STF VALIDA O PROTESTO DA CERTIDÃO DA DÍVIDA
ATIVA – O QUE ESPERAR A PARTIR DAÍ?
Por maioria de
votos o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional o protesto da
Certidão da Dívida Ativa (CDA). O que esperar a partir dessa insensatez?
Como se sabe,
todo contribuinte que se torna devedor de tributos poderá, em algum momento, ter
o seu débito transformado em dívida ativa, da qual é extraída uma certidão
(CDA).
A Lei 9.492/1997
que define competência e regula os serviços concernentes ao protesto de títulos
e outros documentos de dívida foi alterada, em 2012, pela Lei 12.767, para
inclusão do parágrafo único ao seu art. 1º, passando a prever, a partir daí, a
inclusão das certidões da dívida ativa da União, Estados e Municípios,
inclusive respectivas autarquias e fundações públicas, dentre os títulos
sujeitos a protesto.
Essa alteração
introduzida na Lei 9.492/97 pela Lei 12.767/12 foi objeto de Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin 5135) proposta pela Confederação Nacional da
Indústria (CNI). O fundamento utilizado pela CNI é que o protesto da CDA era
mais um meio coativo de cobrança da dívida tributária, ou uma sanção política.
A Procuradoria Geral
da Fazenda Nacional (PGFN), por sua vez, insistiu num argumento há muito por
ela utilizado, inclusive pela Fazenda Estadual Paulista, no sentido de que essa
alternativa, protesto extrajudicial, evita o ajuizamento de ações fiscais de
pequeno valor as quais, pelo volume e custo, acarretariam sobrecarga ao
Judiciário (Valor Econômico 10.11.2016). Hummm! Pura balela! A utilização do
protesto administrativo evita mesmo é o custo do processamento da execução
fiscal que, em 2012, apenas para a Fazenda Nacional, era de cerca R$ 5.600,00 (custo
médio) e consumia entre 9 e 10 anos (dados do IPEA disponíveis na internet). E,
também, claro, custas sucumbenciais devidas para os contribuintes no caso de
derrota da Fazenda, hipótese não tão incomum.
Entre março de
2013 e julho de 2016, segundo a PGFN, o protesto evitou o ajuizamento de
aproximadamente 300 mil execuções fiscais e, nesse mesmo período, R$ 1,8 bilhão
foram pagos ou parcelados pelos contribuintes (Valor). Só por evitar o Judiciário,
a Fazenda economizou R$ 1,68 bilhão (R$ 5.600,00 x 300.000 execuções), fora as
possíveis sucumbências decretadas contra ela.
Isso obviamente
soa como música para os ouvidos dos juízes. Menos trabalho é ótimo! Considerando
que segundo o Ministro Luiz Roberto Barroso, hoje 40% dos processos em curso no
País referem-se a execuções fiscais, por isso considera ele oportunas medidas
que possam contribuir para a desjudicialização. Noutro dizer, menos trabalho.
Votaram pela
constitucionalidade do parágrafo único da Lei 9.492/97, o relator Ministro Luiz
Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Carmen
Lúcia e Celso de Mello. Votaram contra, Edson Fachin, Marco Aurélio, e Ricardo
Lewandowski. Este último alertou sobre a discrepância dessa decisão com relação
aos posicionamentos anteriores da Suprema Corte já que ali sempre defendeu-se a
inconstitucionalidade no compelir o
contribuinte a pagar tributos sem o devido processo legal, por se tratar isto de
sanção política. Para ele, o protesto fragiliza o direito à ampla defesa e ao
contraditório. O protesto causa inúmeros constrangimentos, concluiu.
Para o Relator, Ministro
Luiz Roberto Barroso, o protesto é eficaz e menos invasivo do que a execução
fiscal com penhora de bens. E acrescentou que a jurisprudência do Supremo
considera sanção política as situações em que a atuação do poder público para
cobrança do tributo impede a atuação da empresa, como a apreensão de
equipamentos, negativa de emissão de selo, entre outros.
Segundo ele, o
protesto não interfere na possibilidade de a empresa operar normalmente. E Celso
de Mello concluiu que, com o protesto, evita-se a adoção de procedimentos mais
gravosos.
Ao final do
julgamento foi anunciada pelo STF a seguinte tese: “O protesto de CDA constitui mecanismo constitucional e legítimo por
não restringir de forma desproporcional qualquer direito constitucional
garantido aos contribuintes e assim não constitui sanção política.”
Vejamos alguns
precedentes sombrios: quando a Emenda Constitucional 3/1993 veio instituir a
denominada substituição tributária para a frente autorizando que o
contribuinte, geralmente industrial ou importador, assumisse a responsabilidade
pelo pagamento do imposto ou contribuição cujo fato gerador ocorreria
posteriormente, ou seja, responsabilidade por todo o ciclo econômico que adviria
dali em diante (Constituição Federal, art. 150, § 7º), essa excrescência que
desnaturou completamente a essência do ICMS também foi levada à apreciação do Supremo
Tribunal, o qual julgou-a constitucional (Adin 1.851-4/AL). Deu no que deu. A
promiscuidade se instalou. Os estados passaram a abusar da substituição
tributária tornando as atividades dos contribuintes inadministráveis, não
apenas por impor excessivo trabalho, controle administrativo e do imposto, como
também pela distorção criada na administração dos preços, retirando-lhes, em
muitos casos a sua competitividade.
A condição
imposta pelo STF para validar a constitucionalidade da substituição tributária era
que o contribuinte tivesse assegurada a efetiva restituição do valor no caso de
recolhimento a maior. Essa condição não foi respeitada pelos estados, gerando
nova discussão judicial, agora resolvida, em termos!, pelo STF (RE 593849, de
18.10.2016), cuja decisão deu-se no âmbito de repercussão geral. Ocorre que,
embora as legislações dos estados de São Paulo e Pernambuco, invocadas nesse
julgado como bons exemplos a comprovar que a restituição é viável porque já
praticada, pelo menos no que concerne ao estado de São Paulo, este cria todo o
tipo de obstáculo para permitir ao contribuinte consumar dita restituição. Ou
seja, a restituição existe formalmente na lei, porém sem aplicação prática!
Esse é um exemplo
eloquente do profundo abismo que separa as decisões do STF da realidade econômico-financeira
dos contribuintes. Outro exemplo grotesco foi o reconhecimento, pelo STF, da
constitucionalidade da exigência de 11% retido na fonte a título de
contribuição previdenciária (Lei 9.711/1998). Há contribuintes que acumulam por
anos a fio restituições que nunca foram feitas. Como prevíamos à época, a
Previdência Social utilizaria essas retenções para se financiar com recursos
dos contribuintes. Dito e feito.
Curioso notar que
a Fazenda Nacional, na defesa das ilegalidades e inconstitucionalidades das
legislações combatidas pelos contribuintes, para sensibilizar os ministros da Suprema Corte
sobre os efeitos deletérios de suas possíveis decisões contrárias aos
interesses fazendários sempre invocam o impacto financeiro que tais decisões provocarão
no caixa do tesouro. Equivale isto a advogar a seguinte lógica: Senhores
ministros, sabemos que a lei é ilegal e inconstitucional, mas se a decisão for
desfavorável, impactará o tesouro em tantos bilhões de reais! Ou seja, um passe
livre para institucionalizar o direito de o Estado roubar recursos do
contribuinte com a chancela do Supremo.
No caso concreto
aqui analisado, chamam a atenção os seguintes pontos:
1º. Afirmar, como o faz a PGFN, que o protesto
da CDA evita o ajuizamento de ações fiscais de pequeno valor pode ser verdade,
por ora. Agora que o STF liberou essa aberração, fica aberta a porteira para o
protesto de qualquer valor. Ou seja, a promiscuidade vai se estabelecer na aplicação
de mais esse mecanismo autorizado à Fazenda Pública;
2º. Afirmar, o Ministro Barroso, que hoje 40%
dos processos em curso no País referem-se a execuções fiscais, de modo que o
protesto vai contribuir para a desjudicialização, é outro mito que precisa ser
enfrentado com a seguinte lógica: a questão que vem antes de tudo é, por que há
tantas execuções fiscais? E a resposta é óbvia: a carga tributária impagável
força a inadimplência do contribuinte. Portanto, se há algo a ser feito para
reduzir a inadimplência do contribuinte, a solução passa pela redução da carga
tributária. Prova disso está no fato de que os contribuintes trabalham até
maio, 5 meses do ano, para pagar tributo para os fiscos federal, estaduais e
municipais. Somente a partir daí é que começam a gerar receita para pagar seus
custos com insumos, salários, despesas, etc. e, se sobrar, poder disponibilizar
aos sócios que arriscam seus patrimônios, algum lucro;
3º. Os Ministros Luiz Barroso e Celso de Mello
vivem num mundo irreal ao afirmar, o primeiro, que o protesto é eficaz e menos
invasivo do que a execução fiscal com penhora de bens e que o protesto não
interfere na possibilidade de a empresa operar normalmente; e, o segundo, ao
afirmar que com o protesto evita-se a adoção de procedimentos mais gravosos.
Ora, ao retirar da empresa, com o protesto, todo o seu acesso ao crédito, ela
passa a ser obrigada a pagar aos seus credores à vista. Quem é que dispõe de
capital de giro para pagar seus fornecedores à vista? Existe mecanismo mais
gravoso para cobrar o crédito do que o protesto, cujo dano ao capital de giro é
imediato?
O Superior
Tribunal de Justiça vem, há anos, corroborado pelo STF, se posicionando no
sentido de que a execução fiscal deve observar o princípio da menor onerosidade
e menor gravosidade para o executado.
Suponha-se uma
situação, que doravante ocorrerá aos borbotões e que deixará marcas indeléveis
na vida das empresas, levando-as verdadeiramente à morte: a empresa é
protestada e não tem dinheiro para pagar a dívida que lhe é cobrada. Embargar a
execução não pode não apenas por não possuir bens para oferecer à penhora, como
também porque o protesto substituirá a execução, conforme propalado pela PGFN. Logo,
inexistente execução, não há instrumento processual para se defender. Oferecer
exceção de pré-executividade – alternativa comumente utilizada quando a empresa
possui razoável argumento de defesa mas não possui patrimônio para oferecer à
penhora ou simplesmente não quer ter seu patrimônio indisponível por anos a fio –,
também não pode pela mesma razão de não ter sido contra ela iniciada a
execução.
O que fazer
então? Interpor medida cautelar de sustação de protesto? E se o juiz exigir
dela garantia para sustar o protesto? Novamente, nada poderá fazer. Ou seja, o
protesto peremptoriamente subtrai do contribuinte o seu amplo direito de defesa
e contraditório, ambos princípios assegurados pela Constituição Federal (art.
5º, LV). Além do que, por retirar da empresa o acesso ao crédito, a induz à
inevitável quebra.
Pior dos mundos
se se considerar que os profissionais do Direito comumente se deparam com CDA’s
que não desfrutam de liquidez e certeza, pressuposto básico de qualquer CDA
para gozar da qualidade de título executivo.
Quando um
fornecedor pretende tirar protesto contra seu cliente, é dele exigido que prove
a entrega do bem ou a prestação do serviço. No âmbito de disputa tributária, a
CDA goza de presunção de liquidez e certeza porque extraída por um agente
público, cujos atos por ele praticados desfrutam do princípio da veracidade, ou
seja, é ato válido que só poderá ser contrariado por prova a ser produzida pelo
contribuinte. Se no contencioso (execução fiscal), poderá opor-se provando a
iliquidez e incerteza da CDA. Já no caso de protesto, só lhe sobra a sustação
de protesto, a qual somente poderá ser interposta se o juiz aceitar a dispensa
da garantia, equivalente ao valor do protesto, a qual tem por finalidade provar a
solvência do devedor.
Supondo que o
juiz aceite a medida cautelar de sustação de protesto sem o oferecimento de
garantia, qual ação principal proporá o contribuinte no prazo de 30 dias? Só
pode ser a anulatória de débito fiscal, na qual terá oportunidade de
desconstituir a certidão da dívida ativa, comprovando sua iliquidez e
incerteza.
Mas e se o título
já tiver sido protestado o contribuinte não poderia, do mesmo modo, ajuizar
anulatória de débito fiscal visando com essa medida desconstituir a CDA? Claro
que sim. Mas aí o estrago creditício do contribuinte já estaria consumado com o protesto,
fadado à ruína.
São essas nuances
da vida empresarial que nossos doutos magistrados, não conseguindo captar por
viverem num mundo divorciado da realidade, primam suas lógicas por vias
tortuosas para concluir pelo que não é ao asseverar, por exemplo, que o
protesto é eficaz e menos invasivo do que a execução fiscal com penhora de
bens. Ora, a garantia exigida para sustar o protesto equivale à penhora já que
em ambos os casos os bens vão permanecer indisponíveis por anos a fio enquanto
a discussão judicial segue seu curso. E, pior ainda, ao afirmar que o protesto
não interfere na possibilidade de a empresa operar normalmente ou que, com o
protesto, evita-se a adoção de procedimentos mais gravosos. O protesto é, em si
mesmo, uma desgraça na vida de qualquer empresa daí porque, quando não consegue
pagar a dívida antes de efetivado, o credor intitula-se a requerer sua falência,
consumada no passo subsequente.
Não bastava a
penhora de bens, penhora de faturamento, arrolamento fiscal, execução e até
mesmo prisão do empresário, agora mais uma loucura referendada pela nossa Suprema
Corte a autorizar a farra das fazendas públicas.
Caro
contribuinte, quando receber de qualquer Fazenda Pública, federal, estadual ou
municipal uma notificação de protesto extrajudicial, fique alerta. Não há tempo
a perder. Entregue-a imediatamente ao seu advogado para que ele conduza as
providências cabíveis no prazo máximo de 48 horas porque o protesto será registrado
no prazo de 3 dias úteis (Lei 9.492, art. 12).
Outra opção é a adesão
ao parcelamento, porém por não ser tão expedita como a cautelar de sustação de
protesto, quando formalizado o parcelamento o protesto já terá sido tirado, impondo prejuízo
por um determinado tempo à imagem creditícia da empresa, além de a adesão ao parcelamento
ser acompanhada da confissão irretratável de dívida, impondo maiores percalços para
alcançar sua desconstituição jurídica.
Franco Advogados
Associados
17.11.2016