de essencialidade, fiscal, tem a ver com a atividade-fim da empresa, isto é, gastos atrelados aos insumos essenciais para a produção ou prestação de serviços, o que difere muito daqueles gastos essenciais para a obtenção da receita -- os quais no caso concreto de assistência técnica pós-venda, por isso mesmo, para o fim de diferenciar conceitos aplicáveis ao IRPJ daqueles aplicáveis ao PIS/COFINS, devem ser considerados necessários (IRPJ) ao invés de essenciais (PIS/COFINS).
80.
Devemos, entretanto,
considerar que pelo fato de o fisco não compartilhar desse entendimento,
incorre no risco de ser autuada. O problema da autuação é que a apropriação de
crédito quando no entendimento do fisco contrária à norma legal implica em
multa de 50% sobre o valor do crédito (Lei 12.249/2010 e IN 900/2008).
81.
Sob a perspectiva
das chances de êxito da Consulente ao levar a autuação fiscal para apreciação
do CARF, vê-se que as decisões são vacilantes, não oferecendo segurança
jurídica para o contribuinte. O mesmo pode ser dito das decisões hesitantes do
STJ, no caso de levada a matéria para apreciação judicial.
82.
Esse risco se
reduz significativamente se a empresa, que tem por atividade principal a
produção de bens, segregar numa outra empresa a atividade de assistência
técnica, adotando essa atividade como principal. Nesse caso, não temos dúvida
alguma em afirmar que suas chances de não ser autuada acentuam-se
exponencialmente. E, se o for, o êxito é dado como certo, ante todos os
fundamentos administrativos, judiciais e doutrinários aqui apresentados.
83.
Evidente que, no
caso de adotar essa solução, para efeito de economia tributária deverá contratar
com seus clientes através das duas empresas: a Consulente que produz e vende; a
prestadora de assistência técnica atuando no pós-venda, com emprego de peças, para
cuja atividade poderá subcontratar terceirizadas e apropriar créditos
correspondentes aos pagamentos que faça às tais terceirizadas.
84.
Claro que essa
sugestão passa pela aceitabilidade dos clientes em admitir contratar duas
empresas separadamente (vendedora e assistência técnica), ao invés de, como
ocorre atualmente, uma só.
85.
Caso não aceitem,
a alternativa consistente em uma única empresa (a Consulente) ser contratada
pelo cliente e a outra empresa (assistência técnica) prestar-lhe serviço direcionado
para o cliente sequer deve ser cogitada. Isto porque o risco de autuação da
Consulente volta a ter lugar na medida em que, pelas razões até aqui expostas,
a apropriação de créditos pela Consulente tenderá a não ser admitida pelo
fisco, ainda que a apropriação de créditos pela nova empresa de assistência
técnica, em relação às suas terceirizadas, venha a ser reconhecida legítima.
86.
Outra hipótese,
menos complexa comparativamente à estrutura societária sugerida, consistiria em
levar o tema tal qual se apresenta para discussão judicial para obtenção de uma
decisão declaratória quanto ao conceito de insumo aplicável à sua atividade e,
também, para afastar a aplicação das multas, caso em que, validada a tese da
Consulente pelos tribunais, afastar-se-ia da empresa o risco de autuação correspondente
a 50% dos créditos apropriados. A consulta fiscal, ante os precedentes
apresentados, parece-nos liminarmente descartada.
87.
O que não aconselha,
em hipótese alguma, é apropriar os créditos e assumir o risco de autuação
fiscal. Principalmente no cenário de crise atual, ante a forte queda na
arrecadação dessas contribuições comparativamente à queda dos outros tributos
administrados pelo mesmo órgão federal, a RFB vem suspeitando que as empresas
estão se apropriando de créditos indevidos [26].
88.
A questão é
acentuadamente mais relevante por se tratar de prestação de serviço, cuja
atividade foi mais severamente castigada no tocante à carga tributária majorada
pela dificuldade na apropriação de crédito imposta pela limitação do conceito
de insumos aplicáveis, prejudicado pelo fato de não ser admitido crédito sobre
o principal insumo: a mão de obra
aplicada.
89.
Essas são nossas
considerações jurídicas sobre o tema, as quais, s.m.j. expressam a realidade
jurídica vigorante e a alternativa mais adequada à solução exigida.
90.
No caso de haver
dúvidas, inclusive sobre as alternativas sugeridas, estamos à disposição para
prestar os devidos esclarecimentos e, até mesmo, auxiliar na formatação das
soluções apresentadas, ou outras que surjam e que venham a conferir à operação
maior grau de certeza fiscal.
Franco Advogados
Associados
[1]
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma
direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das
seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela
equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
(…).
b) a receita ou o faturamento;
(...)
IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou
de quem a lei a ele equiparar.
§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica
para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do
caput, serão não-cumulativas.
[2]
Por terem quase idêntica redação, a referência à Lei 10.637/2002 abrangerá
também as disposições similares da Lei 10.833/2003.
[3]
A IN 404/2004 veio dispor sobre as mesmas regras, porem aplicáveis à COFINS.
[4]
Sobre a exigência da consumição, própria do IPI adotada pela RFB, também o
critério de necessidade dos gastos incorridos aplicável ao IR e confirmado por
algumas decisões administrativas e judiciais e, ainda, o critério da
essencialidade abraçado por parte da doutrina e jurisprudência, serão todos
vistos mais adiante.
[5]
Nesse exato sentido, a doutrina de Roberta Fonseca Brasil, et alii, in PIS-COFINS, Questões Atuais e Polêmicas, Quartier
Latin, 2005, p. 504-505, para quem todos os insumos que foram tributados
anteriormente devem proporcionar crédito aos seus adquirentes, ainda que não
integrem o produto final.
[7]
Marcelo Magalhães Peixoto, et alii, O
Conceito de Insumos Aplicável ao Cálculo de Créditos de PIS e COFINS Segundo o
Entendimento do CARF in PIS e COFINS
à Luz da Jurisprudência do CARF, MP Editora, 2011, pp. 34-36.
[8]
Sérgio André Rocha et alii, Créditos
de Insumos para PIS e COFINS nas Decisões em Processos de Consulta e na
Jurisprudência do CARF e dos Tribunais, in
PIS e COFINS à Luz da Jurisprudência do CARF, MP Editora, 2011, p. 578.
[9]
No mesmo sentido, Acórdão CARF 3301-00.661/2011.
[10]
Vê-se que ora é utilizado o vocábulo “essencial”, ora “indispensável”, ambos em
grau superior ao critério de “necessidade”, próprio do IR.
[11]
Após essa decisão do STJ, de 2010, o CARF, pela 3ª Turma da Câmara Superior,
decidiu que os créditos podem ser usados quando há transporte de produtos
acabados entre estabelecimentos, contrariando o apontado precedente do STJ.
Nesse caso, a Carglass Automotive (empresa que presta serviços de reparo,
comercialização e colocação de vidros e acessórios automotivos e gerencia sua
rede de afiliadas) questionou uma autuação lavrada em 2008, defendendo o
direito ao crédito sobre o frete pago no transporte de mercadorias entre seus
estabelecimentos, do centro de distribuição para suas lojas. O CARF entendeu,
nesse julgado, que as despesas desse tipo geram créditos quando relacionadas à
operação de venda desde que sejam suportadas pelo contribuinte vendedor. O
critério adotado nesse julgamento foi o de essencialidade,
considerando o frete como insumo, avaliada a atividade da empresa e o frete, no
caso, como essencial. A jurisprudência do CARF, até então, só admitia o creditamento
de frete nos casos em que era feita a transferência do insumo dentro do
processo produtivo e não do produto acabado.
[12]
Valor Econômico, 11.08.2016.
[13]
Valor Econômico, 12.05.2016.
[14]
Valor Econômico, 03.02.2016.
[15]
Sérgio André Rocha et alii, op.cit., p. 578.
[16]
Fábio Rodrigues, et alii, Manual do PIS e da COFINS,
Fiscosoft Editora, 2010, p. 103.
[17]
Natanael Martins, Questões Atuais e Polêmicas, Quartier Latin, 2005, p.
208-209.
[18]
Marcelo Magalhães Peixoto, et alii, op. cit., pp. 28-29.
[19]
Edmar Oliveira Andrade Filho, PIS e COFINS: Do Conceito de Insumo para Fins de
Escrituração dos Créditos, in PIS e
COFINS à Luz da Jurisprudência do CARF, p. 102.
[20]
Luís Eduardo Schoueri, O
Termo ‘Insumos’ na Legislação das Contribuições Sociais ao PIS/PASEP e à
COFINS: A Discussão e os Novos Contornos Jurisprudenciais sobre o Tema, in PIS e COFINS à Luz da Jurisprudência
do CARF, p. 422.
[21]
Schoueri, cit. p. 423.
[22]
Schoureri, cit. pp. 424-425.
[23]
Pedro Anan, PIS e
COFINS: Do Conceito de Insumo para Fins de Escrituração dos Créditos, in PIS e COFINS à Luz da Jurisprudência
do CARF, p. 493.
[24]
Pedro Guilherme Accorsi
Lunardelli, PIS e COFINS: Do Conceito de Insumo para Fins de
Escrituração dos Créditos, in PIS e COFINS
à Luz da Jurisprudência do CARF, pp. 528-531.
[25]
Fábio Rodrigues, et alii, op. cit., p. 96.
[26]
Valor Econômico, 02.12.2016. Os débitos compensados entre agosto a outubro de
2016 totalizaram R$ 19,19 bilhões, enquanto as multas lançadas por compensações
consideradas indevidas ultrapassaram R$ 4,5 bilhões. Em 2015, no mesmo período,
somavam R$ 3,3 bilhões, sugerindo a ocorrência de compensações indevidas para
melhorar o caixa das empresas.