quinta-feira, 5 de maio de 2016

Ilegalidade e inconstitucionalidade no condicionamento da prorrogação dos benefícios fiscais do ICMS à devolução de 10% para o estado concedente.

ICMS – BENEFÍCIOS E INCENTIVOS FISCAIS – REDUÇÃO VIA DEVOLUÇÃO DE 10% – CONVÊNIO ICMS 31/2016



I – ANTECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Em março de 2015 divulgamos nosso Informativo nº 48 (http://www.francoadvogados.com.br/informativos/documents/INFORMATIVO48.pdf) no qual esclarecemos vários aspectos relacionados com o tema objeto do presente.

Ali evidenciamos o posicionamento contrário do Supremo Tribunal Federal à concessão de benefícios fiscais no âmbito do ICMS desamparados de aprovação unânime do CONFAZ, tendo o Ministro Gilmar Mendes, daquela Corte, proposto a edição da Súmula Vinculante (SV) 69, por meio da qual seria declarado inconstitucional qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal concedido sem prévia aprovação do CONFAZ (Conselho de Política Fazendária).

Para alívio dos empresários aquela Súmula jamais foi votada pelo Plenário do STF.

O justificado temor tinha a ver com a modulação dos efeitos daquela Súmula porque se retroagisse no tempo, os contribuintes teriam que devolver para os cofres estaduais o montante dos benefícios fiscais obtidos nos últimos 5 anos contados da edição da SV 69, acrescido de multa, juros e correção.

Naquele mesmo Informativo nº 48 informamos sobre o julgamento conduzido pelo STF, em 11.03.2015, da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADIn 4481/PR, declarando por unanimidade de votos inconstitucionais os artigos de uma lei paranaense concessiva de benefícios fiscais do ICMS ao desamparo das regras do CONFAZ. Nesse referido caso os efeitos da decisão foram modulados pela Suprema Corte convalidando os benefícios até a data do julgamento da referida ADIn, isto é, até 11.03.2015, de modo que o estado do Paraná não foi autorizado a exigir o ICMS não recolhido em decorrência do benefício concedido, tampouco acréscimos (multa, juros, correção).

A referida decisão provocou outros efeitos importantes porque restaram preservados os direitos de crédito a que faziam jus os adquirentes das mercadorias de fornecedores paranaenses beneficiados pelo incentivo fiscal concedido por aquele estado.

II – FATOS NOVOS – CONVÊNIO ICMS 31/2016 (DOU 13.04.2016)

O assunto permaneceu sem novos desdobramentos até que agora os estados federativos, com suas finanças combalidas pela impactante paralisação da economia provocada pelos sucessivos equívocos na condução econômica por parte do governo federal, e sem alternativas, criaram por meio do Convênio ICMS 31/2016 uma regra que prevê a restituição mínima de 10% do montante dos incentivos fiscais concedidos aos seus contribuintes.

Em sua redação o dito Convênio autoriza os estados a condicionar a fruição de: a) incentivos fiscais; b) benefícios fiscais; c) benefícios financeiros-fiscais; d) benefícios financeiros, e; e) regimes especiais de apuração que resultem em redução do ICMS a ser pago – aplicável aos incentivos e benefícios vigentes, inclusive dos que vierem a ser concedidos –, a que os contribuintes beneficiários depositem o equivalente a no mínimo 10% do respectivo incentivo ou benefício em fundos de desenvolvimento destinados à manutenção do equilíbrio das finanças públicas estaduais.

Tais depósitos devem ser efetuados mensalmente na data fixada nas respectivas legislações de cada estado que venha a adotar o disposto no referido Convênio e seu descumprimento por 3 meses resultará na perda definitiva do incentivo ou benefício indicado em “a” a “e”, acima.

A condição autorizada pelo Convênio ICMS 31/2016 vigerá a partir da incorporação de sua previsão à legislação interna de cada estado signatário.

Entretanto, o STF já decidiu (ADIn 2325/DF) que a redução do incentivo, por acarretar majoração indireta da carga tributária, deve respeitar o princípio da anterioridade, o que vale dizer, a lei estadual que implementar as regras do Convênio ICMS 31/2016 só poderá ser aplicada em 01.01.2017, isto se publicada até 02.10.2016 porque, se entre 03.10.2016 e 31.12.2016, só vigerá 90 dias após (CF, art. 150, III, “b” e “c”).

Um ponto que vale a pena considerar é: a regra do Convênio ICMS 31/2016, uma vez que está sendo disciplinada pelo CONFAZ, é aplicável somente aos incentivos e benefícios que foram anteriormente aprovados por referido Conselho Fazendário ou alcançam também aqueles concedidos unilateralmente pelos estados – sem a prévia aprovação daquele órgão colegiado?

A conclusão a que o Judiciário chegar quando julgar demandas judiciais propostas pelos contribuintes contra essas novas exigências de contrapartidas financeiras terá dois efeitos: se concluir abranger as regras do novo Convênio todos os benefícios, unanimemente aprovados ou unilateralmente concedidos, terá que concluir que esses tais benefícios, unilaterais, foram, então, implicitamente convalidados pelo CONFAZ. Lógico, porque só pode o CONFAZ dispor sobre “todos” os benefícios e alcançar aqueles unilateralmente concedidos porque, antes disso, os reconhecera válidos. Portanto, convalidados. Ainda mais porque a participação unânime de todos os Estados na elaboração e votação do referido Convênio 31/2016 implica atendimento à exigência de unanimidade estabelecida pela Lei Complementar 24/75.

Do contrário, não poderia o CONFAZ dispor sobre algo em relação ao qual não reconhece validade jurídica. Muito possivelmente, alguns estados, prejudicados com os benefícios no passado unilateralmente concedidos, terão até mesmo demandado no STF contra o estado concedente alegando a inconstitucionalidade da concessão. Aliás, a inconstitucionalidade desse agir unilateralmente já foi assim reconhecida, em caráter geral, pelo STF ao formular a Súmula Vinculante 69 – em que pese está não tenha sido aprovada pelo Pleno daquela Corte Suprema. A conclusão aqui posta é, inobstante a não oficialização dos termos da SV 69, validada pelo julgamento da ADIn 4481/PR, referida acima.

Mais ainda, se o benefício foi unilateralmente concedido, o CONFAZ não dispõe de titularidade alguma para disciplinar relações jurídicas nascidas e estabelecidas apenas e unicamente entre o contribuinte beneficiado e o estado concedente.

Outro ponto a ser considerado dada sua relevância é que benefícios concedidos por prazo certo e mediante condição onerosa imposta ao seu beneficiário (níveis mínimos de investimento em planta fabril, máquinas e equipamentos; geração de empregos; contribuições para outros fundos instituídos pelo estado concedente) são protegidos pelo direito adquirido o que impediria sua redução, por qualquer meio, em relação ao que anteriormente celebrado com o estado concedente (CTN, art. 178).

Mais não bastasse, qual a natureza jurídica do fundo instituído pelo Convênio ICMS 31/2016? Se se tratar de contribuição, os estados federativos não detêm competência constitucional para institui-la (CF, arts. 145 e 149, § 1º).

Como se vê, há fundamentos bastante consistentes para questionar no Judiciário a exigência desse depósito, seja em 2016 ou em anos seguintes. Assim como há suporte jurídico para questionar o cancelamento, total ou parcial dos benefícios – e no conceito de parcialidade inclui-se a redução dos benefícios via obrigatoriedade de devolução de 10%. Do mesmo modo, há base jurídica para questionar a revogação unilateral promovida pelo estado concedente nos casos em que o beneficiário se recusar a devolver os 10% agora exigidos, deixando de realizar a devolução aos fundos ora instituídos, por 3 meses.

Obviamente, tudo isso exigirá o rápido socorro do Judiciário já que os estados concedentes, a partir da incorporação à sua legislação interna das regras do Convênio ICMS 31/2016, as aplicará imediatamente.


Franco Advogados Associados

5 de maio de 2016.






terça-feira, 3 de maio de 2016

CONTA CORRENTES DO CONTRIBUINTE JUNTO AOS BANCOS DE DADOS OFICIAIS (RFB, FISCOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS) - ACESSO VIA HABEAS DATA - VIABILIDADE - IMPORTANTE!

INFORMAÇÕES CONSTANTES DO CONTA CORRENTES DO PRÓPRIO CONTRIBUINTE JUNTO À RECEITA FEDERAL (E AOS FISCOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS) – OBTENÇÃO DESSAS INFORMAÇÕES VIA HABEAS DATA



Desde 1997 vige lei federal (9.507/97), cujo artigo 1º, parágrafo único, dispõe considerar-se de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou possam ser transferidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações.

Segundo tal lei o requerimento de informações deve ser apresentado ao órgão ou entidade depositária do registro ou banco de dados e será deferido ou indeferido em 48 horas, cuja decisão será comunicada ao interessado em 24 horas (art. 2º e par. único).

Essa mesma lei disciplina o rito processual do habeas data, mecanismo judicial idealizado para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público, inclusive para retificação de dados, ou para anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável (art. 7º, I a III).

Os processos de habeas data gozam de prioridade nos julgamentos do Poder Judiciário, assegurada assim a celeridade de seu processamento nas instâncias judiciais, cujo prazo para conclusão não pode exceder a 24 horas contadas da distribuição da ação (art. 19 e par. único).

Em 2011 entrou em vigor outra lei (12.527/2011) regulando o acesso a informações previsto no art. 5º, XXXIII da Constituição Federal, segundo cujo dispositivo todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, coletivo ou geral, as quais devem ser prestadas no prazo não superior a 20 dias.

É de conhecimento corrente, no País, de listas da Receita Federal do Brasil da qual constam valores bilionários indevidamente recolhidos por contribuintes, cujos créditos são negociados com os próprios contribuintes interessados, obviamente mediante certa comissão a ser partilhada entre o intermediador e, claro, na outra ponta, aos próprios agentes da RFB donde originadas tais listas.

Por outro lado, incontável número de contribuinte já se deparou com comunicados da RFB dando conta do indeferimento, total ou parcial, de valores compensados via PER-DCOMP. E, quando o fisco discorda dos valores compensados, emite cobrança e exige multa, juros e correção.

Normalmente o fisco se manifesta negando a compensação quando está prestes a exaurir o período prescricional de 5 anos e, nalguns casos, o contribuinte perde o direito sobre o crédito por ter-se operado a prescrição.

Poucos sabem que a lei (11.457/07) que criou a RFB ao fundir a antiga Receita com o INSS estabeleceu prazo de 360 dias contados do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos dos contribuintes para o fisco proferir decisão administrativa (art. 24). Os que conhecem essa obrigação legal que impõe à RFB proferir decisões no prazo máximo de 1 ano têm ido ao Judiciário, com sucesso, exigir o cumprimento desse comando legal. Os que a desconhecem, como dito, muitas vezes perdem o prazo para refazer o PER-DCOMP ante a verificação da prescrição.

Ou seja, quando o contribuinte possui crédito perante a RFB, jamais fica sabendo disso, salvo nos casos em que a existência desses créditos, por vias indiretas e condicionado ao comissionamento, chegam ao seu conhecimento. Quando possui débito em seu conta correntes é cobrado com encargos e, na sequência, executado.

Ocorre que muitas vezes esses débitos tributários assim reconhecidos pela RFB, inclusive por força de negativa de compensação via PER-DCOMP, têm origem em valores retidos na fonte por tomadores de serviços, os quais são compensados pelos prestadores dos serviços em um dado mês, mas são informados pelos tomadores (agentes de retenção na fonte) em outros meses. E, nesses casos, o direito à compensação a que se intitula o prestador dos serviços é legítimo, porém como há descasamento com as informações prestadas pelo tomador, a RFB não reconhece o direito à compensação realizada pelo prestador. Sem poder acessar tais informações, vitais, diretamente do banco da RFB, o contribuinte submete-se passivamente a decisões injustas.

Em outras palavras, imoralidade praticada pela administração pública resultante do absurdo fato de ser sistemática e ilegalmente vedado aos contribuintes interessados acesso ao seu conta correntes e, até mesmo retificá-lo, quando necessário, conforme autorizado pela Lei 9.507/97, art. 7º, I a III.

Quer-se dizer, existe previsão constitucional e duas leis garantindo aos contribuintes acesso às suas próprias informações cadastradas no banco de dados da RFB acerca de seu conta correntes, porém o acesso a elas é sistematicamente negado sob o estranho argumento de que ao fisco não é autorizado disponibilizar informações submetidas ao sigilo fiscal. Ora, todos sabem que essas informações sigilosas são desviadas de dentro da própria RFB e vendidas por camelôs nas ruas deste País, dentre elas, a Santa Ifigênia em São Paulo! Assim como é completamente fora de sentido negar informações sigilosas ao próprio interessado e detentor delas.

Em 17.06.2015 o Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que habeas data é instrumento processual que pode ser utilizado para garantir aos contribuintes acesso ao seu conta correntes de pessoa jurídica (Siconr) junto à RFB.

A decisão foi proferida no âmbito de repercussão geral do STF com a seguinte dicção: “Habeas data é a garantia constitucional adequada para obtenção, pelo cidadão, de dados concernentes ao pagamento de tributos constantes dos sistemas informatizados de apoio à arrecadação dos órgãos fazendários dos entes estatais”. O que vale dizer, é aplicável não apenas contra a RFB, mas também contra Secretarias de Fazenda estaduais e contra Secretarias Municipais.

Baseado naquele precedente do STF um outro contribuinte obteve recente liminar perante a 6ª Vara da Justiça Federal do Paraná (Valor Econômico, 25.04.2016), na qual foi fixado prazo de 10 dias para a RFB apresentar as informações requeridas.

O habeas data, nesse contexto, por sua celeridade, pode até mesmo vir a ser utilizado quando encontra-se em curso ação de execução fiscal contra o contribuinte por permitir-lhe conhecer seu conta correntes e assim demonstrar, em sua defesa, que nada deve ou, no mínimo, que deve montante diferente daquele constante da execução fiscal, caso em que a comprovação nos autos do executivo fiscal, via conta correntes da própria RFB – ou fazenda estadual ou municipal –, dando conta da existência de disparidade entre o valor executado e aquele efetivamente devido autoriza o uso da exceção de pré-executividade para anular a Certidão da Dívida Ativa (CDA), ante a ausência de pressupostos legais para sua validade e exigibilidade, a saber: falta de liquidez e certeza da CDA.

O mais interessante é que como o conta correntes vem carregando saldos de períodos passados, acumulando saldos (débitos e créditos do contribuinte) pode ser que o montante acumulado desses créditos, quando existentes, ultrapassem aos 5 anos (período prescricional). Nesse caso o contribuinte não terá direito a compensação de montantes prescritos, mas poderá, sim, invocar tais créditos para demonstrar e comprovar não ser devedor do montante executado pelo fisco.

Um cuidado especial deve-se ter em relação às compensações tributárias baseadas nas informações sobre o conta correntes prestadas pelo fisco. Nesse caso recomenda-se cautela abstendo-se o contribuinte de realizar compensações administrativas. Deve-se, nesses casos, promover compensações com respaldo judicial, isto é, a partir de ações específicas já que o CTN dispõe somente serem autorizadas compensações fundamentadas em decisões transitadas em julgado (CTN, art. 170-A).

Nesse cenário econômico sombrio atual, deixar de pagar tributo quando existe crédito contra o fisco, defender-se em execução fiscal com base em provas colhidas dentro do banco de dados do fisco ou mesmo poder argumentar e comprovar as alegações na instância administrativa (inclusive no âmbito das compensações via PER-DCOMP) é algo deveras valioso ante a força probatória que essas informações contêm dada a sua origem oficial.


Franco Advogados Associados

03.05.2016.