I – BLOQUEIO DE BENS
Sob o
argumento de que o bloqueio de bens segue recomendação do Tribunal de Contas da
União (TCU) em decisão daquele órgão que determinou à União plano de ação para
melhorar a recuperação dos débitos inscritos na Dívida Ativa e, também,
emulando mecanismos semelhantes adotados por países da OCDE (Valor Econômico,
12/01/2018), a Lei 13.606, de 09/01/2018, com 40 artigos, veio instituir o
Programa de Regularização Rural (PRR, ou também conhecido como parcelamento de
débitos do Funrural).
Mas, no âmago
dessa lei foi enxertada uma alteração à Lei 10.522/2002 que parece não guardar
qualquer pertinência com o tema PRR.
Essa
norma só não é inconstitucional por essa razão porque o STF proibiu a inclusão
em Medidas Provisórias de temas diferentes daquele contido na proposta
original, também conhecido por “jabutis” ou “contrabando” (Ação Direta de
Inconstitucionalidade – ADIn 5127 de outubro de 2.015), todavia, no caso da Lei
13.606, trata-se, originariamente, de projeto de lei e não de Medida
Provisória.
A propósito,
a Lei 10.522/2002 veio dispor sobre o Cadastro Informativo dos créditos não
quitados de órgãos e entidades federais (CADIN). Em seu artigo 20 determinou o
arquivamento, sem baixa na distribuição, mediante requerimento da Procuradoria
da Fazenda Nacional (PGFN), dos autos das Execuções Fiscais relativas a débitos
inscritos na Dívida Ativa (CDA) de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10
mil.
Agora,
com a referida Lei 13.606, foram acrescentados ao citado artigo 20, os artigos
20-B até 20-E. O artigo 20-A já existia desde a Lei 12.649/2012; o artigo 20-D
foi agora vetado por Temer sob o argumento de que estava sendo criado um novo
procedimento administrativo sem esclarecer o seu objetivo embora, por seu teor,
pareça ter sido idealizado para ser endereçado às figuras dos “laranjas”.
Retomando:
as novas disposições vieram prever que inscrito o crédito tributário na Dívida
Ativa da União o devedor será notificado para, em até 5 dias, efetuar o
pagamento do valor atualizado nela indicado.
Essa
notificação será expedida eletronicamente, ou pelos correios, para o endereço
do devedor e será considerada entregue depois de decorridos 15 dias da
respectiva expedição, presumindo-se válida a notificação expedida para o
endereço informado à Fazenda Pública pelo contribuinte ou responsável.
Não pago
o débito no referido prazo a Fazenda poderá comunicar a inscrição no CADIN,
Procon, Serasa, etc. e averbar, inclusive por meio eletrônico, a CDA nos
cartórios de registro de imóveis, sujeitando os bens móveis (veículos
inclusive) e imóveis a arrestos ou penhora, tornando-os indisponíveis. Detalhe:
tudo sem prévia autorização do Judiciário, ou seja, exclusivamente realizado
pelas vias administrativas.
Poderá
deixar de iniciar Execuções Fiscais quando inexistirem indícios de bens,
direitos ou atividade econômica dos
devedores ou corresponsáveis.
A PGFN
vai editar atos complementares necessários à aplicação dessas novas regras.
Essa
norma obviamente ofende os princípios constitucionais do devido processo legal,
ampla defesa e contraditório, além do direito de propriedade.
É bem
sabido que o STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn)
5135, reconheceu a constitucionalidade da Lei 12.767 que acresceu o parágrafo
único ao art. 1º da Lei 9.492/1997, passando a autorizar o protesto de CDAs da
União, Estados, Municípios, autarquias e fundações públicas (http://bit.ly/2f73AUN).
Agora, entretanto,
está-se a tratar de bloqueio de bens. O que é muito mais gravoso do que o protesto
de CDAs ou mesmo o simples arrolamento de bens introduzido pela Lei 9.532/97,
art. 64 e atualmente disciplinado pela IN 1.565/2015, de cujo poder já desfruta
a Fazenda Pública Federal, pois que através do arrolamento a Fazenda apenas
acompanha a movimentação patrimonial do contribuinte, principalmente para
coibir fraudes à Execução Fiscal. Nesse caso de arrolamento o contribuinte é
obrigado a informar ao fisco sobre alienação, oneração, transferência, cisão
parcial, arrematação, adjudicação em leilão, desapropriação ou perda total dos
bens ou direitos arrolados.
Mas, nesse
caso, os bens ainda não se encontram penhorados, cujo efeito requer prévia
providência judicial e autorização do Judiciário.
Aliás, a
indisponibilidade de bens do contribuinte com débito perante o Fisco, agora
pretendida pela PGFN pela simples via administrativa nos termos da Lei
13.606/2018, já existe no ordenamento jurídico desde o advento da Lei 8.397/1992,
alterada pela Lei 9.532/1997, arts. 1º e 2º, por cujo mecanismo, porém, os bens
podem ser objeto de Ação Cautelar Fiscal, proposta em juízo antes ou no curso
da Execução Fiscal, ou mesmo sem prévia constituição do crédito tributário, e
por meio da qual o fisco pede em juízo a indisponibilidade dos bens
pertencentes ao patrimônio do contribuinte devedor, até o valor do respectivo
débito, quando demonstrados comportamentos do sujeito passivo imbuídos do
propósito de evadir-se do pagamento do tributo.
Notar
que a própria Cautelar Fiscal já foi também objeto de ácida crítica
doutrinária, seja por sua inutilidade, seja por sua ilegalidade e
inconstitucionalidade, principalmente nos casos em que proposta antes da
constituição do crédito tributário.
Enfim, a
OAB e a FIESP cogitam agora ajuizar no STF ADIn para questionar a
inconstitucionalidade da referida Lei 13.606/2018.
Enquanto
isso não ocorre ou a decisão da Suprema Corte não vem, o contribuinte
prejudicado com bloqueio de bens móveis e imóveis poderá e deverá buscar valer
seu direito no Judiciário, individualmente.
II – DENÚNCIAS SOBRE DEVEDORES
A par do
bloqueio administrativo de bens introduzido pela Lei 13.606/2018, a Portaria 27
de 12/01/2018 da PGFN veio prever a disponibilização de Canal de Denúncias
Patrimoniais (CDP), na internet, para recebimento de denúncias que facilitem a
recuperação de créditos inscritos em Dívida Ativa da União (R$ 1,9 trilhão) e
FGTS (26,9 bilhões), as quais podem ser encaminhadas por pessoas físicas ou
jurídicas, de forma identificada ou anônima.
A
diferença é que, feita a denúncia de forma identificada, a PGFN poderá contatar
o usuário através de sua caixa postal no sistema E-CAC, da Receita Federal,
para solicitar esclarecimentos ou complementações.
Mesmo
identificado, o usuário poderá solicitar que sua identidade seja preservada,
caso em que ela não será divulgada a terceiros. Em qualquer caso, identificado
ou anônimo, ambos poderão acompanhar pela internet o tratamento conferido à denúncia.
As
denúncias poderão ser arquivadas (permanecendo disponíveis no sistema da PGFN por
5 anos), bem como encaminhadas para providências internas imediata, ou não.
Segundo
a PGFN (Valor, 16/01/2018), qualquer pessoa física ou jurídica detentora de
conhecimento sobre o patrimônio do devedor, dentro ou fora do Brasil, poderá
registrar a denúncia, inclusive trabalhadores cujas contas do FGTS deixaram de
receber depósitos do empregador, ou deixaram de ter depositadas as contribuições
previdenciárias ou mesmo, empresários prejudicados por concorrência desleal,
decorrente ou não do recolhimento de tributos federais devidos.
O
Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho já possuem canais
para recebimento de denúncias sobre fraudes contra o Estado ou as leis
trabalhistas.
É
possível que grande parcela dos potenciais denunciantes sejam empresas
concorrentes, o que poderá ensejar alguns resultados distintos: informações
falsas sobre a concorrência com o propósito de prejudicá-la; informações
verdadeiras sobre a concorrência tornando o ambiente concorrencial mais
isonômico e saudável nos casos em que a deslealdade concorrencial que venha
favorecendo ou tenha favorecido um dado contribuinte tenha por fundamento tributos
federais, ou não.
Nos
casos em que denunciantes sejam empregados (Contribuição Previdenciária e
FGTS), o mesmo pode ocorrer nas situações em que a denúncia tome por base o
desejo de prejudicar o empregador. Poderá ser também legítima nas situações em
que o empregado esteja sendo efetivamente prejudicado, claro.
Mas o
que se tem por certo, se esse programa vingar, é a instauração de verdadeiro
ambiente de caça às bruxas, para o bem e para o mal.
III – RESSARCIMENTO DE SEGURO EM EXECUÇÃO FISCAL
Uma
sentença da 1ª Vara Federal de Nova Iguaçu (RJ) condenou a União a ressarcir ao
contribuinte, empresa Orica Brasil num processo envolvendo créditos de IPI de
cerca de R$ 25 milhões (Processo 0000556-24.2010.4.02.5120), o que esta gastou
durante os 7 anos de duração do processo com a manutenção da carta de fiança
como garantia da execução fiscal, além de honorários advocatícios à parte
contrária (Valor, 15/01/2018).
Contra a
Execução Fiscal – que demora entre 10 e 15 anos –, cabe defesa do contribuinte
através dos Embargos à Execução, a qual exige (Lei 6.830,1980, art. 9º) o prévio
oferecimento de garantia pois esta comprova que o contribuinte executado é solvente,
isto é, possui patrimônio para pagar o credor ao fim do processo.
A
garantia oferecida à penhora pode constituir-se de bens ou direitos, observada
a ordem de preferência prevista no Código de Processo Civil (CPC/2015), art.
835. Muitos contribuintes têm optado pelo seguro garantia (custo de 0,5% a 2%
do valor do débito, por ano) ou carta de fiança (custo de 4% a 5% do débito,
por ano).
Suponha
uma Execução Fiscal cuja tramitação demande 10 anos. Os custos, nesse caso, terão
equivalido de 5% a 20% (seguro garantia) ou 40% a 50% (carta de fiança), em
ambos os casos, calculados sobre o valor da causa acrescido de 30% (CPC, art.
835, § 2º e 848, parágrafo único).
O mesmo
CPC (art. 776) prevê que o exequente deverá ressarcir ao executado os danos que
este sofreu quando a sentença declarar inexistente, no todo ou em parte, a
obrigação que fundamentou a execução. E o artigo 82, § 2º preconiza que a
sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que este
antecipou. Dai porque a decisão judicial, citada, condenou a União a ressarcir
as despesas com a carta de fiança.
Uma
consequência extremamente saudável é avistável num horizonte próximo: ou a
Fazenda Pública deixa de propor Execução Fiscal irresponsavelmente como até
agora tem feito, ou passa a aceitar garantias na forma de bens móveis ou
imóveis, caso em que deixa de onerar o contribuinte com despesas elevadas de
seguro garantia ou carta de fiança.
IV – ENTRELAÇAMENTO DOS TRÊS TEMAS
Dado que
a Fazenda vem sendo condenada sistematicamente ao pagamento de honorários de
sucumbência quando a Execução Fiscal não tem fundamento – em nosso Escritório
temos sido muito bem sucedidos nisso – e, agora, agravada pela decisão, é
verdade isolada, porém uma tendência dada sua previsão no novo CPC/2015, de
condenação do Estado ao ressarcimento de despesas com seguro garantia e carta
de fiança exigidos do contribuinte como condição para ele se defender em
Execuções Fiscais, é possível que isso tenha correlação com o Bloqueio de Bens
(Tópico I) pois que essa
providência dispensa a Fazenda de iniciar Execução Fiscal. Para ela, o Bloqueio
de Bens é muito mais barato e eficaz porque implementado sem o risco de
condenação judicial (Tópico III).
Do mesmo
modo, com a instauração de um Canal de Denúncias sobre Devedores (Tópico II), é possível que uma das
medidas a serem instauradas pela Fazenda Pública a partir das denúncias obtidas
seja o Bloqueio de Bens, alcançando os fins apontados no parágrafo antecedente.
Ou seja,
os três temas se entrelaçam de modo indissociável, o último deles (Tópico III) forçando a
Fazenda a conduzir as providências ilegais e inconstitucionais na forma de
Bloqueio de Bens, independentemente de autorização judicial, utilizando para
isso as denúncias promovidas por anônimos em sua maioria.
Esse é o
cenário instaurado no País a partir de uma irrealidade fiscal em que a carga
tributária impagável força o contribuinte à inadimplência empurrando-o aos
riscos patrimoniais, inclusive pessoais, muitas vezes em clara ofensa aos
princípios que inspiraram a criação, no passado, da teoria da separação
patrimonial entre bens do sócio e da empresa dadas suas induvidosas naturezas
jurídicas distintas. E quando a empresa vai à falência, o fisco ainda desfruta
de prioridade para receber já que seus créditos, privilegiados não se somam à
massa que pagará os demais credores sem privilégios (Lei 11.101/2005, art. 5º, §
7º).
Franco
Advogados Associados
22.01.2018
Tema correlacionado:
Nota importante: Em 9 de dezembro de 2020 o STF analisou, em conjunto, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5.881, 5.886, 5.890, 5.925, 5931 e 5.932, que buscavam o julgamento das regras da Lei 13.606/18 que permitiam ao fisco, sem autorização judicial, tornar indisponíveis imóveis ou veículos de contribuintes inscritos na Dívida Ativa, cuja conduta já havíamos antecipado ser inconstitucional.
Nessa decisão agora ocorrida o STF, por 7 a 4, permitiu o registro da informação sobre a inadimplência, em cartório, para proteger terceiros.
Interessante notar que, no mérito dessa decisão, prevaleceu o entendimento: "O Estado não pode se valer de meios indiretos de coerção". Chama a atenção essa conclusão ante sua gritante contradição com o entendimento dos membros daquela mesma Corte Suprema depois que o próprio STF já sentenciou, em 2019, que o comerciante que cobra o ICMS de seu cliente e não o repassa aos cofres públicos pode ser preso! (http://bit.ly/2GfmN6A) A prisão não seria, por si mesma, meio indireto de coerção?
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