REDIRECIONAMENTO DA COBRANÇA FISCAL
Redirecionamento é o nome dado às situações em que o contribuinte é a pessoa jurídica (PJ), cujas dívidas tributárias venham a ser exigidas dos sócios, administradores, diretores, gerentes, etc, isto é, a cobrança originariamente contra a empresa passa a ser redirecionada para as pessoas físicas tidas pela lei como pessoalmente responsáveis (PFs).
Isso é possível ao se desconsiderar a pessoa jurídica. A desconsideração da personalidade jurídica já existe no Código Civil (art. 50) e no CTN (arts. 134 e 135).
O novo Código de Processo Civil (CPC), que já vige há dois anos, criou uma figura processual denominada Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ – art. 133).
Sua instituição, fundada no princípio da não surpresa (CPC, art. 9º), visou conferir garantia ao devedor (PF) contra o redirecionamento da cobrança, originariamente da empresa, para ele. E, também, garantia contra penhora on-line na conta das pessoas físicas representantes dos empregadores, no caso de execuções trabalhistas.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) baixou a Instrução Normativa 39, acolhendo essas novas regras do CPC.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deveria se manifestar sobre a aplicação do IDPJ nas execuções fiscais, até agora não se desincumbiu dessa tarefa.
Ocorre que os Tribunais Regionais Federais (TRF), 2ª instância da Justiça Federal (o STJ está acima dos TRFs) vêm decidindo no sentido de que o IDPJ não seria aplicável às execuções fiscais ao fundamento de que a responsabilidade tributária seria pessoal, isto é, tanto pode ser exigida da PJ, como das pessoas dos sócios, administradores, diretores, etc.
Isso é verdade, nas situações contempladas nos arts. 50 do Código Civil, 134 e 135 do Código Tributário Nacional.
Ocorre que a Lei de Execuções Fiscais (LEF – Lei 6830/80) não regulamentou essa situação.
Para que a execução possa ser exigida das PFs é necessário que seus nomes constem, desde o início, da certidão da dívida ativa (CDA). Isso significa que quando da cobrança judicial as PFs já terão tido oportunidade de se defender na instância administrativa, que precede à judicial.
O próprio STJ já decidiu nesse sentido – exigência da inclusão do nome da PF na cobrança desde o início da fase administrativa –inúmeras vezes, uma delas através do Agravo Regimental no Recurso Especial 1153333/SC.
Durante muito tempo as PFs, em suas defesas nesses casos de redirecionamento indevido vinham utilizando uma figura processual denominada Exceção de Pré-Executividade porque, dentre tantas razões, era por essa via possível defender-se sem o oferecimento de garantia, exigível no montante da dívida cobrada via execução fiscal.
O uso desse mecanismo processual (Exceção), para tal fim, vem sendo muitas vezes rejeitado pelo Judiciário sob o argumento de ser necessária a produção de provas, incabível nessa via processual.
É aí que IDPJ veio suprir essa lacuna justamente por permitir a defesa sem a necessidade de oferecimento de garantia. Tudo o que se visou com ele foi o exercício da ampla defesa, assegurada já que nele há espaço para produção de provas.
O problema é que enquanto o STJ não define essa questão, sócios, diretores, administradores, etc, deverão prosseguir se defendendo contra execução por via de embargos à execução, mediante garantia judicial no valor da CDA, mesmo havendo a possibilidade de se fazer uso do IDPJ, o qual, nos termos da lei, só é dispensável quando a desconsideração da personalidade jurídica já tiver sido requerida na petição inicial pela Fazenda Pública, hipótese em que será citado o sócio ou a PJ (CPC, art. 134, § 2º).
Como se vê, a Fazenda Pública pretende trilhar o caminho menos trabalhoso ou o que lhe oferece mais opções – como será visto sob o título subsequente.
AMPLIAÇÃO DAS HIPÓTESES PARA INCLUSÃO DE SÓCIOS, ADMINISTRADORES, EM COBRANÇAS
Atualmente vêm sendo aplicadas as regras da Portaria RFB 2284/2010, as quais preveem que só podem ser incluídos terceiros na cobrança fiscal (sócios, administradores, etc) quando o fisco lavra o auto de infração, considerando então essas PFs responsáveis pelo pagamento do tributo juntamente com a respectiva PJ.
A Receita pretende alterar isso para, através de Instrução Normativa submetida à consulta pública até o dia 6 de dezembro/2018, passar a incluir terceiros na cobrança a qualquer tempo, tanto durante o processo administrativo fiscal, quanto após finalizado este.
Com isso, retirará do terceiro (sócio, administrador, etc), o direito de defesa atualmente existente desde o nascimento do processo administrativo, iniciado justamente com o auto de infração.
Além disso, se essa alteração vier a ser implementada a responsabilização do sócio, administrador, terá lugar também quando: a compensação tributária não for homologada; antes do julgamento do processo em primeira instância administrativa; depois da decisão definitiva do Conselho de Contribuintes (CARF); os débitos declarados não tiverem sido pagos.
São muito graves essas novas hipóteses porque em nenhuma delas se justifica o deslocamento da cobrança da PJ para a PF ou a inclusão dessa última como corresponsável pelo pagamento da obrigação tributária.
Já chegaram a nós casos em que o Ministério Público (MP) tem encaminhado carta de cobrança aos sócios informando-os sobre a exigência de pagamento, pessoalmente, só porque a empresa está inoperante, num dos casos, por 4 anos. A alegação do MP: a empresa foi encerrada sem comunicação de sua baixa, daí justificar-se o redirecionamento da cobrança do passivo tributário existente contra os sócios!
Entretanto, não existe na lei absolutamente qualquer previsão que autorize concluir pelo encerramento de atividades só porque a empresa esteja inoperante. Isso é abertamente ilegal.
Para piorar, a defesa apresentada pelas PFs não suspenderá a exigibilidade do crédito tributário, de modo que a cobrança poderá ocorrer a qualquer tempo, antes de apresentada a defesa ou no curso dela.
Acreditamos que na maioria dos casos somente o Judiciário deverá afastar essas ilegalidades, provocadas pela própria administração pública.
DIVULGAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO FISCAL NO SITE DA RECEITA
Quando no curso de uma autuação fiscal o fisco entende presente a existência de crime contra a ordem tributária e contra a Previdência Social (Lei 8137/90), seus chefes oficiam para o Ministério Público (MP) que vai analisar se presentes os pressupostos para a configuração do crime para, na sequência, sendo o caso, ser encaminhada a denúncia ao juízo criminal. A isso se denomina representação fiscal para fins penais.
Isso sempre foi assim e essa informação ficava confinada às partes, MP e contribuintes. A Portaria RFB 1750 de 12 de novembro/2018 alterou isso, passando a dar publicidade à representação fiscal.
Passarão a ser divulgados no site da Receita nomes da PF ou PJ, CPF ou CNPJ, número do processo, além do ato ou fato gerador da representação fiscal, informações essas atualizáveis mensalmente até o dia 10.
Esses dados somente serão excluídos do site da Receita com o pagamento do débito (quando parcelado, for pago integralmente), por decisão administrativa ou judicial que deixar de considerar a pessoa responsável ou corresponsável ou por determinação judicial.
Trata-se de evidente forma de coação – sanção política, a qual vem sendo reconhecida ilegal pelo Judiciário, notadamente STF – de vez que o contribuinte poderá, no curso de sua defesa, vir a ser declarado não devedor, quer na instância administrativa ou judicial e, no entanto, terá seu nome divulgado para o público em geral, em flagrante violação ao seu direito de sigilo fiscal.
Outro aspecto curioso: se o STF já pacificou o entendimento de que o parcelamento, enquanto estiver sendo pago, suspende a ação penal, por que não produz o mesmo efeito em relação à divulgação da existência da representação fiscal para fins penais? Se o parcelamento pode o mais, pode também o menos. Isso é princípio de Direito.
A Receita alega que essa divulgação, ao dar publicidade, atende ao dever de transparência da administração pública exigida pela Lei de Acesso à Informação (Lei 11572/11). Entretanto, com base nessa mesma lei, já requeremos por diversas vezes à Receita, sem sucesso, o conta correntes de contribuintes para apurar se efetivamente devedores de montantes exigidos em autos de infração uma vez que, anteriormente, haviam retenções na fonte.
Tivemos que ir ao Judiciário outras tantas vezes porque todas as informações prestadas pela Receita no âmbito de medidas judiciais por nós propostas (Habeas Data), não informavam nada além daqueles dados a que os contribuintes normalmente têm acesso no site oficial.
O que se tem de concreto com essa inovação aqui informada é o intuito de constrangimento ao invés do de publicidade. As pessoas serão expostas como criminosas.
A dúvida é: como e quem irá reparar os danos eventualmente sofridos pela empresa e sócios se essas informações impactarem seus negócios, restringindo suas atividades negociais, comerciais ou pessoais? A solução será demandar contra a administração pública exigindo reparações.
Há evidente conflito entre essa divulgação e princípios constitucionais da moralidade administrativa, contraditório e ampla defesa, além de inadequação da providência estatal ante a punição antecipada.
CANAL PARA RECEBIMENTO DE DELAÇÃO
Por meio da Portaria 27 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi disponibilizado, em 12/01/2018, um Canal de Denúncias Patrimoniais (CDP), na internet, para recebimento de denúncias que facilitem a recuperação de créditos inscritos em Dívida Ativa da União (http://bit.ly/2G8BtDi).
Agora a PGFN criou o Canal de Auxílio à Garantia da Justiça Fiscal, mecanismo pelo qual o contribuinte que tiver conhecimento de qualquer vantagem tributária obtida por um concorrente, por meio de decisão judicial, poderá compartilhar essa informação com a PGFN, bastando indicar o nome da empresa para que esta busque a decisão.
O objetivo da PGFN, com isso, é que todos paguem os tributos devidos ou que ninguém os pague! Como se trata de iniciativa da PGFN, é óbvio que ela irá buscar todos os meios para que todos paguem! Jamais para que não paguem!
De se observar que muitas vezes – ou, vá lá, diríamos, quase sempre! – o contribuinte que vem a tomar conhecimento sobre alguma decisão favorável obtida por seu concorrente vai pensar, e provavelmente agir, no sentido de obter ele próprio o mesmo benefício.
Qual seu interesse em “denunciar” o benefício que vem auferindo seu concorrente? É claro, a menos que se trate de uma tese muito arriscada, cujo risco à maioria não interesse incidir e que enseje suspeitas de ilicitude praticada por seu concorrente ou mesmo de indução do Judiciário ao erro que lhe tenha favorecido tal decisão.
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Esses temas, em seu conjunto, têm potencial para esgarçar ainda mais a já fragilizada relação fisco x contribuinte, empurrando as discussões para o Judiciário, o qual já se ressente de tanta litigiosidade entre a administração pública e o contribuinte. Mas não há outra solução. Do contrário implicaria aceitar, passivamente, as exigências impostas pelo fisco, muitas vezes, como se vê, contra a Constituição, Códigos, leis, regulamentos.
Franco Advogados Associados
11.12.2018
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