terça-feira, 23 de janeiro de 2018

TRÊS TEMAS DISTINTOS MAS QUE GUARDAM COMPLEMENTARIEDADE ENTRE SI: BLOQUEIO DE BENS, DENÚNCIAS SOBRE DEVEDORES E RESSARCIMENTO DE SEGURO EM EXECUÇÃO FISCAL






I – BLOQUEIO DE BENS


Sob o argumento de que o bloqueio de bens segue recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) em decisão daquele órgão que determinou à União plano de ação para melhorar a recuperação dos débitos inscritos na Dívida Ativa e, também, emulando mecanismos semelhantes adotados por países da OCDE (Valor Econômico, 12/01/2018), a Lei 13.606, de 09/01/2018, com 40 artigos, veio instituir o Programa de Regularização Rural (PRR, ou também conhecido como parcelamento de débitos do Funrural).

Mas, no âmago dessa lei foi enxertada uma alteração à Lei 10.522/2002 que parece não guardar qualquer pertinência com o tema PRR.

Essa norma só não é inconstitucional por essa razão porque o STF proibiu a inclusão em Medidas Provisórias de temas diferentes daquele contido na proposta original, também conhecido por “jabutis” ou “contrabando” (Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn 5127 de outubro de 2.015), todavia, no caso da Lei 13.606, trata-se, originariamente, de projeto de lei e não de Medida Provisória.

A propósito, a Lei 10.522/2002 veio dispor sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais (CADIN). Em seu artigo 20 determinou o arquivamento, sem baixa na distribuição, mediante requerimento da Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN), dos autos das Execuções Fiscais relativas a débitos inscritos na Dívida Ativa (CDA) de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10 mil.

Agora, com a referida Lei 13.606, foram acrescentados ao citado artigo 20, os artigos 20-B até 20-E. O artigo 20-A já existia desde a Lei 12.649/2012; o artigo 20-D foi agora vetado por Temer sob o argumento de que estava sendo criado um novo procedimento administrativo sem esclarecer o seu objetivo embora, por seu teor, pareça ter sido idealizado para ser endereçado às figuras dos “laranjas”.

Retomando: as novas disposições vieram prever que inscrito o crédito tributário na Dívida Ativa da União o devedor será notificado para, em até 5 dias, efetuar o pagamento do valor atualizado nela indicado.

Essa notificação será expedida eletronicamente, ou pelos correios, para o endereço do devedor e será considerada entregue depois de decorridos 15 dias da respectiva expedição, presumindo-se válida a notificação expedida para o endereço informado à Fazenda Pública pelo contribuinte ou responsável.

Não pago o débito no referido prazo a Fazenda poderá comunicar a inscrição no CADIN, Procon, Serasa, etc. e averbar, inclusive por meio eletrônico, a CDA nos cartórios de registro de imóveis, sujeitando os bens móveis (veículos inclusive) e imóveis a arrestos ou penhora, tornando-os indisponíveis. Detalhe: tudo sem prévia autorização do Judiciário, ou seja, exclusivamente realizado pelas vias administrativas.

Poderá deixar de iniciar Execuções Fiscais quando inexistirem indícios de bens, direitos  ou atividade econômica dos devedores ou corresponsáveis.

A PGFN vai editar atos complementares necessários à aplicação dessas novas regras.

Essa norma obviamente ofende os princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, além do direito de propriedade.

É bem sabido que o STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 5135, reconheceu a constitucionalidade da Lei 12.767 que acresceu o parágrafo único ao art. 1º da Lei 9.492/1997, passando a autorizar o protesto de CDAs da União, Estados, Municípios, autarquias e fundações públicas (http://bit.ly/2f73AUN). 

Agora, entretanto, está-se a tratar de bloqueio de bens. O que é muito mais gravoso do que o protesto de CDAs ou mesmo o simples arrolamento de bens introduzido pela Lei 9.532/97, art. 64 e atualmente disciplinado pela IN 1.565/2015, de cujo poder já desfruta a Fazenda Pública Federal, pois que através do arrolamento a Fazenda apenas acompanha a movimentação patrimonial do contribuinte, principalmente para coibir fraudes à Execução Fiscal. Nesse caso de arrolamento o contribuinte é obrigado a informar ao fisco sobre alienação, oneração, transferência, cisão parcial, arrematação, adjudicação em leilão, desapropriação ou perda total dos bens ou direitos arrolados.

Mas, nesse caso, os bens ainda não se encontram penhorados, cujo efeito requer prévia providência judicial e autorização do Judiciário.

Aliás, a indisponibilidade de bens do contribuinte com débito perante o Fisco, agora pretendida pela PGFN pela simples via administrativa nos termos da Lei 13.606/2018, já existe no ordenamento jurídico desde o advento da Lei 8.397/1992, alterada pela Lei 9.532/1997, arts. 1º e 2º, por cujo mecanismo, porém, os bens podem ser objeto de Ação Cautelar Fiscal, proposta em juízo antes ou no curso da Execução Fiscal, ou mesmo sem prévia constituição do crédito tributário, e por meio da qual o fisco pede em juízo a indisponibilidade dos bens pertencentes ao patrimônio do contribuinte devedor, até o valor do respectivo débito, quando demonstrados comportamentos do sujeito passivo imbuídos do propósito de evadir-se do pagamento do tributo.

Notar que a própria Cautelar Fiscal já foi também objeto de ácida crítica doutrinária, seja por sua inutilidade, seja por sua ilegalidade e inconstitucionalidade, principalmente nos casos em que proposta antes da constituição do crédito tributário.

Enfim, a OAB e a FIESP cogitam agora ajuizar no STF ADIn para questionar a inconstitucionalidade da referida Lei 13.606/2018.

Enquanto isso não ocorre ou a decisão da Suprema Corte não vem, o contribuinte prejudicado com bloqueio de bens móveis e imóveis poderá e deverá buscar valer seu direito no Judiciário, individualmente.

II – DENÚNCIAS SOBRE DEVEDORES

A par do bloqueio administrativo de bens introduzido pela Lei 13.606/2018, a Portaria 27 de 12/01/2018 da PGFN veio prever a disponibilização de Canal de Denúncias Patrimoniais (CDP), na internet, para recebimento de denúncias que facilitem a recuperação de créditos inscritos em Dívida Ativa da União (R$ 1,9 trilhão) e FGTS (26,9 bilhões), as quais podem ser encaminhadas por pessoas físicas ou jurídicas, de forma identificada ou anônima.

A diferença é que, feita a denúncia de forma identificada, a PGFN poderá contatar o usuário através de sua caixa postal no sistema E-CAC, da Receita Federal, para solicitar esclarecimentos ou complementações.

Mesmo identificado, o usuário poderá solicitar que sua identidade seja preservada, caso em que ela não será divulgada a terceiros. Em qualquer caso, identificado ou anônimo, ambos poderão acompanhar pela internet o tratamento conferido à denúncia.

As denúncias poderão ser arquivadas (permanecendo disponíveis no sistema da PGFN por 5 anos), bem como encaminhadas para providências internas imediata, ou não.

Segundo a PGFN (Valor, 16/01/2018), qualquer pessoa física ou jurídica detentora de conhecimento sobre o patrimônio do devedor, dentro ou fora do Brasil, poderá registrar a denúncia, inclusive trabalhadores cujas contas do FGTS deixaram de receber depósitos do empregador, ou deixaram de ter depositadas as contribuições previdenciárias ou mesmo, empresários prejudicados por concorrência desleal, decorrente ou não do recolhimento de tributos federais devidos.

O Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho já possuem canais para recebimento de denúncias sobre fraudes contra o Estado ou as leis trabalhistas.

É possível que grande parcela dos potenciais denunciantes sejam empresas concorrentes, o que poderá ensejar alguns resultados distintos: informações falsas sobre a concorrência com o propósito de prejudicá-la; informações verdadeiras sobre a concorrência tornando o ambiente concorrencial mais isonômico e saudável nos casos em que a deslealdade concorrencial que venha favorecendo ou tenha favorecido um dado contribuinte tenha por fundamento tributos federais, ou não.

Nos casos em que denunciantes sejam empregados (Contribuição Previdenciária e FGTS), o mesmo pode ocorrer nas situações em que a denúncia tome por base o desejo de prejudicar o empregador. Poderá ser também legítima nas situações em que o empregado esteja sendo efetivamente prejudicado, claro.

Mas o que se tem por certo, se esse programa vingar, é a instauração de verdadeiro ambiente de caça às bruxas, para o bem e para o mal.

III – RESSARCIMENTO DE SEGURO EM EXECUÇÃO FISCAL

Uma sentença da 1ª Vara Federal de Nova Iguaçu (RJ) condenou a União a ressarcir ao contribuinte, empresa Orica Brasil num processo envolvendo créditos de IPI de cerca de R$ 25 milhões (Processo 0000556-24.2010.4.02.5120), o que esta gastou durante os 7 anos de duração do processo com a manutenção da carta de fiança como garantia da execução fiscal, além de honorários advocatícios à parte contrária (Valor, 15/01/2018).

Contra a Execução Fiscal – que demora entre 10 e 15 anos –, cabe defesa do contribuinte através dos Embargos à Execução, a qual exige (Lei 6.830,1980, art. 9º) o prévio oferecimento de garantia pois esta comprova que o contribuinte executado é solvente, isto é, possui patrimônio para pagar o credor ao fim do processo.

A garantia oferecida à penhora pode constituir-se de bens ou direitos, observada a ordem de preferência prevista no Código de Processo Civil (CPC/2015), art. 835. Muitos contribuintes têm optado pelo seguro garantia (custo de 0,5% a 2% do valor do débito, por ano) ou carta de fiança (custo de 4% a 5% do débito, por ano).

Suponha uma Execução Fiscal cuja tramitação demande 10 anos. Os custos, nesse caso, terão equivalido de 5% a 20% (seguro garantia) ou 40% a 50% (carta de fiança), em ambos os casos, calculados sobre o valor da causa acrescido de 30% (CPC, art. 835, § 2º e 848, parágrafo único).

O mesmo CPC (art. 776) prevê que o exequente deverá ressarcir ao executado os danos que este sofreu quando a sentença declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que fundamentou a execução. E o artigo 82, § 2º preconiza que a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que este antecipou. Dai porque a decisão judicial, citada, condenou a União a ressarcir as despesas com a carta de fiança.

Uma consequência extremamente saudável é avistável num horizonte próximo: ou a Fazenda Pública deixa de propor Execução Fiscal irresponsavelmente como até agora tem feito, ou passa a aceitar garantias na forma de bens móveis ou imóveis, caso em que deixa de onerar o contribuinte com despesas elevadas de seguro garantia ou carta de fiança.

IV – ENTRELAÇAMENTO DOS TRÊS TEMAS

Dado que a Fazenda vem sendo condenada sistematicamente ao pagamento de honorários de sucumbência quando a Execução Fiscal não tem fundamento – em nosso Escritório temos sido muito bem sucedidos nisso – e, agora, agravada pela decisão, é verdade isolada, porém uma tendência dada sua previsão no novo CPC/2015, de condenação do Estado ao ressarcimento de despesas com seguro garantia e carta de fiança exigidos do contribuinte como condição para ele se defender em Execuções Fiscais, é possível que isso tenha correlação com o Bloqueio de Bens (Tópico I) pois que essa providência dispensa a Fazenda de iniciar Execução Fiscal. Para ela, o Bloqueio de Bens é muito mais barato e eficaz porque implementado sem o risco de condenação judicial (Tópico III).

Do mesmo modo, com a instauração de um Canal de Denúncias sobre Devedores (Tópico II), é possível que uma das medidas a serem instauradas pela Fazenda Pública a partir das denúncias obtidas seja o Bloqueio de Bens, alcançando os fins apontados no parágrafo antecedente.

Ou seja, os três temas se entrelaçam de modo indissociável, o último deles (Tópico IIIforçando a Fazenda a conduzir as providências ilegais e inconstitucionais na forma de Bloqueio de Bens, independentemente de autorização judicial, utilizando para isso as denúncias promovidas por anônimos em sua maioria.

Esse é o cenário instaurado no País a partir de uma irrealidade fiscal em que a carga tributária impagável força o contribuinte à inadimplência empurrando-o aos riscos patrimoniais, inclusive pessoais, muitas vezes em clara ofensa aos princípios que inspiraram a criação, no passado, da teoria da separação patrimonial entre bens do sócio e da empresa dadas suas induvidosas naturezas jurídicas distintas. E quando a empresa vai à falência, o fisco ainda desfruta de prioridade para receber já que seus créditos, privilegiados não se somam à massa que pagará os demais credores sem privilégios (Lei 11.101/2005, art. 5º, § 7º).

Franco Advogados Associados

22.01.2018

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Nota importante: Em 9 de dezembro de 2020 o STF analisou, em conjunto, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5.881, 5.886, 5.890, 5.925, 5931 e 5.932, que buscavam o julgamento das regras da Lei 13.606/18 que permitiam ao fisco, sem autorização judicial, tornar indisponíveis imóveis ou veículos de contribuintes inscritos na Dívida Ativa, cuja conduta já havíamos antecipado ser inconstitucional. 
Nessa decisão agora ocorrida o STF, por 7 a 4, permitiu o registro da informação sobre a inadimplência, em cartório, para proteger terceiros. 
Interessante notar que, no mérito dessa decisão, prevaleceu o entendimento: "O Estado não pode se valer de meios indiretos de coerção". Chama a atenção essa conclusão ante sua gritante contradição com o entendimento dos membros daquela mesma Corte Suprema depois que o próprio STF já sentenciou, em 2019, que o comerciante que cobra o ICMS de seu cliente e não o repassa aos cofres públicos pode ser preso! (http://bit.ly/2GfmN6AA prisão não seria, por si mesma, meio indireto de coerção?























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