quarta-feira, 7 de agosto de 2019

COMENTÁRIOS À MP DA LIBERDADE ECONÔMICA (MP 881/2019)




Comentários à MP 881/2019


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Como amplamente divulgado, trata-se de norma que institui princípios a serem observados pelos agentes públicos nas suas relações com os particulares. Tais princípios complementam e explicitam aqueles previstos na Constituição Federal:  art. 1º (A república tem como fundamento os valores sociais do trabalho e livre iniciativa); art. 170 parág. único (É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei); art. 174 (O estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, deve fiscalizar, incentivar e planejar[art. 1º, caput].

Embora desnecessário dizer, mas com o objetivo de tornar claro, os princípios referidos deverão ser observados e aplicados na interpretação do direito civil, direito empresarial, direito econômico, urbanístico e do trabalho. Inclusive nas regras disciplinadoras de profissões, juntas comerciais, produção, relações de consumo e meio ambiente [art. 1º, § 1º]. Na verdade, será aplicado no que mais couber já que o Direito não é compartimentado. Não são aplicáveis, entretanto, nos casos que envolvem segurança nacional, segurança pública, sanitária ou saúde pública, cabendo à administração pública, quando solicitado, demonstrar de forma expressa as razões de sua restrição [art. 3º, § 1º].

As regras previstas em seus artigos 1º (princípios), 2º e 3º (liberdade econômica) e 4º (garantias à livre iniciativa) não se aplicam ao Direito Tributário e Financeiro, exceto quanto à desobrigatoriedade de guarda de documentos em papel, que poderão ser substituídos por microfilme ou meio digital [art. 1º, § 2º].

Todas essas regras (arts. 1º a 4º) constituem normas gerais de Direito Econômico, cuja vigência suspende a aplicação de leis estaduais, no que lhe contrariar, devendo ser aplicadas pelos estados e municípios para todos os atos públicos de liberação de atividade econômica, exceto para efeitos tributários [art. 1º, § 3º].

A regra que prevê que a partir de 02/07/2019 (MP 881, art. 16), nas solicitações de atos públicos de liberação de atividade econômica  o particular receberá previsão de prazo máximo para análise de seu pedido, sob pena de responsabilização administrativa do agente público (MP 881, art. 16), o qual, ultrapassado e no silêncio da autoridade competente significará sua aprovação tácita (art. 3º, IX), não é aplicável aos estados e municípios, salvo se: as atividades para as quais houve solicitação derivarem de legislação federal ou forem por ela delegada, ou se o estado ou município aderir, por norma própria, às novas regras [art. 1º, § 4º].

Atos públicos de liberação de atividade econômica que serão tacitamente aprovados são, exemplificativamente: licença; autorização; inscrição; registro; alvará; demais atos exigidos sob qualquer denominação, pela administração pública, como condição prévia para o exercício da atividade econômica, inclusive o início, instalação, operação, produção, funcionamento, uso, exercício ou realização de atividade, serviço, estabelecimento, profissão, instalação, operação, produto, equipamento, veículo, edificação [art. 1º, § 5º].

Dentro dessa concepção da MP 881, o exercício da liberdade econômica é propositadamente elevado à condição de direito expresso na lei, embora já integrasse o rol dos direitos fundamentais (CF, arts. 1º e 170 a 174). Agora, a liberdade econômica passa a ser expressamente considerada essencial para o desenvolvimento e crescimento econômicos. Dentre eles, desenvolver atividade econômica de baixo risco sem a necessidade de atos públicos de liberação da atividade econômica; produzir, empregar e gerar renda, podendo desenvolver tais atividades em qualquer horário ou dia da semana, com as restrições relativas às normas de proteção do meio ambiente, combate à poluição sonora e perturbação do sossego, direito de vizinhança e legislação trabalhista [art. 3º, I, II “a” a “d”]

As atividades econômicas de baixo risco serão assim classificadas por ato do Executivo Federal, à cuja classificação se subordinarão estados e municípios enquanto não legislarem sobre isso [art. 3º, § 2º, I]. E enquanto o Executivo Federal não promover tal classificação, valem as regras previstas em resoluções do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e NegóciosCGSIM nº 51 de 11.06.2019 [art. 3º, § 2º, II].

Compreende-se aí a liberdade para definir preços, exceto nos casos de mercados regulados, casos de tarifas e preços públicos, planos de saúde, transporte público, etc.[art. 3º, III]. A liberdade de definir preços não é aplicável nos casos em que o preço dos serviços ou produtos seja utilizado com a finalidade de reduzir o valor do tributo, postergar sua arrecadação ou remeter lucros artificiais ao exterior na forma de custos. Também não é válido contra a lei de defesa da concorrência, direito do consumidor e demais situações protegidas por lei [art. 3º, § 4º, I e II].

É direito do administrado, ainda, receber tratamento isonômico de órgãos e de entidades da administração pública quanto ao exercício de atos de liberação de atividade econômica [art. 3º, IV].

É dever da administração pública evitar, indevidamente: criar reserva de mercado favorecendo grupos econômicos ou profissionais, em prejuízo dos demais concorrentes; impedir a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado; criar privilégio exclusivo para determinado segmento econômico, inacessível aos demais segmentos; exigir especificação técnica desnecessária para o atingimento de um fim desejado; impedir ou retardar a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas situações consideradas, em regulamento, de alto risco; aumentar custos de transações sem demonstração de benefícios; criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço ou atividade profissional, inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros; introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas; restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei [art. 4º, I a IX].

Tudo o que vier a impactar os empresários ou consumidores precisa ser antecedido de estudos de impactos regulatórios para verificação da razoabilidade do seu impacto econômico no meio. A aplicação dessa previsão dependerá de regulamento [art. 5º, caput e parág. único].

A MP 881 revoga a Lei Delegada 4/1962 que dispunha sobre a intervenção no domínio econômico para assegurar livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo, bem como a Lei 11.887/2008 que criou o Fundo Soberano do Brasil. E facilita o acesso de pequenas empresas ao mercado de capitais, tornando desnecessário às pequenas, notadamente start-ups, buscar financiamento no exterior através de ofertas iniciais de ações.

A MP entrou em vigor em 30/04/2019 , com retificação em 03/05/2019, devendo ser convertida em Lei pelo Congresso Nacional até 28/08/2019.

NOTA: A MP 881 está em linha com a Lei 13.726/2018 – pouco conhecida e difundida apesar de viger desde 09/10/2018 e aplicável à União, estados e municípios, cartórios, Judiciário, etc –, que determinou que na relação dos órgãos e entidades dos poderes da União, Estados e Municípios com os cidadãos, é dispensada a exigência de reconhecimento de firmas, devendo o agente administrativo lavrar a autenticidade no próprio documento mediante confronto da assinatura com aquela constante do documento de identificação. E a autenticação de cópia de documento também deve ser promovida pelo agente administrativo mediante comparação entre o original e a cópia. O mesmo valendo no caso de juntada de documento pessoal do usuário. Dispensa, ainda, a apresentação, em qualquer circunstância, da certidão de nascimento, substituível por qualquer outro documento de identificação pessoal, bem como dispensa a apresentação do título de eleitor. Veda, ainda, a exigência de prova relativa a fato que já houver sido comprovado pela apresentação de outro documento válido. Essas regras da Lei 13.726/2018 são aplicáveis inclusive aos procedimentos licitatórios. Há na referida lei outras medidas desburocratizantes que tornam obrigatório o conhecimento do seu teor. Clique aqui para conhecer sua íntegra.

Há muitas alterações em curso no processo de conversão da MP 881 em Lei, no Congresso, até mesmo com promessa de ampliação de seus atuais 18 para 71 artigos. Clique aqui para conhecer essas alterações.

A seguir, comparativo de como é e como será, com comentários adicionais sobre alguns artigos da MP 881 na sua versão sem alterações:


II
III
IV

TEMA
COMO É
MUDANÇA PROPOSTA NA MP
COMENTÁRIOS
1
Art. 1º, § 2º
Para efeito de regularidade de obrigações trabalhistas, previdenciárias, fundiárias (FGTS) e tributárias, os documentos (notas fiscais, registros de empregado, contratação, demissão, contabilidade, registros fiscais, etc), podem ser copiados em meios analógicos e digitais, mas os originais em papeis devem ser preservados, no caso do FGTS, por até 30 anos.
Todos os documentos em papeis podem ser destruídos já que valerão as cópias produzidas em meios analógicos (microfilme) ou digital (escaneamento e manutenção em mídia física, inclusive na nuvem).
Essa regra vale inclusive para documentos de natureza tributária (notas fiscais, livros e documentos contábeis, livros fiscais, guias, declarações, etc).
Passa a integrar o rol de direitos dos administrados arquivar documento via microfilme ou arquivo digital, conforme será estabelecido em regulamento, equiparando-o a documento físico [art. 3º, X].
É uma pena que ninguém teve coragem de incluir na MP 881 a simplificação das relações do contribuinte com o estado-fisco já que o Direito Tributário e Financeiro ficaram de fora (exceto no tocante à validade da guarda de documentos microfilmados ou digitalizados).
Espera-se que sua simplificação venha no âmbito de outra frente de trabalho em curso no legislativo, debaixo do que se convencionou denominar Reforma Tributária.
Em 1999 o Regulamento do Processo Administrativo público federal (Lei 9.784) veio representar um sopro de esperança para os contribuintes, depois desvanecido pelo Judiciário ao concluir sua aplicabilidade a todos os processos administrativos, exceto os tributários. 
Recentemente os contribuintes receberam um novo alento com a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) (DL 4.657/42 alterado pela Lei 13.655/2018).
2
Art. 1º, § 4º
Como sabido, a administração pública conseguiu, por nossa tradição excessivamente formalista, a façanha de transformar a vida dos cidadãos num verdadeiro inferno. Tudo depende de autorização prévia, documentos, carimbos, chancelas, alvarás, e o que mais a criatividade burocratizante é capaz de inventar, de modo a tirar o ímpeto de qualquer empreendedor.
Valerá a regra da presunção da boa-fé como princípio e da presunção de verdade das declarações dos cidadãos como fundamento da atividade econômica, com intervenção mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômica [art. 2º, I a III; art. 3º, V]
O prazo máximo para a análise do pedido para iniciar atividade econômica passa a integrar o rol de direitos dos cidadãos [art. 3º, IX].
Esse prazo deve ser definido individualmente pelo órgão ou entidade da administração pública no momento do pedido [art. 3º, § 9º].
É bem verdade que a Constituição Federal não permite à União Federal dispor sobre temas cuja competência legislativa seja privativa dos estados e municípios. E, mesmo naquelas em que a CF confere à União competência concorrente, dependerá dos estados e municípios legislarem para que a libertação redentora das amarras da administração pública passe a viger. 
Por isso, os cidadãos deverão estar alertas e fazer pressão forte em direção aos seus legisladores estaduais e municipais pois do contrário essa MP não passará de carta de intenções, como o foram as medidas desburocratizantes postas no início da década de 80.
Essas inovações significam o prestígio da vontade das partes, expressa no contrato, de modo a aplicar as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária àquilo que foi contratado, mesmo contrariando normas de ordem pública. 
Mas quem contratar contra a lei não poderá ir ao Judiciário se beneficiar da lei desprezada, ainda porque constitui princípio da MP 881 a intervenção mínima do Estado nas relações privadas.
3
Art. 3º, IV
O exercício da atividade econômica é excessivamente dependente da autorização da administração pública, dentre inúmeras, o famigerado AVCB (auto de vistoria do Corpo de Bombeiros), licenças e alvarás de funcionamento, sanitários e ambientais.
A MP 881 estatui como direito a isonomia no tratamento dado pelos fiscais na liberação de atividades econômicas e a dispensa de licenças e alvarás para atividades de baixo risco, independentemente do tamanho do empreendimento.
Como será a aplicação dessa isonomia? Por exemplo, a própria Constituição Federal já confere direitos especiais às pequenas e médias empresas -MPEs (LC 123/06). 
Entretanto, esses direitos previstos no Estatuto das MPEs impõem restrições, como por exemplo, sócio de não MPE não pode ser sócio de MPE a partir de um certo faturamento somado. Existem, ainda, atividades vedadas às MPEs. Isso será revisto?
A propósito, sobre AVCB, citado (Item 3, Coluna II), para que essa exigência venha a ser dispensada é imperativa iniciativa dos estados federados já que os Corpos de Bombeiros, como forças policiais estaduais, são vinculados aos estados (poder de polícia).
4
Art. 3º, VI
A previsão quanto ao direito de livre desenvolvimento ou livre execução, operação, comercialização de novas modalidades de produtos ou serviços quando as normas vigentes se tornarem desatualizadas em razão de novas tecnologias consolidadas no exterior, de acordo com regulamento que disciplinará os requisitos para aferição da situação concreta, etc, não existe no sistema normativo atual.
Essa novidade está prevista na MP 881 e cai como luva para inovações tecnológicas como Uber, patinetes elétricos, etc. 
O problema é que sua aplicação, como se observa em várias inovações da MP 881, depende de regulamentação, que poderá nunca vir. 
Ou seja, muitas dentre as novidades da MP 881 ou dependem de regulamentos para se tornarem aplicáveis, ou dependem de incorporação à legislação estadual ou municipal.
É possível que essa excessiva dependência de outros fatores para viger irão desaguar no Judiciário.
5
Art. 3º, VIII
O direito assegurado pela MP 881 no sentido de que os negócios jurídicos empresariais serão objeto de livre pactuação das partes não podendo a parte usar em seu benefício aquilo que pactuou contra ela já existe no sistema atual como princípio da boa-fé contratual, intenção das partes contratantes, etc (Código Civil, arts. 110, 111, 112, 113, 147, 187, 393, 421, 422, 432, 473, 659, 2035 par. único, 317 c/c 478).
O que fez a MP 881 foi tornar mais claro, introduzindo princípios a serem observados pelas partes e pelo Judiciário, sendo que para este último (Judiciário) a intervenção deve ser mínima, daí porque expressamente previsto agora que valerá nos contratos o que estiver neles escrito.
Essa regra exigirá que ao elaborar contratos, as partes contratantes designem, em cada cláusula, quem dentre elas a estipulou. 
Inclusive deixar claro, dentre elas, aquelas que foram elaboradas por todos os envolvidos.
Essa regra é inaplicável no caso de contratação com empresa pública ou sociedade de economia mista como tais definidas pelo Estatuto Jurídico da Empresa Pública, Economia Mista e suas subsidiárias, no âmbito da União, estados, municípios (Lei 13.303/2016) já que, nesses casos os contratos são, de regra, de adesão, a maioria das vezes debaixo de procedimentos licitatórios.
6
Art. 4º, I a IX
Inexiste no sistema normativo vigente qualquer coisa parecida com as disposições contidas no art. 4º e seus incisos.
Combate os denominados “cartórios”, grupos de interesses em que aos amigos dos mandatários de plantão, tudo; aos demais, o resto, se sobrar. Medidas Provisórias vinham sendo feitas, ao longo de muitos anos, para atender interesses corporativos ou específicos de uma empresa ou setor. Inclusive vendidas pelos detentores do poder para financiamento político ou enriquecimento pessoal. Se realmente valer o que está escrito na MP 881, tudo isso muda.
Tudo o que temos observado ao longo de nossa vivência profissional de mais de 3 décadas, é a criação de normas legais moldadas para favorecer cartórios, imprensa oficial e até mesmo nossa profissão de advocacia, assim como a de jornalismo e outras protegidas por conselhos regionais. Essa MP 881 parece ter sido um sinal do Brasil para a OCDE antecipando ajustes regulatórios que precisarão ser feitos para o País ser aceito naquele organismo internacional. 
7
Art. 7º
Código Civil, art. 50 - Desconsideração da personalidade jurídica: a distorcida interpretação do art. 50 insistentemente proposta pelo Ministério Público e Procuradorias, do Trabalho, Tributária e outras, e acolhida pelo Judiciário, vem permitindo aos trabalhadores e fisco alcançar o patrimônio dos sócios e dirigentes, por via de bloqueio de contas correntes, negando completamente o clássico princípio da separação entre patrimônios pessoal e empresarial.
Para afastar essa promiscuidade interpretativa, na proposta da MP 881 é conceituado desvio de finalidade como sendo o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. 
Confusão patrimonial, como sendo a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por pagamentos, pela sociedade, de obrigações do sócio ou administrador, ou vice-versa; transferências de ativos ou de passivos sem contraprestações; outros atos de descumprimento de autonomia patrimonial.
A mera existência de grupo econômico, conceito exaustivamente utilizado na Justiça do Trabalho e relações de consumo para obrigar a assunção de obrigações por parte de pessoas físicas ou jurídicas que muitas vezes nada têm a ver com a obrigação de uma dada empresa integrante do grupo, não mais autorizará essa extensão quando ausentes o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.
O reconhecimento de não constituir desvio de finalidade a mera expansão ou alteração da finalidade original da PJ é outro problema sério sanado pela MP 881 já que a prática de atividades não expressamente previstas no Contrato ou Estatuto Social vinha ensejando a desconsideração da personalidade jurídica por desvio de finalidade (mais sobre isto).
Em síntese, a partir da MP 881, para que a desconsideração da personalidade jurídica seja caracterizada e alcançado o patrimônio pessoal de sócios, administradores, dirigentes, etc, é necessário que essas pessoas tenham se beneficiado, direta ou indiretamente, ou seja, tenham obtido vantagens.
A cada intepretação que os contribuintes sacam de seu arsenal de defesa para evidenciar o óbvio: “patrimônios empresariais e pessoais não se misturam”, as Procuradorias Fazendárias e os credores privados contrapõem novos argumentos que muitas vezes resultam aceitos pelo Judiciário e, então, novo desafio se impõe aos advogados. Segundo Valor Econômico (17/05/2019), 70% dos juízes de 1ª instância não aplicam a jurisprudência do STJ que versa sobre desconsideração de personalidade jurídica. 
Um exemplo recente que bem ilustra isso é a restrição à utilização da Exceção de Pré-Executividade utilizada pelos contribuintes para se defender de execuções fiscais no caso de redirecionamento da cobrança da PJ para a PF (veja mais sobre isto). 
A defesa dos contribuintes, nesses casos, ficará bastante facilitada, desde que ausentes desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
É bem verdade que ambas as conceituações não resolvem um problema crônico de escassez de caixa das empresas, que muitas vezes induz à confusão patrimonial, mas uma alternativa exigida para organizar essas sucessivas movimentações financeiras entre PFs e suas PJs, ou entre PJs, é a abertura de conta corrente, e sem efeitos tributários (mais sobre isto).
Pode parecer estranha nossa abordagem, aqui, a temas tributários, sendo que mais atrás afirmamos que as regras dos artigos 1º a 4º da MP 881 não produz efeitos tributários (MP 881, art. 1º, § 2º).
Nossa justificativa, aqui, quanto aos efeitos tributários, é que estamos tratando de alterações de disposições do Código Civil aplicáveis também ao Direito Tributário e Relações de Consumo. Mais ainda: tratam-se de regras debaixo do art. 7º da MP 881 e não dos arts. 1º a 4º.
Em matéria tributária continuam aplicáveis também as regras do CTN, arts. 133 e 134. E no âmbito trabalhista há conceito próprio do que seja grupo econômico.
Já se tem notícia da aplicação das novas regras sobre desconsideração da personalidade jurídica introduzidas pela MP 881 em um caso julgado pela 28ª Câmara de Direito Privado do TJSP, em favor, e por unanimidade, dos empresários (Agravo de Instrumento 2243292-27.2017.8.26.000o).
De um modo geral, a tendência é reduzirem-se as quantidades absurdas de bloqueios indevidos de contas bancárias de sócios e dirigentes.
8
Art. 7º
CC, art. 421: Liberdade de contratação limitada à função social do contrato.
Essa tal de função social do contrato fundamentou, ao longo do tempo, inúmeras decisões judiciais contrárias à vinculação dos contratados aos termos do contrato (pacta sunt servanda), dentre outras consequências, encarecendo absurdamente os juros bancários já que o que está escrito não vale e é para ser descumprido, prevalecendo nos Tribunais a lei do mais fraco: quem é mais fraco na relação contratual é poupado. Isso vale para relações do trabalho, locação, relações de consumo, etc.
Agora essa realidade é substancialmente ajustada com a previsão de que a função social da contratação deve observar também as regras da MP 881, dentre elas, a submissão das partes ao que está escrito.
Com a nova redação, espera-se que uma enormidade de distorções venha a ser corrigida. Se o Judiciário ajudar. Porque se insistir na aplicação do princípio de que o que está escrito no contrato não tem valor, persistiremos no mesmo caminho do atraso e, sobretudo, em um dos grandes desastres que atende pelo nome de custo Brasil: a insegurança jurídica, cuja causa e fonte é o Judiciário. Valia até aqui a idiossincrasia do juiz, ou seja, sua percepção de mundo e não o que está escrito na lei e nos contratos. Espera-se que isso, agora, venha a se tornar coisa de um passado de atraso.
9
Art. 7º
CC, art. 423: Contrato de Adesão. Cláusulas ambíguas ou contraditórias se interpreta de maneira mais favorável ao aderente.
Cláusulas geradoras de dúvidas quanto à sua interpretação, não apenas ambíguas ou contraditórias, interpreta-se de maneira mais favorável ao aderente [art. 423, caput].
Nos demais contratos (não de adesão) a dúvida beneficia a parte que não redigiu a cláusula.

Isso obriga, nos contratos não de adesão (comutativos e sinalagmáticos) que em cada cláusula seja indicado quais dentre as partes contratantes a sugeriu. E se se tratar de cláusula fruto de autocomposição entre as partes, isso também deve ser indicado.
10
Art. 7º
CC, art. 480: Contrato excessivamente oneroso para uma das partes. A parte prejudicada por cláusulas onerosas pode pleitear redução de sua prestação ou alteração no modo de sua execução.
Com a introdução do art. 480-A ao Código Civil é previsto que quando empresas contratam, podem estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do contrato.
O acréscimo do art. 480-B ao Código civil permite presumir que as partes redigiram suas cláusulas com equilíbrio e observaram, em cada uma delas, os riscos que estão assumindo.
Os cuidados exigidos com a elaboração de contratos afastam, doravante, obrigatoriamente, a viabilidade de contratos formulados por representantes de áreas comerciais, reduzindo suas cláusulas a mera cópia e cola de propostas comerciais. 
O risco de cláusulas mal redigidas torna-se, agora, muito grande. Principalmente porque a dúvida favorece a parte que não as tenha redigido. E, porque, presume-se que sopesaram os riscos assumidos ao pactuarem-na.
Além disso, desde o advento do novo CPC (art. 190), é admitido o que se denomina “negócios jurídicos processuais em matéria procedimental”, de modo que na elaboração dos contratos as partes podem estipular mudanças no procedimento judicial visando ajustá-lo às especificidades da ação judicial cabível no caso, convencionando elas sobre quem assumirá os ônus, os poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
11
Art. 7º
CC, art. 980: Permitiu a constituição de PJ através da figura da EIRELI ao admitir que sociedades Ltdas sejam constituídas por uma única pessoa titular de 100% do capital social.
O titular da EIRELI só pode participar de uma única empresa dessa modalidade. Pode também resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio. Os direitos de autor ou de imagem, nome, marca ou voz do seu detentor pode ser explorado debaixo de EIRELI que tenha por objeto a prestação de serviço de qualquer natureza.
A novidade introduzida pela MP 881 (art. 980-A) é que somente o patrimônio da EIRELI responderá por suas dívidas, não afetando o patrimônio pessoal do seu titular, ressalvados os casos de fraude.
Novamente aqui, neste ponto, a alteração legislativa promovida no Código Civil produz efeitos tributários benéficos aos contribuintes – e, também, benéficos no âmbito das relações civis – na medida em que separa os patrimônios pessoal e empresarial. A falta de definição quanto a esse ponto era gerador de controvérsias que afastavam o interesse pelas EIRELIs.
12
Art. 7º
CC, art. 1052, par. único: Inexistente
Com a introdução do parágrafo único ao art. 1.052 a sociedade Ltda pode ser constituída por uma única pessoa (sociedade unipessoal, anteriormente privativa das EIRELIs). 
No documento de constituição é aplicável, no que couber, as regras do contrato social das Ltdas.
Acaba a regra até então vigente que previa que a sociedade se dissolve com a falta da pluralidade de sócios se não reconstituída no prazo de 180 dias (Código Civil, art. 1.033, IV). Esse referido dispositivo, embora não expressamente revogado, o é tacitamente, ao menos para as Sociedades Ltdas.
Agora o interessado poderá optar pela EIRELI ou pela sociedade unipessoal, cujo capital, neste último caso, poderá ser integralizado da forma como o interessado quiser, inclusive ter como sócio uma PJ. E poderá ele deter mais de uma sociedade, ao contrário da EIRELI, limitada a uma por sócio.
13
Art. 8º
Lei S/A, art. 294: Dispõe sobre obrigações acessórias (convocação de Assembleia, publicação de relatório de administração, demonstrações financeiras, parecer de auditores independentes, etc) exigidas das Cias Fechadas com menos de 20 acionistas e PL de até R$ 10 milhões, as quais podem deixar de publicar esses documentos desde que autentiquem suas cópias e os arquivem na Junta Comercial, inaplicável esses critérios à controladora de grupo de sociedade ou a ela filiadas.
O art. 294-A, agora introduzido, dispõe que a CVM, por regulamento, poderá dispensar essas exigências para as companhias que definir como de pequeno e médio porte. As exigências dispensáveis visam unicamente facilitar o acesso ao mercado de capitais.
Essa nova redação não afastou um problema preexistente que, por decorrência de lobbies promovidos pelas Imprensas Oficiais, obriga as Cias fechadas a arquivar nas Juntas Comerciais balanços e pareceres de auditoria independente. 
Isso começou em 1998 com a MP 1.638-2, moldada para atender à necessidade de faturamento das Imprensas Oficiais e que contou, na época, com o apoio das Juntas Comerciais. 
A Lei 10.303/2001 alterou a redação do art. 294 para estabelecer a exigência dessa publicação. 
Se as regras do art. 4º, I a IX da MP 881 já estivessem em vigor, esse lobby não teria prosperado (vide Item 6, Colunas III e IV).
O art. 294-A perdeu a oportunidade de permitir que Ltdas tenham acesso à capitalização via debêntures.
14
Art. 9º
Lei de Recuperação Judicial: O art. 82 da Lei 11.101/2005 dispõe sobre a responsabilidade pessoal dos sócios e controladores nas falências.
O art. 82-A recém introduzido pela MP 881 diz que o patrimônio pessoal só responderá pelas obrigações da falida quando presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica (vide Item 7, Colunas II, III e IV).
Esse problema relativo à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e que vem afetando as relações trabalhistas, tributárias, relações de consumo e falimentar poderia e deveria ser resolvido através de uma figura introduzida pelo Código de Processo Civil em 2015 (art. 133), denominado Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. Ocorre que o STJ, ao menos no que se refere às matérias tributárias, vem deixando de aplicá-lo sob o argumento de que responsabilidade tributária é pessoal, podendo ser exigida tanto da PJ como dos sócios, administradores, etc (mais sobre isto).
15
Art. 11
Lei 12.682/2012: Dispõe sobre elaboração e arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos.
É acrescentado à Lei 12.682/2012 o art. 2º-A e §§ 1º a 5º, por meio dos quais é autorizado o armazenamento em meio eletrônico, ótico ou equivalente, de documentos privados compostos por dados ou por imagens, de acordo com regulamento a ser elaborado. Eles terão a mesma validade do microfilme.
Após a digitalização o original poderá ser destruído. O documento digital e sua reprodução terão o mesmo valor probatório do original para todos os fins, inclusive para atender à fiscalização.
Findo o prazo de 5 anos (ou até 10, conforme o caso), o armazenamento eletrônico poderá ser descartado.
Alguns documentos, a serem ainda designados pela Secretaria de Governo Digital, deverão conter código de autenticação verificável.
Como já exposto anteriormente (vide Item 1, Colunas III e IV), essa simplificação acarretará, dentre outros benefícios, redução de custos com armazenagem de documentos, além de facilidade na recuperação de informações eletronicamente armazenadas.
A aplicação das regras relativas ao armazenamento eletrônico depende de regulamentação federal (MP 881, art. 17), inclusive obviamente, do Ajuste SINIEF, no caso do ICMS (estadual) juntamente com o IPI.
16
Art. 14
Lei 10.522/2002: Lei que instituiu o CADIN. Seu art. 18 dispõe sobre os créditos da Fazenda Nacional que podem ser dispensados e quando.
A MP 881 acrescenta o art. 18-A para dispor que comitê formado por representantes do CARF, RFB e PGFN editarão enunciados de súmula os quais vincularão a administração tributária federal. No mesmo sentido vão os artigos 19, 19-A, 19-B, 19-C, 19-D e artigo 20 ora acrescidos.
Espera-se que essa alteração venha a uniformizar a atuação da administração tributária porque ficará ela vinculada a essas súmulas. Atualmente a insegurança jurídica é agravada pela ausência de uniformização ensejando que a RFB edite Soluções de Consulta, o fisco autue, o CARF desrespeite decisões ou entendimentos consolidados por manifestações da PGFN que, a sua vez, se assenta em precedentes do STJ.
Exemplo bem atual que poderia muito bem se ajustar a essa nova postura fazendária é a Solução de Consulta nº 18 que conclui, mesmo contra decisão do STF, dever ser excluída da base de cálculo do PIS/COFINS o ICMS apurado no confronto débito/crédito e não aquele lançado na Nota Fiscal, o que representa grave prejuízo para os contribuintes, levando-os novamente ao Judiciário para discutir tema já decidido pelo STF (mais sobre isto).


Franco Advogados Associados.

7 de agosto de 2019.


terça-feira, 9 de julho de 2019

ACRESCE - PIS/COFINS SOBRE RECEITAS FINANCEIRAS




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PIS/COFINS SOBRE RECEITAS FINANCEIRAS DE CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS E COMERCIAIS


I – INTRODUÇÃO

Recentemente escrevemos sobre a tributação do PIS/COFINS incidente sobre receitas financeiras. Trata-se, ali, de abordagem de caráter geral.

Naquela matéria expusemos os fundamentos para questionar, em juízo, a exigência do PIS/COFINS sobre tais receitas, dentre eles: a) inconstitucionalidade da Lei 10.865/04, art. 27, § 2º, que autorizou o Executivo a reduzir ou restabelecer as alíquotas de ambas as contribuições sobre receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo de apuração; b) não tributação de receitas financeiras auferidas por empresas não-financeiras; c) o DL 1598/77, alterado pela Lei 12.973/14, não incluiu receitas financeiras dentro do conceito de receita bruta, base dessas contribuições aqui citadas; d) tratamento anti-isonômico da lei ao permitir exclusivamente às instituições financeiras deduzir custos e despesas da base de cálculo dessas contribuições, reduzindo de forma indireta sua alíquota efetiva, etc.


Agora vamos ver esse mesmo tema sob a perspectiva exclusiva das receitas financeiras auferidas por condomínios residenciais e comerciais.

Como se sabe, parte das receitas auferidas por condomínios residenciais e comerciais advém de aplicações financeiras dos valores correspondentes às taxas condominiais mensais, fundos de reserva e, também, das chamadas extraordinárias para investimentos de grande monta, como reformas, pinturas, modernização ou substituição de elevadores, aquisição de grupos geradores, etc.

Quando aquela mesma análise naqueles referidos comentários conduzida é transplantada para os Condomínios Residenciais e Comerciais, exige algumas adequações importantes.

Cabem, por exemplo, indagações como: Condomínios são pessoas jurídicas? Sujeitam-se ao regime não-cumulativo de apuração dessas Contribuições? Adicionalmente: qual o conceito de receitas de atividades próprias? 

Na sequência isso será aqui analisado e esclarecido.

II – CONDOMÍNIOS: PERSONALIDADE JURÍDICA E REGIME DE TRIBUTAÇÃO DO PIS/COFINS

Primeiramente, Condomínios não são dotados, nos termos de nosso Código Civil, de personalidade jurídica. Mas a jurisprudência vem, desde há muito, entendendo dever ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício [1].

É com base nessa realidade que a Receita Federal, por sua pergunta 033, ao responder quais são os contribuintes do PIS/COFINS incidentes sobre a receita bruta no regime de apuração não cumulativa, considera os Condomínios de proprietários de imóveis residenciais ou comerciais como equiparados às pessoas jurídicas.

Em outra pergunta (003), ao responder sobre quais entidades são isentas da Contribuição para o PIS incidente sobre receitas, arrola os condomínios de proprietários de imóveis residenciais ou comerciais.

A MP 2.158-35/2001 dispôs, em seu artigo 13, IX, que a Contribuição para o PIS incide sobre a folha de salários à alíquota de 1% apuradas pelos Condomínios de proprietários de imóveis residenciais e comerciais.

III – CONCEITO DE RECEITAS DE ATIVIDADES PRÓPRIAS E O PIS/COFINS

E o art. 14 da mesma MP 2.158-35/2001 previu que em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 01/02/99, são isentas da COFINS as receitas relativas às atividades próprias das entidades referidas em seu art. 13.

É com esse fundamento que a RFB, em resposta à questão 001, se posicionou no sentido de que as entidades listadas no artigo 13 da MP 2.158-35/2001 são contribuintes apenas da COFINS em relação às receitas não decorrentes de suas atividades próprias, além de serem contribuintes do PIS incidente sobre folha de salários.

Não são contribuintes da COFINS em relação às receitas decorrentes de suas atividades próprias.

O que são consideradas receitas de atividades próprias? São aquelas obtidas no desempenho da atividade, em consonância com os objetivos sociais para os quais a entidade foi criada, e que não tenham natureza contraprestacional (isto é, não são recebidas como contraprestação por algo feito ou disponibilizado em favor de quem efetua o pagamento). 

A Instrução Normativa 247/2002, fundada dentre outras na MP 2.158-35/2001, dispôs serem contribuintes do PIS incidente sobre a folha de salários os condomínios de proprietários de imóveis residenciais e comerciais (art. 9º, IX).

E, em seu artigo 47, determinou que as entidades relacionadas em seu art. 9º, não contribuem para o PIS incidente sobre o faturamento (inciso I) e são isentas da COFINS em relação às receitas derivadas de suas atividades próprias (inciso II), explicitando serem receitas derivadas das atividades próprias aquelas decorrentes de: a) contribuições; b) doações; c) anuidades ou mensalidades.

Em quaisquer das hipóteses (“a” a “c”, imediatamente acima), a condição para a isenção da COFINS exige, nos termos da IN 247/2002, terem sido elas fixadas por lei, assembleia ou estatuto, recebidas de associados ou mantenedores, sem caráter contraprestacional direto, destinadas ao seu custeio e ao desenvolvimento dos objetivos sociais (art. 47, § 2º).

A isenção da COFINS referida no art. 14 da MP 2.158-35/01 foi analisada no Acórdão 9303-004.370/2016 (Processo 10384.003726/2007-75) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), o qual se posicionou no sentido de que dita isenção têm lugar sendo irrelevante o caráter contraprestacional, ou seja, receita obtida em contraprestação por algo feito ou disponibilizado em favor daquele que efetuou o pagamento, prevalecendo a isenção mesmo que não tenha tal natureza contraprestacional.

No julgamento desse Acórdão o CARF aplicou o art. 62, § 2º do seu Regimento Interno, o qual manda acolher nos julgados administrativos daquele Conselho as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito de recursos repetitivos (arts. 1036 a 1041 do Código de Processo Civil), cujas decisões devem ser reproduzidas no julgamento dos recursos administrativos no âmbito do CARF.

Assim é que, nessa decisão do CARF, aqui citada, decidiu ele que deve ser reconhecida aplicável a isenção da COFINS prevista no art. 14, X da MP 2.158-35/2001, sobre as receitas decorrentes de atividades próprias das entidades sem fins lucrativos e reconhecida a ilegalidade da IN 247/2002, sobre a qual se pronunciou o STJ no julgamento do Recurso Especial 1.353.111/RS, pela sistemática dos recursos repetitivos.

Por essa razão, considerou-se afastada a restrição posta pelo art. 47, § 2º da IN 247/2002 da RFB pois não estabelecida pelo legislador originário.

Essa conclusão foi repetida no Acórdão 3201-002.884/2017 (Processo 10680.016792/2005-07), segundo a qual o § 2º do art. 47 da IN 247/2002, ao determinar o alcance do conceito de “receitas decorrentes de atividades próprias”, extrapolou a norma que concedeu isenção (MP 2.158-35/2001, art. 13 combinado com art. 14, X), ao restringi-la apenas aos ingressos decorrentes das contribuições, doações, anuidades ou mensalidades fixadas por lei, assembleia ou estatuto, recebidas de associados ou mantenedores.

Decorre desse novo entendimento que tudo o que ingressa no patrimônio de entidades como Condomínios residenciais e comerciais, inclusive rendimentos obtidos a título de receitas financeiras, são considerados receitas decorrentes de atividades próprias e, portanto, estão compreendidos dentro da isenção prevista no art. 14, X da MP 2.158-35/2001.

IV – O TEMA NO STF

O STF já se manifestou no sentido de que a captação de receitas, mesmo quando não provenientes das atividades fins e preponderantes da entidade, se aplicada no desenvolvimento e manutenção das atividades a que se destina, é imune. 

Isto porque o art. 195, § 7º da CF não faz distinção entre receitas próprias e impróprias para determinar o alcance da imunidade ali prevista, não cabendo à lei ordinária e muito menos à Instrução Normativa fazer tal distinção (Adin 2.028-5/DF).

V – O TEMA NO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (4ª R)

O TRF da 4ª Região (Ap-RN 2005.71.00.016795-4/RS – Rel. Des. Vilson Darós, DJe 07.10.2008, p. 191) considerou que se o STF manifestou-se no sentido de que a captação de receitas,  mesmo quando não provenientes das atividades fins e preponderantes da entidade, se aplicada no desenvolvimento e manutenção das atividades a que se destina é imune, seguindo a mesma linha de entendimento do STF em relação à imunidade, deve ser aplicado à isenção da COFINS [2].

E prosseguiu, se a entidade criada sem fins lucrativos aufere receitas por meio de atividades desvinculadas dos seus fins essenciais (por exemplo: alugueis, aplicações financeiras, prestação de serviços, etc), desde que canalize esses recursos para a manutenção ou o aprimoramento dos serviços a que se destina, deve ser mantida a isenção.

Essas atividades realizadas pelas entidades sem fins econômicos estão, na verdade, compreendidas dentre as atividades próprias dessas instituições, embora não configurem suas atividades preponderantes. Em outras palavras, tratam-se de atividades acessórias, não preponderantes, que visam a complementar suas fontes de receitas, permitindo-lhes angariar recursos a final destinados à aplicação na sua atividade principal. 

E complementou aquele Tribunal não se tratar de negar vigência ou eficácia ao inciso X do art. 14 da MP 2.158-35/01, mas tão somente declarar seu alcance e a interpretação que deve ser dada ao dispositivo, em conformidade com o sistema normativo no qual está inserido.

A interpretação fiscal que limita a isenção às receitas conectadas à atividade principal – no caso dos Condomínios, taxas condominiais, fundo de reserva e fundos destinados a reformas, outros ingressos decorrentes de contribuições, doações, desde que em qualquer caso fixados em assembleia ou estatuto – excluídas as receitas financeiras, não se sustenta no plano legal por ignorar a realidade das entidades sem fins econômicos que, desprovidas do objetivo de perseguir lucros, destinam toda a sua receita ao seu custeio e ao desenvolvimento de seus objetivos sociais.

VI – AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE RECEITAS DE ATIVIDADES PRÓPRIAS

Conclusão inafastável é que, tudo o que ingressar no patrimônio dos Condomínios Residenciais e Comerciais, loteamentos fechados, clubes de campo, demais entidades isentas ou imunes, desde que aplicados integralmente na manutenção e preservação de suas atividades estatutárias, não será tributado pela COFINS. 

A regra é válida independentemente de essas entidades terem oferecido algo, uma contrapartida, para justificar esses ingressos financeiros (a isto se denomina “contraprestação”). No caso de condomínios residenciais ou comerciais cite-se, por exemplo, a locação de espaços, geralmente, salões de festas, cobrança pelo uso de churrasqueiras, etc. 

Por fim, alertamos que naquela matéria anterior, citada no início desse trabalho (PIS/COFINS incidente sobre receitas financeiras), as alíquotas ali mencionadas são de 4% (COFINS) e 0,65% (PIS), enquanto que nos presentes estudos a alíquota é de 4% (COFINS). O PIS, aqui, incide apenas sobre a folha de salários à alíquota de 1%.

VII – QUADRO RESUMO

Para melhor visualização:

QUADRO I
CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS/COMERCIAIS/LOTEAMENTOS FECHADOS/ENTIDADES IMUNES E ISENTAS

sem ação judicial

pis
folha salários
rendimentos aplicações financeiras
outros rendimentos não estatutários
rendimentos estatutários
1%
0%
0%
0%
cofins
folha salários
rendimentos aplicações financeiras
outros rendimentos não estatutários
rendimentos estatutários
não incide
4%
4%
0%


QUADRO II
CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS/COMERCIAIS/LOTEAMENTOS FECHADOS/ENTIDADES IMUNES E ISENTAS

com ação judicial

pis
folha salários
rendimentos aplicações financeiras
outros rendimentos não estatutários
rendimentos estatutários
1%
0%
0%
0%
cofins
folha salários
rendimentos aplicações financeiras
outros rendimentos não estatutários
rendimentos estatutários
não incide
0%
0%
0%


VIII – EXCLUSIVAMENTE PARA ASSOCIADOS DA ACRESCE

Supomos que os administradores da imensa maioria dos Condomínios Residenciais – e talvez os de alguns Comerciais – sequer imagina que rendimentos de aplicações financeiras são tributados pela COFINS. 

Sujeitam-se à autuação fiscal com multa (até 150%) e juros.

Alguns podem até saber, mas por desconhecerem que por meio de ação judicial essa exigência pode vir a ser afastada, prosseguem pagando-a.

Já os Associados da ACRESCE – ASSOCIAÇÃO DOS CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS E COMERCIAIS, estarão protegidos de qualquer penalização em relação ao passado (julho de 2015 em diante, quando essa tributação voltou a ser exigida) e, também, em relação ao futuro, posto que tomou a iniciativa de demandar em juízo em favor de seus Associados, sem qualquer cobrança adicional ou extra. Tudo, mediante taxa associativa mensal.

Outras iniciativas em benefício de seus Associados virão muito em breve!

ACRESCE – ASSOCIAÇÃO DOS CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS E COMERCIAIS


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[1]O Código Civil de 2002, art. 1331, utiliza essa expressão para designar, nas edificações, partes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos. Entende a doutrina que se aplicam as regras do condomínio edilício, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedades imobiliárias e clubes de campo (De Plácido e Silva).
[2]Inexiste diferença, quanto aos seus efeitos, entre imunidade e isenção. A distintas designações se justificam apenas porque imunidade decorre diretamente da Constituição Federal (no caso, art. 195, § 7º) e endereçada para as entidades naquele dispositivo elencadas, enquanto a isenção decorre de lei ordinária (no caso, da Lei 9.532/97).