quarta-feira, 22 de março de 2017

SOCIEDADES EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO - SÓCIOS OCULTOS RESPONDEM POR DÍVIDAS TRABALHISTAS OU OUTRAS? NÃO É BEM ASSIM!

SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO – SÓCIOS OCULTOS RESPONDEM POR DÍVIDAS TRABALHISTAS? NÃO É BEM ASSIM!


Muita calma nessa hora(!) é a forma coloquial em uso atualmente para expressar o pedido de ponderação ao interlocutor que esteja com desejo incontido de “explodir” em fúria ou por medo. É o que se pede agora porque caiu como “bomba” a divulgação, pela imprensa, de alguns casos julgados pela Justiça do Trabalho, os quais transformaram-se, na visão dos mais incautos, em regra. Por essa forma minimalista de verem, ocupar a posição de sócio oculto teria se transformado em risco a ser evitado! E não é bem assim! Melhor, não é nada assim!

Antes de mais nada, para aqueles pouco familiarizados, Sociedade em Conta de Participação (SCP) é uma figura contratual prevista no Código Civil por meio da qual uma empresa devidamente constituída (sócia ostensiva) pode agregar negócios ou investimentos dentro de sua estrutura física, jurídica e contábil, mediante participação de sócios ocultos – ou sócios participantes na dicção do Código Civil em vigor.

A empresa é a sócia ostensiva, com sócios e tudo o mais exigido capaz de conferir a ela personalidade jurídica, a qual emite notas fiscais, recolhe tributos, tem empregados, etc. Dentro dela, por meio de contrato firmado com terceiros (pessoas naturais ou jurídicas) agregam-se negócios. Esses terceiros operando debaixo da sócia ostensiva não são sócios dela. São apenas sócios participantes vinculados a ela por contrato particular, não por contrato social. Exemplo comumente visto – mas não limitado a essas situações: incorporadora e construtora de imóveis (ostensiva) à qual se juntam investidores (participantes).

Não se tratam de sócios da sócia ostensiva na acepção conhecida de sujeitos titulares de direitos e obrigações delas porque não integram seu capital social. Trata-se, isto sim, de mero contrato de sociedade (vide mais em http://bit.ly/2kn0LGB). Portanto, de regra, não respondem por obrigações delas, trabalhista, tributária, tampouco ficam sujeitos aos efeitos de sua falência (Código Civil, art. 996).

Que fique claro, as dívidas trabalhistas têm sido transferidas para os sócios ocultos apenas nos casos em que o Judiciário entende ter havido fraude. Quais os tipos de fraudes sobre os quais a Justiça do Trabalho tem deitado seus olhos? Citamos como exemplo: o sócio que se retira da sociedade mas continua, na condição de sócio oculto, responsável legal pela empresa, administrando-a por instrumentos de procuração pública ou particular.

Num caso concreto recém divulgado com grande destaque pela imprensa, o empresário que retirou-se da sociedade em 2007 adquiriu imóvel da empresa e o alugou para ela, fraudando credores ao retirar imóvel do patrimônio dela. Entretanto, houve prova de que ele, ainda na condição de sócio participante, prosseguia responsável legal da empresa com poderes gerais (Valor Econômico, 13.03.2017).

A prova contra o sócio em questão foi obtida por meio de pesquisa da Justiça do Trabalho ao Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS), desenvolvido pelo Banco Central, o qual é utilizado quando não são encontrados bens por outros meios como Bacen Jud, que permite o bloqueio de contas bancarias, Renajud, bloqueio de veículos e Infojud, que fornece dados do imposto de renda. Esse cadastro criado para auxiliar investigações sobre lavagem de dinheiro permite a localização de titulares de contas bancárias, isto é, representantes das empresas e seus procuradores.

A partir do cruzamento de informações do CCS com outros dados fornecidos pelo BC, RFB, e Juntas Comerciais, a Justiça do Trabalho passou a utilizar tais informações para bloquear valores de contas bancárias desses “sócios participantes” (assim mesmo, deliberadamente escrito com aspas).

Donde advém o risco para os sócios participantes, nesses casos de transferência das responsabilidades civis e trabalhistas das empresas para eles? Do fato de ter sido desrespeitada regra básica das SCPs: eles não podem tomar parte em quaisquer atos praticados pela sócia ostensiva sob pena de responder solidariamente com ela nas obrigações em que intervierem (Código Civil, art. 993, par. único).

Ora, se nos casos julgados – atrás comentados – o sócio participante detinha, como noticiado pela imprensa, poderes de administração da empresa, restou claramente desnaturada a posição jurídica dele, consoante preconizada pelo Código Civil. Passou da condição de sócio participante para a de “testa de ferro”.

A propósito disso, muito oportuno alertar que as procurações outorgadas aos “testas de ferro” não desfrutam de validade jurídica alguma. A Instrução Normativa 28/2013 do Departamento de Registro e Integração, secundada pelo Provimento 42/2014 do Conselho Nacional de Justiça, determinou que os Tabelionatos de Notas de todo o País deveriam, a partir de então, encaminhar às Juntas Comerciais as cópias dos instrumentos procuratórios que tivessem outorgado a terceiros poderes de administração, de gerência, ou de movimentação em conta corrente vinculada dos empresários individuais, das demais sociedades, inclusive das cooperativas (Valor Econômico, 15.03.2017).

Entretanto, a outorga de poderes de administração, de gerência e de movimentação financeira das empresas é vedada pela lei por traduzir delegação das funções do administrador para terceiros (Código Civil, art. 1.018). Administrador ou é designado no instrumento societário da sociedade, ou é nomeado (e também destituído) por assembleia com quórum especial, além de dever cumprir requisitos legais para ser eleito (CC, arts. 1.010, 1.011 e 1.060; Lei 6.404/76, art. 145 e ss.)

Essas procurações outorgadas a terceiros para a administração das sociedades não têm valor jurídico nem mesmo perante as instituições financeiras, as quais prosseguem ilegalmente permitindo a movimentação de contas, realização de empréstimos, etc. (CC, art. 662). Atenção especial, aqui, aos proprietários de off-shores constituídas em nome de “testas de ferro”.

Conferir, por meio de procurações, poderes de representação da sociedade perante órgãos públicos, contratação de empregados, emissão e assinatura de cheques isoladamente ou em conjunto, por exemplo, é uma coisa, autorizada e muito praticada (CC, art. 1.018, parte final), inclusive sua revogação depende apenas do registro da renúncia (CC, art. 682, I). Muito diversa é a conferência de poderes gerais para administração da sociedade (CC, art. 661), a qual só ocorre por alteração do Contrato Social ou por meio de Assembleia Geral, conforme já dito atrás.

Muito cuidado! Este é o alerta endereçado para aqueles que, inadvertidamente, recebem poderes procuratórios gerais e assumem, sem o saber, responsabilidades pessoais garantidas por seus bens pessoais, alerta este não limitado aos sócios participantes de SCPs mas a todos os demais, inclusive porque a RFB vem utilizando softwares desenhados com algoritmos poderosos capazes de cruzar grande volume de informações obtidas nas redes sociais para checar o patrimônio daqueles que declaram não o possuir, mas o ostenta nessas redes sociais.


São Paulo, 22 de março de 2017.

Franco Advogados Associados















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