quinta-feira, 13 de julho de 2017

CRITÉRIOS JURÍDICOS PARA APROPRIAÇÃO DE CRÉDITOS DE PIS/COFINS - PARECER

CONTRATOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA PÓS-VENDA – APROPRIAÇÃO DE CRÉDITO DE PIS/COFINS – POSSIBILIDADE – CONDIÇÕES – PARECER





CONSULTA:

Empresa tributada no regime da não-cumulatividade informa-nos produzir equipamentos e prestar assistência técnica pós-vendas para os referidos equipamentos. Por não dispor de estrutura para a prestação de assistência técnica em nível nacional contrata empresas para essas intervenções a quem terceiriza essas atividades, cujos serviços e peças empregados pelas terceirizadas são cobrados da Consulente através de notas fiscais.

Diz que, estudando a legislação aplicável a ambas as contribuições não identificou autorização para apropriação do crédito relativos ao PIS/COFINS.

Somos consultados sobre o direito de apropriar crédito de PIS/COFINS sobre valores pagos a terceiros pelos serviços e peças empregados na prestação de assistência técnica pós-venda na situação descrita.


RESPOSTA:

I – CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

1.     A Emenda Constitucional 42/2003 alterou a Constituição Federal para nela instituir (art. 195, § 12), o que se convencionou denominar regime não cumulativo para as contribuições sociais financiadoras da seguridade social [1].

2.     A Lei 10.637/2002 (MP 66 de 29.08.2002), primeiramente, e a Lei 10.833/2003 (MP 135 de 30.12.2003), na sequência, vieram criar, respectivamente, a não-cumulatividade do PIS e da COFINS, estabelecendo-as incidirem sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, compreendendo a receita bruta e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica o total das receitas tributáveis pelas referidas contribuições (Lei 10.637, art. 1º, § 1º) [2].

3.     Para dar cumprimento à não-cumulatividade, autorizou a lei o desconto de créditos calculados em relação a bens e serviços utilizados como insumos na prestação de serviços (Lei 10.637, art. 3º, II), mediante aplicação da alíquota prevista sobre o valor dos bens e serviços utilizados como insumos adquiridos no mês (art. 3º, § 1º, I), não gerando direito a crédito o valor de mão de obra paga a pessoa física (art. 3º, § 2º, I), o valor da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, etc (art. 3º, § 2º, II).

4.     O direito ao crédito aplica-se, exclusivamente, em relação aos bens e serviços adquiridos de pessoas jurídicas domiciliadas no País (art. 3º, § 3º, I) e aos custos e despesas incorridos, pagos ou creditados a pessoas jurídicas domiciliadas no País (art. 3º, II).

5.     A lei outorgou à Receita Federal a atribuição de dispor sobre os custos, despesas e encargos vinculados às receitas auferidas (art. 3º, § 8º).

6.     Para disciplinar a aplicação das referidas leis, a RFB editou a IN 247/2002, alterada pela 358/2003, cujo art. 66 que aqui interessa mais de perto dispõe [3]:

“Art. 66. A pessoa jurídica que apura o PIS/PASEP não-cumulativo com a alíquota prevista no art. 60 pode descontar créditos, determinados mediante a aplicação da mesma alíquota, sobre os valores:
I – das aquisições efetuadas no mês:
b) de bens e serviços, inclusive combustíveis e lubrificantes, utilizados como insumos:
(...)
b.2) na prestação de serviços;
(...).”

7.     À primeira vista, parece claro o direito da Consulente de, no caso concreto aqui analisado, descontar créditos de PIS/COFINS uma vez que no atendimento pós-venda aos equipamentos que fabrica, ante a ausência de estrutura física e humana para dar conta de tal atendimento, contrata terceiras empresas, no País, para prestar a assistência técnica com emprego de peças.

8.     Portanto, em princípio, a terceirização da assistência técnica com o emprego de peças traduz, para a Consulente, insumos aplicados na obtenção da receita tributada por ambas as contribuições sociais.

9.     Essa conclusão lógica, entretanto, é afetada pelas disposições da mesma IN 247/2002, que na sequência prevê:

“§ 5º - Para os efeitos da alínea “b” do inciso I do caput, entende-se como insumos:
(...)
II – utilizados na prestação de serviços:
a) os bens aplicados ou consumidos na prestação de serviços, desde que não estejam incluídos no ativo imobilizado;
b) os serviços prestados por pessoa jurídica domiciliada no País, aplicados ou consumidos na prestação do serviço.
(...).”

10.  O problema reside exatamente aí. Ao dispor que bens e serviços utilizados como insumos pela Consulente, na prestação de serviços só podem ser aqueles por ela aplicados ou consumidos na prestação (alínea “a”) ou aqueles por ela aplicados ou consumidos na prestação por meio de terceira empresa domiciliada no País (alínea “b”), estabeleceu, na prática, uma restrição que não consta da Constituição Federal, tampouco das Leis 10.637/02 e 10.833/03.

11.  Isto porque vem o fisco exigindo que os produtos ou serviços sejam aplicados diretamente na produção dos bens ou na prestação dos serviços e neles consumidos. Veja-se que a exigência de que sejam “diretamente” aplicados ou consumidos não consta da lei de modo que não vale para a tomada de crédito, ante esse entendimento distorcido, se se tratar de aplicação indiretamente e que não resulte sua consumição, conforme será melhor abordado adiante.

12.  A Constituição limitou-se a criar a incidência sobre a receita ou o faturamento – no caso aqui tratado estamos a cogitar de faturamento –, cabendo à lei definir os setores da atividade econômica sujeitos à regra de não-cumulatividade (CF, art. 195, § 12). As Leis 10.637 e 10.833, como visto atrás, instituíram a incidência sobre a receita bruta autorizando o desconto dos créditos calculados em relação a bens e serviços utilizados como insumos na prestação dos serviços (art. 3º, II), excetuados, dentre outros, o valor da mão de obra paga à pessoa física e bens ou serviços não sujeitos ao PIS/COFINS (art. 3º, § 2º, II). Isto é, nos termos das leis citadas, para gerar créditos basta estar atendido apenas o ato de incorrer em custos e despesas, pagos ou creditados a pessoa jurídica domiciliada no País (art. 3º, II).

13.  A RFB inovou a lei e também a Constituição, deveras, ao introduzir a exigência da consumição dos insumos aplicados diretamente no processo produtivo industrial (fabricação e vendas) ou na prestação dos serviços. É dizer, utilizou critério aplicável ao IPI, para disciplinar aspectos relativos a contribuições cujas incidências nada têm a ver com a industrialização uma vez que enquanto o IPI incide sobre o faturamento de produto industrializado, admitido o crédito de matérias primas, produtos intermediários obrigatoriamente consumidos no processo fabril e material de embalagens, o PIS/COFINS incide simplesmente sobre o faturamento (no caso específico aqui analisado), admitido o crédito em situação que não guarda relação direta com a produção ou a prestação dos serviços, por exemplo, créditos calculados sobre a energia elétrica consumida e até mesmo encargos de depreciação, aluguel de prédio, etc.

14.  Para perfeito entendimento do tema, absolutamente relevante entender o seguinte: o PIS/COFINS, até 2002 e 2003, respectivamente, vinha incidindo sobre múltiplas fases do ciclo econômico da riqueza produzida (bens e serviços) de modo a representar muito mais que meros 3% e 0,65%, resultado do efeito acumulativo das diversas incidências num mesmo ciclo.

15.  O que fizeram a EC 42/03 e as Leis 10.637 e 10.833 foi estabelecer, nas situações previstas na ordem jurídica então por elas inovada, o direito de descontar créditos de modo a viabilizar a aplicação prática da não-cumulatividade por elas instituída. O sistema normativo passou a conviver, delas em diante, com duas vertentes: sistema cumulativo juntamente com sistema não-cumulativo. E o sistema não-cumulativo, nos casos por ele alcançados, passou a ser a regra.

16.  Ora, se assim é, não faz sentido algum a restrição imposta por atos normativos infra-legais (IN 247, 358 e 404) ao condicionar o direito de descontar crédito, instituído como regra geral para viabilizar um sistema de não-cumulatividade então introduzido na ordem legal, à figura da consumição, própria de outro subsistema normativo, o IPI.

17.  Ao assim procederem, as referidas IN, subvertendo a ordem legal, ao invés de a não-cumulatividade operar-se por meio de regra geral que passaria a permitir o desconto de crédito, por ambas as contribuições sociais, de todos os elementos contribuintes para a obtenção da receita tributada (faturamento, no caso concreto ora analisado) – critério mais próximo do conceito de necessidade dos gastos para a obtenção da renda, próprio do IR –, a RFB introduziu, contra a lei e a Constituição, repita-se, sistemática em que somente aquelas situações por ela expressamente arroladas assegurariam direito de crédito! [4]

18.  O que foi idealizado para traduzir regra geral da não-cumulatividade nas situações em que aplicável esse regime, transformou-se então, por ato infra-legal, em exceção, dependente de lista taxativa editada pelo fisco (RFB), afastando-se efetivamente da não-cumulatividade prevista na Constituição e nas leis retrorreferidas [5].


II – MANIFESTAÇÕES DA RFB ATRAVÉS DE SOLUÇÕES DE CONSULTAS, SOLUÇÕES DE DIVERGÊNCIA E INSTRUÇÕES NORMATIVAS


19.  Resultado desse descompasso entre um sistema normativo que veio para prestigiar a aplicação da não-cumulatividade nos casos em que aplicável esta, as restrições impostas pela RFB culminaram na necessidade de ela esclarecer normativamente, caso a caso, as situações em que cabe descontar crédito e aqueles em que, em seu ilegal entender, inaplicável o desconto de crédito.

20.  É com base no conceito de consumo (consumição) previsto nas IN citadas que o fisco fundamentou suas Soluções de Consulta (SC). Por exemplo, na SC 96/2011 a receita ponderou que “o termo insumo não pode ser interpretado como todo e qualquer bem ou serviço que gera despesa necessária para a atividade da empresa, mas, sim, tão somente, como aqueles, adquiridos de pessoa jurídica, que efetivamente sejam aplicados ou consumidos diretamente na prestação do serviço da atividade-fim ou na fabricação de bens destinados à venda.” (grifamos) [6]

21.  Em igual sentido a SC 7/2011: “somente podem ser considerados insumos, para fins de creditamento da COFINS, os bens ou os serviços intrinsecamente vinculados à produção de bens, isto é, quando aplicados ou consumidos diretamente nesta, não podendo ser interpretados como todo e qualquer bem ou serviço que gere despesas, mas tão somente os que efetivamente se relacionem com a atividade-fim da empresa. Sua natureza será assim de um componente (fator) essencial na consecução do objeto, sendo nele diretamente empregado.” (grifamos)

22.  A SC 109/2010 exteriorizou o entendimento fiscal de que “somente os gastos efetuados na aquisição de bens e serviços geram direito a créditos a serem descontados da COFINS devida. Excluem-se, portanto, desse conceito, as despesas que reflitam indiretamente na prestação de serviço.” (grifamos)

23.  Observe-se que nas mencionadas SC o fisco se refere, além da ideia de consumição, também a gastos com a atividade-fim. Atenção: no caso concreto aqui analisado, estamos a tratar de atividade-meio exercida indiretamente pela prestadora de serviços terceirizada já que a assistência técnica e o emprego de peças é promovido por ela, ao invés de diretamente pela Consulente.

24.  A Solução de Divergência COSIT (SD) 14/2007 exarou o entendimento de que as despesas efetuadas com a aquisição de partes e peças de reposição e com serviços de manutenção em veículos, máquinas e equipamentos empregados diretamente na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, pagas à pessoa jurídica domiciliada no País geram direito a créditos a serem descontados, desde que as partes e peças de reposição não estejam incluídas no ativo imobilizado. Essa SD seria aplicável ao caso aqui estudado se não  restringisse seu alcance ao utilizar a expressão: “empregado diretamente”, o que quer dizer, não haveria direito ao crédito se empregado indiretamente através de interpostas pessoas, é dizer, as empresas terceirizadas.

25.  Nesse sentido, a SC 154/07 veiculou o entendimento fiscal no tocante à assistência técnica em garantia, por não ser considerada insumos à fabricação, não podem ser descontadas como crédito as despesas incorridas pelo fabricante com serviços de assistência técnica em garantia prestados por terceiros.

26.  Em maio de 2008 a SD 15/08 manifestou o entendimento de que o direito ao crédito de PIS/COFINS surgia pelo fato de o bem ou serviço ser intrínseco à atividade do contribuinte e ser aplicado ou consumido na fabricação do produto, tendo sido excluídas das restrições de crédito as exigências expressas nos vocábulos “emprego direto”, “emprego indireto” e “materiais de limpeza de equipamentos e máquina, graxas, pinos, tarraxas e ferramentas”, tendo sido conferido ao contribuinte o direito ao crédito sobre todo e qualquer bem ou serviço adquirido para aplicação ou consumo (direto ou indireto, com ou sem desgaste) na fabricação do bem. 

27.  Apesar de se tratar de manifestação oficial exarada no âmbito de Solução de Divergência, cuja hierarquia ocupada na esfera da administração tributária federal deveria vincular toda a RFB, as Soluções de Consulta subsequentemente proferidas prosseguiram manifestando posições restritivas a tal direito do contribuinte, como exemplo, SC 237/08, retornando na sequência a prevalecer o posicionamento oficial restritivo desfavorável aos contribuintes, por meio da SD 35/08 [7].

28.  Como visto, regra geral as manifestações da RFB apontam para a condição imprescindível de que determinado custo ou despesa só gera direito a abatimento do crédito de PIS/COFINS se puder ser constatada sua aplicação direta no processo produtivo ou na prestação do serviço, conforme regra aplicável ao IPI.

29.  Em 2016 a Solução de Divergência COSIT nº 7 posicionou-se no sentido de que serviços só são considerados insumos se diretamente ligados à atividade ou processo produtivo da empresa. A atividade principal do contribuinte que propôs a consulta era a comercialização de produtos, mas também realizava atividade preparatória de florestamento e reflorestamento. Inobstante os altos dispêndios com essa atividade secundária, não foram considerados insumos. Ou seja, é considerado insumo para efeito de tomada de crédito itens que sejam imprescindíveis (essenciais) para a industrialização ou prestação de serviços.


III – JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA E JUDICIAL

A – ADMINISTRATIVA

30.  Muitas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) refletem o entendimento da RFB expressas nas IN retro, no sentido de que somente os insumos intrinsecamente vinculados ou aplicados no processo produtivo ou na prestação de serviço podem ser considerados para fins de cálculo de créditos do PIS/COFINS [8].

31.  Nesse sentido, Acórdão 3301.00.416/2011 em que analisada a apropriação de créditos de PIS/COFINS sobre gastos com rolamentos, folders e sacos de ráfia. Cada um dos gastos foi analisado a fim de enquadrá-los como insumos, submetidos ao teste de que comprovadamente aplicados ou consumidos no produto final do contribuinte, tendo sido feita a seguinte análise:

a)     folders: considerando que o produto comercializado pelo contribuinte pressupõe sua montagem pelo adquirente, é necessária a orientação de uso, manutenção e conservação do produto ao cliente, devem ser enquadrados como insumos;
b)    sacos de ráfia: sendo destinados à embalagem do produto, devem ser considerados insumos;
c)     rolamentos: em razão de não comprovada sua aplicação ao produto final, impossível seu enquadramento como insumo.

32.  A classificação como insumo, no referido julgamento, foi orientada pela análise sobre sua aplicação ao produto final comercializado pelo contribuinte. Ou seja, somente os gastos com produtos efetivamente aplicados na composição do produto final foram considerados para fins de apropriação de crédito de PIS/COFINS [9].

33.  Ou seja, para o reconhecimento do direito ao crédito vinha sendo considerados os gastos apontados como insumos em confronto com o tipo de atividade desenvolvida pelo contribuinte, quando comprovada sua aplicação na prestação ou no processo produtivo.

34.  Entretanto, tem-se observado uma mudança nessa postura dos julgadores daquele órgão administrativo, tendo sido adotada a análise sobre a atividade da empresa o que definirá quais insumos são essenciais para a consecução de seu objeto social, de modo que se a empresa for produtora, são relevantes os insumos relacionados com a produção, se fabricante, os custos de fabricação, se prestadora de serviços, os componentes imprescindíveis para que o serviço seja prestado. Nessa direção, o Acórdão 2101-00.095/2009.

35.  Observar que para essa corrente interpretativa não se adota o conceito de necessidade dos custos e despesas preconizado pelo IR, mas o de essencialidade. Essencialidade, dentro do contexto que emerge desse entendimento, implicaria num grau de exigência maior do que simples necessidade. Não bastaria ser necessário, precisaria ser também essencial.

36.  Outras decisões prestigiaram o conceito de insumo adotado pela legislação do IR. Isso ocorreu, por exemplo, num caso em que era julgado o direito ao crédito de insumos para manutenção de máquinas (Processo Administrativo 11020.001952/2006-22, 2ª Turma, 2ª Câmara, 3ª Seção do CARF, julgado em 08.12.2010). O entendimento foi firmado, nesse caso, sob o argumento de que o conceito de insumos adotado para o IR (RIR/99, arts. 290), bem como de despesas operacionais (RIR/99, art. 299), deve ser aplicado porque para obtenção do lucro, antes foi necessária a obtenção da receita.


37.  O CARF julgou em dezembro de 2014 recursos do Magazine Luiza, Lojas Riachuelo e Casas Bahia, todos pleiteando crédito sobre valores gastos com taxas de cartões de crédito, embalagens, combustíveis e consultas ao SPC/Serasa, uniformes, alimentação fornecida aos funcionários, por considerá-los insumos. Todas as decisões foram desfavoráveis aos contribuintes. A 3ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção julgou o pedido do Magazine Luiza (autuação fiscal de 2011, de R$ 110 milhões, envolvendo o período de 2006 a 2009) concluindo que valores pagos com combustível e manutenção de empilhadeiras e fitas adesivas utilizadas na entrega de mercadorias adquiridas pela internet não são insumos. No caso dos gastos com cartões, tratar-se-iam de despesas operacionais segundo decidido nesse julgado, porque posteriores à fase de produção.


B - JUDICIAL


38.  Na maioria dos acórdãos dos Tribunais Regionais Federais (Processos 2005.61.00028586-8 – TRF 3ª Região; 2009.71.07001153-5 e 2005.71.00027722-0 – TRF 4ª Região) foi adotado o entendimento de que o conceito de insumo previsto nas IN 247/2002 e 404/2004 está em consonância com a vontade do legislador (Leis 10.637 e 10.833) que foi a de limitar o direito ao creditamento apenas a elementos aplicados diretamente na fabricação do bem ou na prestação dos serviços. Segundo esse entendimento, somente os insumos específicos e vinculados diretamente à produção dos bens e serviços gerariam direito ao crédito. Esse conceito se aproxima da regra aplicável ao IPI.

39.  Decisão do TRF 4ª Região (Apelação Cível 0029040-40.2008.404.7100/RS), entretanto, enquadrou como insumos todas as despesas dedutíveis para fins do IR. Dessa decisão chamam a atenção dois aspectos relevantes: um relativo aos serviços utilizados para a prestação de outros serviços; e, outro, relativo ao conceito de necessidade e indispensabilidade, própria do IR, verbis:

“(...)
4. Conquanto o legislador ordinário não tenha definido o que são insumos, os critérios utilizados para pautar o creditamento, no que se refere ao IPI, não são aplicáveis ao PIS e à COFINS. É necessário abstrair a concepção de materialidade inerente ao processo industrial, porque a legislação também considera como insumo os serviços contratados que se destinam à produção, à fabricação de bens ou produtos ou à execução de outros serviços. Serviços, nesse contexto, são o resultado de qualquer atividade humana, quer seja tangível ou intangível, inclusive os que são utilizados para a prestação de outro serviço. (sublinhamos porque o entendimento destacado se aplica ao caso concreto aqui analisado)
(...).
6. O critério que se mostra consentâneo com a noção de receita é o adotado pela legislação do imposto de renda. Insumos, então, são os gastos que, ligados inseparavelmente aos elementos produtivos, proporcionam a existência do produto ou serviço, o seu funcionamento, a sua manutenção ou o seu aprimoramento. Sob essa ótica, o insumo pode integrar as etapas que resultam no produto ou serviço ou até mesmo as posteriores, desde que seja imprescindível para o funcionamento do fato de produção.
7. As despesas com serviços de armazenagem, expedição de produtos e controle de estoques, enquadram-se no conceito de insumos, uma vez que são necessárias e indispensáveis para o funcionamento da cadeia produtiva.” (grifamos) [10]

40.  Já o Superior Tribunal de Justiça  (STJ - REsp 1.147.902/RS – 2010) restringiu o aproveitamento de créditos relacionados a despesas com frete pago para a transferência interna de mercadorias entre os estabelecimentos de um mesmo contribuinte, ante o entendimento de que tais transferências não estariam atendendo ao conceito de insumo. Veja-se:

“(...)
2. A legislação tributária em comento instituiu o regime da não-cumulatividade nas aludidas contribuições da seguridade social, devidas pelas empresas optantes pela tributação pelo lucro real, autorizando a dedução, entre outros, dos créditos referentes a bens ou serviços utilizados como insumo na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda.
3. O direito ao crédito decorre da utilização de insumo que esteja vinculado ao desempenho da atividade empresarial. As despesas de frete somente geram crédito quando relacionadas à operação de venda e, ainda assim, desde que sejam suportadas pelo contribuinte vendedor.
4. Inexiste, portanto, direito ao creditamento de despesas concernentes às operações de transferência interna das mercadorias entre estabelecimentos de uma única sociedade empresarial.” [11]

41.  Ainda no STJ está sendo julgado o REsp 1.246.317 no qual a validade do conceito de insumo previsto nas IN 247 e 404 está sendo examinada, e no qual vem prevalecendo o entendimento intermediário, isto é, nem deve prevalecer o conceito aplicável ao IPI, tampouco ao IR, amplo demais. É aí que entra o conceito de essencialidade.

42.  Em 2015 o STJ decidiu um caso que se encontrava pendente naquela Corte havia 4 anos posto iniciado o julgamento em 2011. Trata-se de um julgado em que a empresa (Domingos Costa Indústrias Alimentícias) pedia o reconhecimento de seu direito de crédito relativo a produtos de limpeza, desinfecção e serviços de dedetização por ela utilizados como insumos. A decisão do STJ reformou posição contrária da 2ª instância (TRF – 1ª Região com sede em Brasília) que entendia inadmissível o crédito porque esses itens não integravam o processo de produção e o produto final porquanto aplicáveis a qualquer atividade que exija higienização. Nesse caso, a revisão do STJ  favoreceu a interpretação do contribuinte sob o entendimento do relator considerando que materiais de limpeza e dedetização são essenciais à atividade da empresa. O relator entendeu serem insumos todos os bens e serviços que viabilizem o processo produtivo e a prestação de serviços que possam ser direta ou indiretamente empregados neles e cuja ausência poderia implicar perda de qualidade.

43.  A posição mais recente do STJ e que vem merecendo toda a atenção dos contribuintes dado seu elevado interesse, está expressa em julgado em curso na 1ª Seção (composta por 10 ministros) – REsp 1.221.170/PR –, sob o rito dos recursos repetitivos, no qual por ora quatro ministros já votaram e há três linhas de voto: uma favorável a um conceito mais restritivo de insumo, na linha adotada pela RFB (com 2 votos); outra mais abrangente e favorável aos contribuintes, adotando os conceitos aplicáveis ao IR (1 voto); uma terceira, intermediária, em que o conceito de insumo para fins de creditamento está relacionado a elementos essenciais à atividade-fim da empresa (1 voto), não bastando ao insumo atender ao conceito de necessidade ao processo produtivo já que nem todo custo ou despesa necessária ao funcionamento da empresa seria essencial ao processo produtivo.

44.  A empresa interessada nesse caso, Anhambi Alimentos, fabricante de ração animal, reclama direito a crédito sobre diversos insumos, como água, combustíveis, veículos, equipamentos de proteção individual, exames laboratoriais, materiais de limpeza, ferramentas, seguros sobre perdas em sua produção e fretes. O julgamento foi iniciado em 23.09.2015 e já foi suspenso por dois pedidos de vista [12]. Esse julgamento revela sua importância também pelo elevado valor envolvido nesse tema “crédito de PIS/COFINS”: em torno de R$ 50 bilhões [13].

45.  Chama a atenção nesse julgado, também, a introdução de um outro conceito: princípio da necessariedade (despesas necessárias), em contraposição ao da essencialidade. Insumos seriam todas as despesas realizadas com a aquisição de bens e serviços necessários para o exercício da atividade empresarial e não somente aqueles que se integram fisicamente ao produto final a ser comercializado pelas empresas, insumo dito essencial [14].

46.  O primeiro julgado em que o STJ adotou o critério de essencialidade foi julgado em dezembro de 2014 num caso em que era parte Johann Alimentos, a qual pedia o reconhecimento do direito a crédito sobre aquisições de combustíveis, lubrificantes, peças de reposição de veículos, todos necessários para a entrega dos produtos fabricados. Nesse caso o julgamento foi favorável ao contribuinte porque o STJ considerou que a empresa, além de comercializar alimentos e distribuí-los, tinha em seu objeto social o transporte rodoviário de cargas.

47.  Sobre isso notar que, no geral, não basta haver no objeto social a previsão que autoriza exploração da atividade a qual reclama, para sua execução, os insumos questionados pelo fisco e pelo contribuinte. Algumas decisões administrativas e judiciais têm exigido, adicionalmente, tratar-se de atividade principal aquela em relação à qual o contribuinte postula direito ao crédito sobre os insumos (bens e serviços).

48.  Importante esse alerta porque no caso sob análise, a atividade principal explorada pela Consulente é, supostamente, a de fabricação. A assistência técnica é atividade explorada com natureza secundária.

49.  Importante consignar que o Supremo Tribunal Federal ainda deverá posicionar-se sobre o seu entendimento acerca do regime não-cumulativo das contribuições sociais, em recurso com repercussão geral, o que ainda não o fez, embora já sob a relatoria do Ministro Fux.


IV – DOUTRINA


50.  Muitos dentre os juristas a seguir estudados foram ou são, ainda, conselheiros do CARF. Portanto, apreciam o tema sob a ótica interna daquele órgão de julgamento administrativo.

51.  Marco Aurélio Greco já destacou que a contribuição para o PIS e a COFINS refere-se a tributos, em seu dizer, vocacionados para o século XXI, diferentemente do IPI e ICMS, exatamente por não se prenderem a transações com bens físicos, mas sim à receita gerada [15].

52.  Inobstante isto, a doutrina, fundada no entendimento do fisco exarado em suas Instruções Normativas, Soluções de Consulta, algumas decisões do CARF e referendadas por algumas decisões judiciais, vinha consagrando o entendimento quanto a não ser possível o crédito quando os serviços contratados junto a terceiros, ainda que pessoas jurídicas, se destinassem a atividades-meio da pessoa jurídica contratante, podendo ser indicada para tal situação o seguinte exemplo: auditoria como atividade necessária à prestação do serviço a terceiro gera direito ao crédito; por outro lado, a contratação de uma empresa de auditoria para auditar o próprio prestador dos serviços não dá direito ao crédito[16].

53.  Transplantando para o caso sob exame no presente Parecer, a assistência técnica prestada por terceirizadas contratadas para a Consulente (contratante), tem nexo com a atividade-fim da contratante de modo que, sob essa estrita perspectiva, as despesas operacionais incorridas teriam capacidade para gerar direito ao crédito de PIS/COFINS.

54.  A propósito, já escrevemos em nosso Blog “Novidades Jurídicas Empresariais – Tributárias” (PIS/COFINS – ICMS/ISS – Obrigatória Reabertura das Discussões Judiciais – Outras Questões Relevantes - http://bit.ly/2l8AITp) que com o advento da Lei 12.973/2014 as bases de cálculo do PIS/COFINS foram alteradas, tanto no regime cumulativo (Lei 12.973, art. 52, que alterou os arts. 2º e 3º da Lei 9.718/98), como no não-cumulativo (Lei 12.973, art. 2º, que alterou o art. 12 do DL 1.598/77, incluindo neste o § 5º), passando a constituir base de cálculo de ambas as contribuições a receita bruta prevista no DL 1.598/77, art. 12, deixando de se justificar a distinção até então feita entre faturamento e receita.

55.  O art. 12 do DL 1.598/77, na redação do art. 2º da Lei 12.973/14 dispôs, com o acréscimo do inciso IV, que a receita bruta compreende as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica, além daquelas compreendidas como produto da venda de bens, preço da prestação de serviços em geral e o resultado auferido nas operações de conta alheia (comissão por intermediação na venda de bens, por exemplo).

56.  Com efeito, por se aproximar mais a base de cálculo do PIS/COFINS daquela própria aplicável ao IR, a partir da referida Lei 12.973/14 tornou-se mais fortemente defensável a adoção dos conceitos de despesas e custos aplicáveis ao IR como aptos a assegurar o direito ao crédito do PIS/COFINS.

57.  Natanael Martins, ex-conselheiro do CARF, corroborando o nosso entendimento imediatamente acima exposto, assim se pronunciou acerca de seu entendimento sobre o tema:

“Ademais, embora seja patente a provável discordância da Receita Federal quanto à acepção genérica do conceito de insumos, entendemos defensável a ideia de que também seriam passíveis de gerar direito ao crédito de PIS e de COFINS os dispêndios havidos na aquisição de demais bens e direitos necessários ao desenvolvimento da atividade empresarial, ainda que classificáveis como despesas, porque ninguém há de negar, por exemplo, a necessidade de as sociedades empresariais, seja de que ramo for, incorrerem em despesas de intermediação, corretagem, propaganda e de publicidade.
(...)
(iv) O conceito de insumos em face do PIS e da COFINS, dada a materialidade desses tributos que incidem sobre a totalidade das receitas da pessoa jurídica, em sua acepção mais ampla, pode ainda ser tido como relativo a consumo em todos os fatores de produção, vale dizer, não apenas o consumo relativo à produção ou execução de bens, strictu sensu, mas também como compreensível (consumo) dos demais fatores necessários à obtenção de receitas.” [17]

58.  Marcelo Magalhães Peixoto vai no mesmo sentido:

“Parece ser intuitivo, portanto, que se os insumos passíveis de creditamento são todos os bens adquiridos à fabricação do bem, então o conceito que se deve dar ao termo insumos equivale ao conceito de custo da produção que, por sua vez, deve ser buscado junto às normas de direito privado (normas contábeis), nos termos do artigo 110 do Código Tributário Nacional.
No Pronunciamento ‘XIV – Receitas e Despesas – Resultados’ (...) o IBRACON define custo de aquisição como o valor pago para a obtenção da propriedade de um determinado bem.
(...)
Também o item 08 da NPC n. 02 do IBRACON define claramente o que é custo como todos os gastos incorridos para a aquisição e/ou produção de um bem.
(...)
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis adotou a linha do IBRACON para definir o que é custo, conforme se verifica do recém-divulgado Pronunciamento CPC n. 16 (...).
(...)
Logo, enquadram-se no conceito de custo de produção os incorridos e necessários na aquisição e na produção de determinado bem até a etapa em que ele (o bem) estiver em condições de ser comercializado.” [18]

59.  Edmar Oliveira Andrade Filho pontifica que os insumos necessários ao funcionamento de uma empresa são diferentes daqueles empregados numa linha de fabricação de um produto, posto que uma fábrica é um elemento de uma empresa, todavia, por mais importante que seja a fábrica, da empresa também fazem parte todos os recursos, materiais e humanos, necessários à compra, divulgação, venda, pós-venda, assistência técnica e entrega dos bens e, ainda, ao gerenciamento financeiro, contábil, legal, etc., de modo que a simples fabricação de um produto não significa a realização institucional da empresa porquanto, para que isso ocorra, é necessária a distribuição dos bens produzidos, é necessário investir em propaganda e ações de marketing de variadas formas, sendo insumos os gastos imprescindíveis à fabricação de bens ou prestação de serviços, enfim, todos os elementos que permitem o regular funcionamento da empresa, é dizer, comprar ou extrair bens, industrializar, divulgar, vender e entregar. [19]

60.  Luís Eduardo Schoueri, por sua vez, abordou o critério de essencialidade – o qual nem encampa os preceitos aplicáveis ao IPI (consumição), tampouco ao IR (gastos necessários) –, mas sim uma terceira via [20].  O autor aponta para o REsp 1.246.317 (2ª Turma do STJ), atrás já citado, no qual o Relator Campbell Marques adota o referido critério como razão de sua decisão.

61.  Esse critério (essencialidade) exteriorizado no voto do Relator do processo no STJ tem o sentido de que os bens e serviços ao mesmo tempo úteis e necessários ao processo produtivo e à prestação de serviços devem ser considerados aptos a gerar créditos das contribuições, isto é, somente aqueles estritamente necessários à efetivação do processo produtivo em si, ainda que não sejam agregados ao produto final ou ao serviço prestado, e desde que assegurem que o processo exista ou se desenvolva com as qualidades pertinentes.

62.  No entender do citado autor, o termo insumo pressupõe certa vinculação com a atividade-fim, o que não é totalmente claro é qual o nível de vinculação exigido [21].

63.  O autor indica um exemplo esclarecedor para distinguir “necessidade”, adotado para o IR, de essencialidade invocado pelo relator do processo no STJ para aplicação às contribuições: que as despesas com propaganda são consideradas necessárias e contribuem para a geração de receitas não há dúvida, mas não contribuem para a produção do bem. Por outro lado, as despesas com publicidade em uma empresa destinada à produção de eventos não são só necessárias, mas também essenciais à sua atividade, visto que, além de a despesa neste caso estar diretamente atrelada à geração da receita, está intrinsecamente ligada à manutenção da própria atividade-fim da empresa tomadora dos serviços, inexistindo dúvidas quanto ao direito de apropriação dos créditos.

64.  Necessidade, conclui, tem a ver com a atividade operacional e está atrelada ao conceito aplicável ao IR, enquanto essencialidade tem a ver com o termo “insumo”, algo necessário para a produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, cuja falta implicaria produção ou fabricação diversa daquela alcançada [22]. O conceito aplicado pelo autor à produção ou fabricação pode perfeitamente ser estendido a serviços.

65.  Pedro Anan, com amparo em precedente do CARF (Acórdão 203-12.741), conclui que insumos são todos os gastos e despesas essenciais à atividade principal do contribuinte, ou seja, a fabricação de produtos ou a prestação de serviços, sem os quais a qualidade pode ser prejudicada [23].

66.  Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli conclui inaplicável a apropriação de conceitos e sistemas próprios do ICMS e IPI para explicar o direito ao crédito do PIS/COFINS, assim como inaplicável a apropriação de conceitos do IR. Os critérios adotados pela legislação de regência são eminentemente jurídicos e próprios, embora possam coincidir com conceitos contábeis, ora custo, ora despesa [24].

67.  Portanto, não sem razão que tanto o CARF quanto o Judiciário, mais recentemente, vem examinando com total atenção a totalidade da receita obtida em cotejo com as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica, buscando com isso determinar não apenas a necessidade dos gastos incorridos para a obtenção da receita, base de cálculo do PIS/COFINS, como sua essencialidade, ou imprescindibilidade.


V – SÍNTESE CONCLUSIVA


68.  Sintetizamos o até aqui exposto:

69.  Após 14 anos de vigência do PIS e 13 da COFINS, a normatização infra-legal deixada ao encargo da RFB, como registram os históricos conflituosos da relação fisco-contribuintes brasileiros, só podia resultar nessa barafunda.

70.  O próprio fisco se posiciona de modo pendular através de Soluções de Consulta (SC), geralmente contrárias às leis e à Constituição às quais deve irrestrita obediência interpretativa, cujas manifestações oficiais são na sequência uniformizadas por Soluções de Divergências (SD), algumas delas mais consonantes com as leis e Constituição, SD essas que, a sua vez, inobstante revestidas de supremacia sobre as SC e vincular a administração tributária – embora a partir da IN 1396/2013 as SC também sejam detentoras de efeito vinculante, não detém a supremacia de que são dotadas as SD –, tornam a ser desrespeitadas pelas consultorias das diversas regiões fiscais do País, impondo nova revisão das SD.

71.  No geral, o posicionamento do fisco tem sido orientado no sentido de vincular o direito de crédito à consumição dos insumos utilizados diretamente no processo fabril, nos moldes dos conceitos aplicáveis ao IPI, conceito este que além de ilegal, não se presta a conceituar e aclarar o tema quando em questão a prestação de serviços porque essa atividade não se sujeita ao IPI.

72.  O CARF, a sua vez, pronuncia-se igualmente de forma errática, ora adotando os critérios próprios do IPI (consumição no processo fabril), ora do IR (custos e despesas necessários para obtenção da renda, que, antes de ser renda, foi receita). Ao menos vem agora evoluindo seu entendimento para agasalhar a tese da essencialidade, ou seja, gera direito ao crédito os insumos essenciais à obtenção da receita.

73.  O Judiciário vem, a seu turno, pendendo pela adoção ora dos critérios próprios do IPI, ora do IR, ora adotando a essencialidade, e mais recentemente, dividindo-se os seus julgadores na aplicação dos três critérios num mesmo julgamento! Junto com a essencialidade, tanto o Judiciário quanto o CARF tem agora incluído mais um elemento em sua análise: essencialidade dos gastos (insumos) condicionados à sua estrita aplicação na obtenção da receita oriunda da exploração do objeto principal do contribuinte.

74.  A doutrina, do mesmo modo, vem oscilando entre todos esses critérios, com preferência ora pelo conceito de necessidade aplicável ao IR, ora pelo de essencialidade, ora prestigiando a aplicação do critério de essencialidade concomitante com a atividade principal realizada pelo contribuinte.

75.  É dizer, além de dever ser atendido o conceito de essencialidade, é imperativo tratar-se, a prestação, de serviços contratados no estrito atendimento à atividade-fim do contribuinte que pretende apropriar créditos de PIS/COFINS. E, para afastar riscos, bem como aumentar as chances da defesa na obtenção do êxito, aconselha que o contribuinte tenha como atividade principal de seu objeto social aquela prestação em relação à qual o terceiro venha a prestar serviços e cujos créditos pretenda tê-los apropriados.

76.  Nesse cenário, como se vê, avulta a insegurança jurídica já que a última instância a dizer o Direito no País (STF), ou seja, o entendimento válido e definitivo, sequer se pronunciou sobre esse tema tão tormentoso.


VI – CONCLUSÃO


77.  Embora não questionado pela Consulente, esclareça-se que o Ato Declaratório Interpretativo RFB 15/2007 exarou o entendimento no sentido de que as pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativo do PIS/COFINS podem descontar créditos calculados em relação às aquisições de bens e serviços de pessoa jurídica optante pelo Simples Nacional.

78.  Neste caso a questão foi resolvida de modo favorável aos contribuintes de forma acertada já que no regime de não-cumulatividade das contribuições sociais não há transferência de créditos como ocorre com o ICMS/IPI. Os créditos de ambas as contribuições são apurados internamente pelo contribuinte conforme dispõem as Leis 10.637 e 10.833 [25].

79.  Posto isto, vamos à nossa conclusão. Em princípio, não há dúvida alguma de que a contratação de terceiras empresas para a prestação de serviços com emprego de peças em todo o Brasil, suprindo a falta de estrutura da Consulente, atende tanto aos conceitos de necessidade para a geração da renda (conceito aplicável ao IR para fins de apuração do lucro real), assim como o de essencialidade para a obtenção da receita, pois a empresa depende de seu pós-vendas para conseguir manter-se no mercado. Entretanto, o conceito de essencialidade, fiscal, tem a ver com a atividade-fim da empresa, isto é, gastos atrelados aos insumos essenciais para a produção ou prestação de serviços, o que difere muito daqueles gastos essenciais para a obtenção da receita -- os quais no caso concreto de assistência técnica pós-venda, por isso mesmo, para o fim de diferenciar conceitos aplicáveis ao IRPJ daqueles aplicáveis ao PIS/COFINS, devem ser considerados necessários (IRPJ) ao invés de essenciais (PIS/COFINS).

80.  Devemos, entretanto, considerar que pelo fato de o fisco não compartilhar desse entendimento, incorre no risco de ser autuada. O problema da autuação é que a apropriação de crédito quando no entendimento do fisco contrária à norma legal implica em multa de 50% sobre o valor do crédito (Lei 12.249/2010 e IN 900/2008).

81.  Sob a perspectiva das chances de êxito da Consulente ao levar a autuação fiscal para apreciação do CARF, vê-se que as decisões são vacilantes, não oferecendo segurança jurídica para o contribuinte. O mesmo pode ser dito das decisões hesitantes do STJ, no caso de levada a matéria para apreciação judicial.

82.  Esse risco se reduz significativamente se a empresa, que tem por atividade principal a produção de bens, segregar numa outra empresa a atividade de assistência técnica, adotando essa atividade como principal. Nesse caso, não temos dúvida alguma em afirmar que suas chances de não ser autuada acentuam-se exponencialmente. E, se o for, o êxito é dado como certo, ante todos os fundamentos administrativos, judiciais e doutrinários aqui apresentados.

83.  Evidente que, no caso de adotar essa solução, para efeito de economia tributária deverá contratar com seus clientes através das duas empresas: a Consulente que produz e vende; a prestadora de assistência técnica atuando no pós-venda, com emprego de peças, para cuja atividade poderá subcontratar terceirizadas e apropriar créditos correspondentes aos pagamentos que faça às tais terceirizadas.

84.  Claro que essa sugestão passa pela aceitabilidade dos clientes em admitir contratar duas empresas separadamente (vendedora e assistência técnica), ao invés de, como ocorre atualmente, uma só.

85.  Caso não aceitem, a alternativa consistente em uma única empresa (a Consulente) ser contratada pelo cliente e a outra empresa (assistência técnica) prestar-lhe serviço direcionado para o cliente sequer deve ser cogitada. Isto porque o risco de autuação da Consulente volta a ter lugar na medida em que, pelas razões até aqui expostas, a apropriação de créditos pela Consulente tenderá a não ser admitida pelo fisco, ainda que a apropriação de créditos pela nova empresa de assistência técnica, em relação às suas terceirizadas, venha a ser reconhecida legítima.

86.  Outra hipótese, menos complexa comparativamente à estrutura societária sugerida, consistiria em levar o tema tal qual se apresenta para discussão judicial para obtenção de uma decisão declaratória quanto ao conceito de insumo aplicável à sua atividade e, também, para afastar a aplicação das multas, caso em que, validada a tese da Consulente pelos tribunais, afastar-se-ia da empresa o risco de autuação correspondente a 50% dos créditos apropriados. A consulta fiscal, ante os precedentes apresentados, parece-nos liminarmente descartada.

87.  O que não aconselha, em hipótese alguma, é apropriar os créditos e assumir o risco de autuação fiscal. Principalmente no cenário de crise atual, ante a forte queda na arrecadação dessas contribuições comparativamente à queda dos outros tributos administrados pelo mesmo órgão federal, a RFB vem suspeitando que as empresas estão se apropriando de créditos indevidos [26].

88.  A questão é acentuadamente mais relevante por se tratar de prestação de serviço, cuja atividade foi mais severamente castigada no tocante à carga tributária majorada pela dificuldade na apropriação de crédito imposta pela limitação do conceito de insumos aplicáveis, prejudicado pelo fato de não ser admitido crédito sobre o principal insumo:  a mão de obra aplicada.

89.  Essas são nossas considerações jurídicas sobre o tema, as quais, s.m.j. expressam a realidade jurídica vigorante e a alternativa mais adequada à solução exigida.

90.  No caso de haver dúvidas, inclusive sobre as alternativas sugeridas, estamos à disposição para prestar os devidos esclarecimentos e, até mesmo, auxiliar na formatação das soluções apresentadas, ou outras que surjam e que venham a conferir à operação maior grau de certeza fiscal.


Franco Advogados Associados

















[1] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
(…).
b) a receita ou o faturamento;
(...)
IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.
[2] Por terem quase idêntica redação, a referência à Lei 10.637/2002 abrangerá também as disposições similares da Lei 10.833/2003.
[3] A IN 404/2004 veio dispor sobre as mesmas regras, porem aplicáveis à COFINS.
[4] Sobre a exigência da consumição, própria do IPI adotada pela RFB, também o critério de necessidade dos gastos incorridos aplicável ao IR e confirmado por algumas decisões administrativas e judiciais e, ainda, o critério da essencialidade abraçado por parte da doutrina e jurisprudência, serão todos vistos mais adiante.
[5] Nesse exato sentido, a doutrina de Roberta Fonseca Brasil, et alii, in PIS-COFINS, Questões Atuais e Polêmicas, Quartier Latin, 2005, p. 504-505, para quem todos os insumos que foram tributados anteriormente devem proporcionar crédito aos seus adquirentes, ainda que não integrem o produto final.
[6]
[7] Marcelo Magalhães Peixoto, et alii, O Conceito de Insumos Aplicável ao Cálculo de Créditos de PIS e COFINS Segundo o Entendimento do CARF in PIS e COFINS à Luz da Jurisprudência do CARF, MP Editora, 2011, pp. 34-36.
[8] Sérgio André Rocha et alii, Créditos de Insumos para PIS e COFINS nas Decisões em Processos de Consulta e na Jurisprudência do CARF e dos Tribunais, in PIS e COFINS à Luz da Jurisprudência do CARF, MP Editora, 2011, p. 578.
[9] No mesmo sentido, Acórdão CARF 3301-00.661/2011.
[10] Vê-se que ora é utilizado o vocábulo “essencial”, ora “indispensável”, ambos em grau superior ao critério de “necessidade”, próprio do IR.
[11] Após essa decisão do STJ, de 2010, o CARF, pela 3ª Turma da Câmara Superior, decidiu que os créditos podem ser usados quando há transporte de produtos acabados entre estabelecimentos, contrariando o apontado precedente do STJ. Nesse caso, a Carglass Automotive (empresa que presta serviços de reparo, comercialização e colocação de vidros e acessórios automotivos e gerencia sua rede de afiliadas) questionou uma autuação lavrada em 2008, defendendo o direito ao crédito sobre o frete pago no transporte de mercadorias entre seus estabelecimentos, do centro de distribuição para suas lojas. O CARF entendeu, nesse julgado, que as despesas desse tipo geram créditos quando relacionadas à operação de venda desde que sejam suportadas pelo contribuinte vendedor. O critério adotado nesse julgamento foi o de essencialidade, considerando o frete como insumo, avaliada a atividade da empresa e o frete, no caso, como essencial. A jurisprudência do CARF, até então, só admitia o creditamento de frete nos casos em que era feita a transferência do insumo dentro do processo produtivo e não do produto acabado.
[12] Valor Econômico, 11.08.2016.
[13] Valor Econômico, 12.05.2016.
[14] Valor Econômico, 03.02.2016.
[15] Sérgio André Rocha et alii, op.cit., p. 578.
[16] Fábio Rodrigues, et alii, Manual do PIS e da COFINS, Fiscosoft Editora, 2010, p. 103.
[17] Natanael Martins, Questões Atuais e Polêmicas, Quartier Latin, 2005, p. 208-209.
[18] Marcelo Magalhães Peixoto, et alii, op. cit., pp. 28-29.
[19] Edmar Oliveira Andrade Filho, PIS e COFINS: Do Conceito de Insumo para Fins de Escrituração dos Créditos, in PIS e COFINS à Luz da Jurisprudência do CARF, p. 102.
[20] Luís Eduardo Schoueri, O Termo ‘Insumos’ na Legislação das Contribuições Sociais ao PIS/PASEP e à COFINS: A Discussão e os Novos Contornos Jurisprudenciais sobre o Tema, in PIS e COFINS à Luz da Jurisprudência do CARF, p. 422.
[21] Schoueri, cit. p. 423.
[22] Schoureri, cit. pp. 424-425.
[23] Pedro Anan, PIS e COFINS: Do Conceito de Insumo para Fins de Escrituração dos Créditos, in PIS e COFINS à Luz da Jurisprudência do CARF, p. 493.
[24] Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli, PIS e COFINS: Do Conceito de Insumo para Fins de Escrituração dos Créditos, in PIS e COFINS à Luz da Jurisprudência do CARF, pp. 528-531.
[25] Fábio Rodrigues, et alii, op. cit., p. 96.
[26] Valor Econômico, 02.12.2016. Os débitos compensados entre agosto a outubro de 2016 totalizaram R$ 19,19 bilhões, enquanto as multas lançadas por compensações consideradas indevidas ultrapassaram R$ 4,5 bilhões. Em 2015, no mesmo período, somavam R$ 3,3 bilhões, sugerindo a ocorrência de compensações indevidas para melhorar o caixa das empresas.

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