SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO – SÓCIOS
OCULTOS RESPONDEM POR DÍVIDAS TRABALHISTAS? NÃO É BEM ASSIM!
Muita calma nessa
hora(!) é a forma coloquial em uso atualmente para expressar o pedido de
ponderação ao interlocutor que esteja com desejo incontido de “explodir” em
fúria ou por medo. É o que se pede agora porque caiu como “bomba” a divulgação,
pela imprensa, de alguns casos julgados pela Justiça do Trabalho, os quais
transformaram-se, na visão dos mais incautos, em regra. Por essa forma minimalista
de verem, ocupar a posição de sócio oculto teria se transformado em risco a ser
evitado! E não é bem assim! Melhor, não é nada assim!
Antes de mais
nada, para aqueles pouco familiarizados, Sociedade em Conta de Participação
(SCP) é uma figura contratual prevista no Código Civil por meio da qual uma
empresa devidamente constituída (sócia ostensiva) pode agregar negócios ou
investimentos dentro de sua estrutura física, jurídica e contábil, mediante
participação de sócios ocultos – ou sócios participantes na dicção do Código
Civil em vigor.
A empresa é a
sócia ostensiva, com sócios e tudo o mais exigido capaz de conferir a ela
personalidade jurídica, a qual emite notas fiscais, recolhe tributos, tem
empregados, etc. Dentro dela, por meio de contrato firmado com terceiros
(pessoas naturais ou jurídicas) agregam-se negócios. Esses terceiros operando
debaixo da sócia ostensiva não são sócios dela. São apenas sócios participantes
vinculados a ela por contrato particular, não por contrato social. Exemplo
comumente visto – mas não limitado a essas situações: incorporadora e
construtora de imóveis (ostensiva) à qual se juntam investidores
(participantes).
Não se tratam de
sócios da sócia ostensiva na acepção conhecida de sujeitos titulares de
direitos e obrigações delas porque não integram seu capital social. Trata-se,
isto sim, de mero contrato de sociedade (vide mais em http://bit.ly/2kn0LGB). Portanto, de regra,
não respondem por obrigações delas, trabalhista, tributária, tampouco ficam
sujeitos aos efeitos de sua falência (Código Civil, art. 996).
Que fique claro,
as dívidas trabalhistas têm sido transferidas para os sócios ocultos apenas nos
casos em que o Judiciário entende ter havido fraude. Quais os tipos de fraudes
sobre os quais a Justiça do Trabalho tem deitado seus olhos? Citamos como exemplo:
o sócio que se retira da sociedade mas continua, na condição de sócio oculto,
responsável legal pela empresa, administrando-a por instrumentos de procuração
pública ou particular.
Num caso concreto
recém divulgado com grande destaque pela imprensa, o empresário que retirou-se
da sociedade em 2007 adquiriu imóvel da empresa e o alugou para ela, fraudando
credores ao retirar imóvel do patrimônio dela. Entretanto, houve prova de que
ele, ainda na condição de sócio participante, prosseguia responsável legal da
empresa com poderes gerais (Valor Econômico, 13.03.2017).
A prova contra o
sócio em questão foi obtida por meio de pesquisa da Justiça do Trabalho ao
Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS), desenvolvido pelo
Banco Central, o qual é utilizado quando não são encontrados bens por outros
meios como Bacen Jud, que permite o bloqueio de contas bancarias, Renajud,
bloqueio de veículos e Infojud, que fornece dados do imposto de renda. Esse
cadastro criado para auxiliar investigações sobre lavagem de dinheiro permite a
localização de titulares de contas bancárias, isto é, representantes das
empresas e seus procuradores.
A partir do
cruzamento de informações do CCS com outros dados fornecidos pelo BC, RFB, e
Juntas Comerciais, a Justiça do Trabalho passou a utilizar tais informações
para bloquear valores de contas bancárias desses “sócios participantes” (assim
mesmo, deliberadamente escrito com aspas).
Donde advém o
risco para os sócios participantes, nesses casos de transferência das
responsabilidades civis e trabalhistas das empresas para eles? Do fato de ter
sido desrespeitada regra básica das SCPs: eles não podem tomar parte em quaisquer
atos praticados pela sócia ostensiva sob pena de responder solidariamente com
ela nas obrigações em que intervierem (Código Civil, art. 993, par. único).
Ora, se nos casos
julgados – atrás comentados – o sócio participante detinha, como noticiado pela
imprensa, poderes de administração da empresa, restou claramente desnaturada a
posição jurídica dele, consoante preconizada pelo Código Civil. Passou da condição
de sócio participante para a de “testa de ferro”.
A propósito
disso, muito oportuno alertar que as procurações outorgadas aos “testas de
ferro” não desfrutam de validade jurídica alguma. A Instrução Normativa 28/2013
do Departamento de Registro e Integração, secundada pelo Provimento 42/2014 do
Conselho Nacional de Justiça, determinou que os Tabelionatos de Notas de todo o
País deveriam, a partir de então, encaminhar às Juntas Comerciais as cópias dos
instrumentos procuratórios que tivessem outorgado a terceiros poderes de administração,
de gerência, ou de movimentação em conta corrente vinculada dos empresários individuais,
das demais sociedades, inclusive das cooperativas (Valor Econômico,
15.03.2017).
Entretanto, a
outorga de poderes de administração, de gerência e de movimentação financeira
das empresas é vedada pela lei por traduzir delegação das funções do
administrador para terceiros (Código Civil, art. 1.018). Administrador ou é
designado no instrumento societário da sociedade, ou é nomeado (e também
destituído) por assembleia com quórum especial, além de dever cumprir
requisitos legais para ser eleito (CC, arts. 1.010, 1.011 e 1.060; Lei 6.404/76,
art. 145 e ss.)
Essas procurações
outorgadas a terceiros para a administração das sociedades não têm valor jurídico
nem mesmo perante as instituições financeiras, as quais prosseguem ilegalmente permitindo
a movimentação de contas, realização de empréstimos, etc. (CC, art. 662). Atenção
especial, aqui, aos proprietários de off-shores constituídas em nome de “testas
de ferro”.
Conferir, por meio
de procurações, poderes de representação da sociedade perante órgãos públicos, contratação
de empregados, emissão e assinatura de cheques isoladamente ou em conjunto, por
exemplo, é uma coisa, autorizada e muito praticada (CC, art. 1.018, parte
final), inclusive sua revogação depende apenas do registro da renúncia (CC,
art. 682, I). Muito diversa é a conferência de poderes gerais para administração
da sociedade (CC, art. 661), a qual só ocorre por alteração do Contrato Social
ou por meio de Assembleia Geral, conforme já dito atrás.
Muito cuidado!
Este é o alerta endereçado para aqueles que, inadvertidamente, recebem poderes procuratórios
gerais e assumem, sem o saber, responsabilidades pessoais garantidas por seus
bens pessoais, alerta este não limitado aos sócios participantes de SCPs mas a
todos os demais, inclusive porque a RFB vem utilizando softwares desenhados com
algoritmos poderosos capazes de cruzar grande volume de informações obtidas nas
redes sociais para checar o patrimônio daqueles que declaram não o possuir, mas
o ostenta nessas redes sociais.
São Paulo, 22 de março de
2017.
Franco Advogados
Associados
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