I – PREMISSAS
O art. 982 do Código Civil (CC) dispõe considerar-se, salvo exceções expressas, empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro nos termos do art. 967 do mesmo CC, e simples as demais.
Já é possível antecipar, daí, a conclusão quanto a considerar-se sociedades simples por exceção daquelas caracterizadas como sociedades empresárias.
E o que é empresário, cuja exercício de atividade própria dessa natureza o caracteriza, quando constituído em sociedade, como sociedade empresária?
A resposta está no art. 966 do mesmo CC, segundo o qual como tal se caracteriza quem exerce, profissionalmente, atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Basta que se exerça profissionalmente atividade econômica organizada, com os equipamentos, ferramentas e tudo o mais que possa ser necessário para determinada atividade para se ter a caracterização de empresário (Novo Código Civil, do Direito de Empresa, Mário Cozza, pág. 18, Síntese).
O parágrafo único do mesmo art. 966, CC, é ainda mais explícito, ao determinar não se considerar empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o auxílio de colaboradores (empregados), salvo se o exercício da profissão constituir elementos de empresa.
Portanto, empresário é a pessoa física que, com habitualidade e visando lucro, desempenha atividade organizada destinada a criar riqueza, produzindo e/ou promovendo a circulação de bens, ou realizando serviços. São requisitos da atividade empresária: a) a profissionalidade; b) o exercício de atividade econômica organizada, o que pressupõe a existência de empregados e a finalidade lucrativa; c) a produção ou a circulação de bens ou a prestação de serviços (Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código Civil Comentado, 10.a edição, pág. 1002, Thomson Reuters/Revista dos Tribunais).
“Nas sociedades, o registro observa a natureza da atividade (empresarial, ou não, CC 966);” (Jornada IV Direito Civil, STJ, 382).
Prosseguindo, sociedade simples (ou não empresária, art. 982, CC) é o negócio jurídico mais simples de constituição de sociedade, primário, elementar e natural, celebrado entre pessoas com o objetivo de servir a uma empresa civil (não empresária), permitindo o exercício conjunto de atividade econômica trivial e básica, por meio do qual os sócios conjugam seus esforços para a realização dos negócios da vida ordinária, muito relevantes para as relações civis. É a matriz de todos os modelos societários (Rachel Sztajn, citada por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit. pág. 1025).
“A integralização do capital social em bens imóveis pode ser feita por instrumento particular de contrato social ou de alteração contratual, ainda que se trate de sociedade sujeita ao registro exclusivamente no registro civil de pessoas jurídicas.” (Jornada V Direito Civil, STJ, 478).
“O CC 997 II não exclui a possibilidade de a sociedade simples utilizar firma ou razão social.” (Jornada III Direito Civil, STJ, 213).
O Código Civil dispõe, ainda, que a sociedade simples se vincula ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária (CC, art. 1150).
O art. 1150, CC, explicitou o critério para definição de onde será efetivado o registro. A Lei de Registros Públicos (LRP – Lei 6.015/73) determina dever ser inscrita no Registro Civil das Pessoas Jurídicas a documentação empresarial de sociedades civis que revestirem as formas estabelecidas na legislação comercial, salvo as anônimas (Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit. pág. 1083).
O art. 114 da LRP determina que no Registro Civil de Pessoas Jurídicas devem ser inscritos os atos constitutivos e contratos das sociedades civis (inciso I), ainda que se revistam das formas estabelecidas nas leis comerciais, salvo as anônimas (inciso II).
A lei permite que a sociedade simples se constitua de conformidade com um dos tipos jurídicos por ela regulados (Sociedade em Nome Coletivo, Sociedade em Comandita Simples, Sociedade Limitada), cabendo ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas obedecer às normas fixadas para o Registro Público de Empresas Mercantis em relação a esses tipos (Novo Código Civil, Do Direito de Empresa, Mário Cozza, op. cit. Pág. 234).
II – CONFERÊNCIA DE BENS IMÓVEIS NA CONSTITUIÇÃO DA HOLDING (SOCIEDADE SIMPLES) E A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS
Quando da constituição de uma holding familiar é muito comum que as pessoas físicas de seus sócios transfiram imóveis pessoais para a sociedade então constituída, como forma de integralizar seu capital e, assim, preparar suas sucessões e, também, se os explorar debaixo da sociedade, economizar tributos.
Uma pergunta relevante que cabe aqui é: qual o modo de formalizar a transferência efetiva da propriedade imobiliária do sócio para a sociedade, no caso de se tratar esta de sociedade simples? Mediante descrição do imóvel no instrumento constitutivo da sociedade ou mediante escritura pública?
Deparamo-nos com uma situação, recente, em que o Cartório de Registro de Imóveis exigiu a formalização da transferência via instrumento público (escritura pública) porque a holding então constituída adotou a forma de Sociedade Simples.
O fundamento para assim proceder, foi o art. 108 do Código Civil, cuja redação é:
“Art. 108 – Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País.”
Se se tratasse de sociedade empresária – e não de sociedade simples –, aplicáveis os comandos contidos no art. 64 da Lei 8.934/1994, que dispõem sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins:
“Art. 64 - A certidão dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis, fornecida pela juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou para o aumento do capital.”
O Registro Público de Empresas Mercantis é constituído pelas Juntas Comerciais, onde se registram os atos constitutivos das sociedades empresárias.
Já a constituição das sociedades simples é formalizada mediante seu registro no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (Lei 6.015/1973, art. 114, I e II).
Por não se tratar no caso aqui analisado, de sociedade empresária, mas sim de sociedade simples, inaplicáveis então as regras do art. 64 da Lei 8.934/1994, mas sim as da Lei 6.015/1973.
E o que dispõe o art. 167, I, 32 da referida Lei 6.015/1973?
“Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
I – o registro:
. . .
32) da transferência, de imóvel a sociedade, quando integrar quota social;”
Logo, conjugando as disposições do art. 108, do Código Civil, com as do art. 167, I, 32, da Lei 6.015/1973, tem-se que a escritura pública, que obviamente implica em custos cartorários significativos para o sócio que promove a integralização do imóvel ao capital da holding só poderia ser exigida se a Lei 6.015/1973 – inaplicável, no caso a Lei 8.934/1994, pelas razões aqui explicitadas – dispusesse de modo contrário, isto é, exigisse a escritura pública como essencial à realização do ato de transferência da propriedade imobiliária.
Como não o fez, a exigência de escritura pública deixa de ser essencial à validade do negócio jurídico exteriorizado na forma de transferência de direito real sobre imóvel de valor superior a 30 vezes o maior salário-mínimo vigente, da propriedade do sócio para fim de integralização ou aumento do capital da sociedade holding por ele constituída.
Nesse caso, suficiente para formalizar a transferência da propriedade o instrumento particular de constituição da sociedade (contrato social) registrado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, no qual o imóvel esteja perfeitamente descrito e caracterizado.
Nesse mesmo sentido, manifestação de Alexandre Laizo Clápis, Oficial Substituto do 13º Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, em matéria divulgada no site do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, disponível em https://www.irib.org.br/obras/sociedades-limitadas-o-registro-imobiliario-e-o-novo-codigo-civil.
III - SÍNTESE CONCLUSIVA
Sociedade empresária é a pessoa jurídica constituída sob a qual é exercida atividade econômica organizada profissionalmente e com emprego de equipamentos, ferramentas para a produção ou circulação de bens ou serviços, sendo requisitos para sua caracterização, a profissionalidade, a existência de empregados, finalidade lucrativa e produção e/ou circulação de bens ou prestação de serviços.
Sociedade simples é aquela que, por exclusão, não se enquadra no conceito de sociedade empresária. É caracterizada pela condução de negócio jurídico mais simples, primário, elementar e natural, por pessoas físicas reunidas com o objetivo de servir a uma empresa civil, não empresária, mediante o exercício conjunto de atividade econômica trivial e básica executada pelos próprios sócios.
A sociedade simples pode adotar o tipo jurídico de Ltda, nem por isso perdendo sua natureza civil.
Nesse caso, a integralização do capital, ainda que em bens imóveis, pode ser feita por contrato social de constituição ou alteração.
IV – O CASO CONCRETO
Trata-se, no caso concreto, de sociedade simples constituída, perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas, sob a natureza jurídica de Limitada, cujo capital foi integralizado com bens imóveis registrados em diversos municípios do estado paranaense, em todos eles promovida a devida alteração da titularidade (propriedade), originalmente em nome das pessoas físicas integralizadoras do capital, para o nome da holding familiar constituída para atender ao propósito sucessório e, obviamente, também tributário.
Todos os Registros de Imóveis promoveram os competentes registros, exceto o da capital paranaense, que questionou o fundamento legal para o registro da holding ter tido lugar perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas ao invés de perante o Registro Público de Empresas Mercantis, exigindo Escritura Pública para a integralização do bem imóvel assentado no citado Registro de Imóveis.
Causa estranheza exigir escritura pública para oficializar a integralização do bem imóvel em questão uma vez que dito imóvel encontra-se perfeitamente descrito e caracterizado no ato constitutivo da holding.
A holding foi constituída pelos familiares, no endereço de um deles, não possui empregados, não detém estrutura profissional para administração dos bens próprios, tampouco economicamente organizada, nem mesmo produz ou circula bens ou serviços, explora-os (anteriormente através das próprias pessoas físicas, agora pela holding) via locação, ou parceria no caso de imóvel utilizado para exploração agrícola.
Portanto, ainda que o registrador imobiliário não detenha competência constitucional para promover questionamentos sobre a natureza jurídica da sociedade holding constituída, ou onde registrada, porque quem poderia opor-se a isso (Registro Civil das Pessoas Jurídicas) não o fez, as considerações jurídicas aqui postas devem ser suficientes para esclarecer o por quê da opção feita no ato de constituição da holding, onde registrados seus assentamentos e, sobretudo, porque deve promover o registro dos imóveis sob sua jurisdição, sem qualquer exigência outra, porque despida de sustentação jurídica, assim como procederam os demais registradores imobiliários do mesmo Estado Federativo.
São Paulo, 29 de junho de 2022.
Franco Advogados Associados
Leia também: “ITBI – Base de Cálculo de Outras Questões Polêmicas”
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