terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

BLOQUEIO ADMINISTRATIVO DE BENS DO CONTRIBUINTE DEVEDOR (PF E PJ) E DAÇÃO EM PAGAMENTO





PORTARIA PGFN 33/2018  - AVERBAÇÃO PRÉ-EXECUTÓRIA

Após inscrição do débito tributário federal na Dívida Ativa o contribuinte é notificado em até 5 dias para pagar ou parcelar e até em 10 dias para oferecer bens em garantia da execução fiscal, ou apresentar Pedido de Revisão de Dívida Inscrita (PRDI) (Portaria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional 33/2018, art. 6º, incisos I e II e alíneas).

Esgotados esses prazos e não adotada qualquer medida por parte do contribuinte, a PGFN poderá, dentre outras providências: comunicar a inscrição em Dívida Ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito;  e, também, averbar a CDA perante os órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, para fins de averbação pré-executória (Portaria PGFN 33/2018, art. 7º III). Sobre isto, vide comentários à Lei 13.606/2018 em http://bit.ly/2G8BtDi.

A averbação pré-executória funcionará assim (Portaria PGFN 33/2018, arts. 21 a 24):

a)     O débito inscrito em Dívida Ativa é averbado perante os órgãos de registros de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora (Detran, Cartório de Registro de Imóveis, INPI relativamente a marcas e patentes registradas e desde que contabilizadas no ativo não circulante), fundos de investimentos, embarcações, aeronaves e veículos. O objetivo, segundo a PGFN, é prever a fraude à execução mediante esvaziamento patrimonial com a finalidade de frustrar a cobrança;
NOTA:
Como dentre os órgãos registradores perante os quais a averbação pré-executória poderá ser realizada não se encontram nem Junta Comercial, tampouco Cartórios de Pessoas Jurídicas, é de se concluir que um grande risco antevisto pelos contribuintes não existirá: a averbação de ações e quotas de capital. Porém, quotas e ações prosseguem sendo penhoradas (art. 37, § 2º), assim como o faturamento (art. 38).
b)    A averbação poderá ser impugnada pelo contribuinte, inclusive quanto ao seu excesso em relação à dívida reclamada pela PGFN;
c)     Não estão sujeitos à averbação os bens e direitos de empresa com falência decretada ou recuperação judicial (RJ) deferida, o que sugere a adoção dessa alternativa (RJ) sempre que a empresa entrever riscos patrimoniais e essa solução se apresentar como mais atrativa.

O contribuinte poderá impugnar a averbação pré-executória (arts. 25 e 26) no prazo de 10 dias  diretamente via e-CAC da PGFN, alegando que o bem averbado é impenhorável, excesso de averbação (nesse caso, mediante laudo de avaliação) ou indicar outros bens ou direitos, inclusive de terceiros ou, ainda, a mudança de titularidade do bem ou direito antes da inscrição na Dívida Ativa ou que reservou patrimônio suficiente para garantia da dívida.

A impugnação será apreciada no prazo de 30 dias após seu protocolo no e-CAC da PGFN (art. 28, § 1º). Não apresentada impugnação ou rejeitada, a execução fiscal será encaminhada para ajuizamento no prazo de 30 dias após findo o prazo para impugnação ou da ciência de sua rejeição, quando então a pré-averbação será convertida em penhora (art. 30).
NOTA:
Se a petição inicial da Execução Fiscal não for encaminhada ao Judiciário nesse prazo, a averbação pré-executória será levantada pela PGFN, isto é, tornada sem efeito (art. 30, par. único).

Nos termos da referida Portaria, o ajuizamento de execuções fiscais fica condicionado à localização de indícios de bens, direitos ou atividade econômica do devedor ou corresponsável, desde que úteis à satisfação integral ou parcial do débito do executado, sendo considerado inútil o bem ou direito de difícil alienação, sem valor comercial ou de valor irrisório, bem como indícios de atividade econômica inexpressiva (art. 33).

Na petição inicial de Execução Fiscal a PGFN requererá a indisponibilidade de ativos financeiros quando não houver Oferta Antecipada de Bens à Penhora e identificados indícios da existência de atividade econômica do devedor ou corresponsável (art. 36, § 4º), podendo ser requerida a penhora de saldos em conta corrente, aplicações financeiras de renda fixa e variável, aplicações em moeda estrangeira, planos de previdência privada, consórcios e demais ativos financeiros (art. 37, I).

A Portaria PGFN 33/2018 só produzirá efeitos a partir de 09.06.2018, não afetando os contribuintes que têm débitos inscritos ou serão inscritos na Dívida Ativa até referida data.

Em suma, a averbação pré-executória não é penhora. Mas os bens já terão suas transações bloqueadas. Poderá ser convertida em penhora no prazo de 30 dias da averbação de modo que se a PGFN não o fizer nesse prazo, o contribuinte poderá, administrativamente via PRDI ou, judicialmente, requerer o seu cancelamento.

Dado que a comunicação da penhora pré-executória se dará por e-mail ou carta, que se presumirá recebida em 15 dias, chama-se a atenção para a importância de o contribuinte estar alerta porque findo o prazo de apresentação do PRDI, a única alternativa remanescente será a apresentação de defesa pela via judicial. Enquanto isto os bens já estarão bloqueados.

Com a previsão de que a PGFN somente ajuizará Execução Fiscal quando o devedor tiver bens penhoráveis – o que a Portaria 33/2018 denomina Ajuizamento Seletivo ou Condicionado de Execuções Fiscais (art. 33), que terá lugar somente após Procedimento para Localização de Bens e Direitos (arts. 34 e 35), isto deverá  reduzir substancialmente a quantidade de Execuções Fiscais propostas perante o Judiciário e, por consequência, as condenações a que a PGFN vem sendo submetida por promover execuções muitas vezes sem um mínimo de fundamento jurídico (http://bit.ly/2G8BtDi).

Atenção especial deve ser recomendada aos contribuintes no que se refere à sua defesa judicial: entendemos que, nesses casos, desde que a integralidade do crédito pretendido pela Fazenda Pública esteja assegurado pelo contribuinte por força da Averbação Pré-Executória, devem ser propostos Embargos à Execução Fiscal ao invés de Exceção de Pré-Executividade. E isso no prazo de 30 dias após a citação judicial.

Imperativo analisar cada caso concreto isoladamente porque é possível que em muitos casos o PRDI seja aconselhável. Principalmente porque o contraditório muito usualmente utilizado, já na instância judicial como fundamento da Exceção de Pré-Executividade, poderá e deverá ser utilizado na instância administrativa por meio do PRDI.

O problema ocorrerá quando os bens averbados estavam na iminência de ser alienados. Nesse caso parece recomendável a utilização do Mandado de Segurança. O MS é também indicado quando o contribuinte, com seus bens averbados, entender urgente a baixa do protesto contra si tirado pela Fazenda Pública e, também, baixa de seu nome do CADIN.

Ao contribuinte também é facultado oferecer bens (Oferta Antecipada de Garantia em Execução Fiscal – art. 8º a 14), caso em que poderá oferecer bens imóveis, por exemplo. Na prática a Oferta Antecipada e a Averbação Pré-Executória vão substituir a Ação Cautelar Fiscal (Lei 8.397/1992 alterada pela Lei 9.532/1997, arts. 1º e 2º), com a vantagem de tornar desnecessária prévia providência judicial.

PORTARIA PGFN 32/2018 – DAÇÃO EM PAGAMENTO

Uma liminar do TRF-1 (DF) serve como precedente para a prática da dação em pagamento, embora o tema esteja agora disciplinado pela Portaria PGFN 32/2018 e tenha fundamento na Lei 13.313/2016, que alterou a Lei 13.259/2016.

No apontado precedente o contribuinte tinha débito de R$ 17 milhões e pretendia oferecer imóveis avaliados em R$ 20 milhões em dação em pagamento. O magistrado determinou à Fazenda Nacional o prazo de 90 dias para novo exame do pedido administrativo de dação em pagamento feito pela empresa, impedida de negá-lo sem motivo objetivo e claro. Entretanto o juízo em questão condicionou a aceitação do imóvel a critério do credor, somente após o que, aceito, seria suspensa a exigibilidade do crédito tributário (Lei 13.259/2016, art. 4º).

A vantagem da dação em pagamento, pelo contribuinte, reside no fato de que o imóvel dado em pagamento é avaliado pelo valor de mercado. Se, na Execução Fiscal for a leilão, normalmente é negociado por valor bem inferior ao que efetivamente vale.

Como nem todos os imóveis ofertados em pagamento serão automaticamente aceitos pela PGFN, senão aqueles que interessarem à União, os órgãos federais interessados terão acesso ao site na internet onde registradas as intenções de oferta feitas pelos contribuintes (Portaria, art. 10).

Esse portal na internet que receberá os imóveis oferecidos pelos contribuintes está sendo prometido para junho de 2018.

Há um problema na Portaria 32/2018 (art. 3º, § 3º) que deverá gerar muita discussão no Judiciário, por configurar, pela União, a prática de enriquecimento ilícito. É que se o valor do bem for superior ao da dívida, o contribuinte deverá renunciar expressamente, em escritura pública, ao ressarcimento de qualquer diferença! A Fazenda Nacional veio a público explicar que isso se deve a questões orçamentárias que restringem o desembolso de receita pública para aquisição de bens em valor superior à dívida (Valor Econômico, 16/02/2018). Que seja resolvido de outro modo, dentre eles, através de conta-correntes do contribuinte junto à RFB.

Como é que a Fazenda Nacional se permite a prática de algo tão abjeto, desleal, ilegal e inconstitucional, é algo que chama muito a atenção de qualquer um. Nem precisa ser advogado para vislumbrar a magnitude desse disparate, que pode muito bem atender pelo qualificativo de roubo institucional.

Por outro lado, os contribuintes devem estar atentos para o fato de que se o imóvel ofertado em dação em pagamento à União tiver valor de avaliação superior ao contábil e for por esse montante aceito, isto deverá gerar ganho de capital tributável pelo IRPJ/CSLL. Trata-se de um custo (34%) a ser considerado na equação custo x benefício por ocasião da opção por essa alternativa.


CONSIDERAÇÕES GERAIS

Inobstante a regulamentação da Lei 13.606/2018 pela Portaria PGFN 33/2018, os contribuintes prosseguem indo ao Judiciário insurgindo-se contra as novas regras por entendê-las ilegais e inconstitucionais. Citamos como exemplo liminar proferida no âmbito do MS 5001250-64.2018.4.03.6100 pelo TRF-3 (SP). Diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn) contra o bloqueio administrativo de bens e direito já foram protocoladas no STF – elas estão sob relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello.

A propósito, o CTN, art. 185-A, autoriza a indisponibilidade de bens, porém após decretada a ordem judicial na hipótese de não serem encontrados bens após citação do devedor. O que a Lei 13.606/2018 e Portaria PGFN 33/2018 fizeram foi promover a indisponibilidade por ato administrativo da própria Fazenda exequente.

Muita água deverá rolar debaixo dessa ponte até que definido exatamente até onde a Fazenda Nacional pode arbitrar conflitos  – porque antecedentemente à fase judicial –, sendo ela parte interessada no seu resultado.



Franco Advogados Associados


27 de fevereiro de 2018















quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

DIREITO DE DESCONTAR CRÉDITOS DE PIS/COFINS SOBRE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS BAIXADOS OU ALIENADOS A QUALQUER TÍTULO




I – PRECEDENTES

A – SOLUÇÃO DE CONSULTA 172/2012

Utilizando um raciocínio jurídico muito bem fundamentado, com todo o respeito, singular para fiscais da RFB, muitos dos quais não têm formação jurídica, vale à pena a leitura da íntegra da Solução de Consulta DISIT (SC) 172/2012 da 9ª Região Fiscal.

Nela o agente fiscal consultor expressa o seu entendimento de que no caso específico de máquinas e equipamentos em que o contribuinte tenha optado pela depreciação à razão de 1/48 ao mês, admitida pela IN 457/2002, art. 1º, § 2º, I, o direito à tomada de crédito de PIS/COFINS se estenderia no tempo mesmo após referidos bens terem sido revendidos antes da utilização das 48 parcelas mensais.

O fundamento invocado por ele se assenta na seguinte lógica: por força do disposto na Lei 11.774/2008 com modificações introduzidas pela Lei 12.546/2011, art. 1º, XII, desde julho de 2012 o contribuinte sujeito à não-cumulatividade do PIS/COFINS que tenha adquirido máquinas e equipamentos no mercado interno, destinados à produção de bens ou à prestação de serviços (excetuadas as locações para terceiros), pode descontar créditos calculados sobre o custo de aquisição em parcela única.

Sendo assim, poderá descontar integralmente os créditos legalmente admitidos, ainda que venha a revender o bem no mês seguinte ao da aquisição.

Segundo o arrazoado utilizado, ao atribuir ao contribuinte a opção de substituir o critério de “encargos de depreciação” por “valor de aquisição”, conclui que o objetivo teria sido permitir o crédito sobre a totalidade do valor pago como forma de concretizar a não cumulatividade das contribuições, já que estas incidiriam sobre o valor total pago na aquisição. É dizer, se o contribuinte pagou a totalidade das contribuições quando adquiriu o bem, faz jus ao crédito sobre essa totalidade, embora de forma parcelada, mês a mês.

Isso seria um estímulo ao investimento em bens de produção, não valendo entretanto para veículos, por exemplo.

B – SOLUÇÃO DE DIVERGÊNCIA 6/2016

Todavia, veio a Solução de Divergência COSIT (SD) 6/2016 vedar a apuração de crédito após a alienação do bem, dado cessar, a partir daí, o aproveitamento econômico do bem na locação a terceiros, na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços, bem como inexistir a possibilidade de depreciação de um bem após sua efetiva alienação.

Esta reformou, expressamente, a Solução de Consulta DISIT 172/2012 no que tange à possibilidade de créditos após a alienação do bem.

O entendimento fiscal foi no sentido de que as normas gerais da Lei 10.833, art. 3º, VI e da Lei 10.637, devem ser aplicadas conjuntamente com as regras específicas estabelecidas pelo art. 3º, § 14, da Lei 10.833, ou seja, os bens devem ser utilizados na locação a terceiros, na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços, para que possam gerar direito de creditamento. Daí porque, com a alienação do bem encerra-se o seu aproveitamento econômico pela empresa alienante, o que inviabiliza a apuração de créditos em relação ao bem alienado.

Ademais, o que fundamentaria o direito de apropriar crédito, por esse entendimento fiscal, seria a apuração do crédito de depreciação dos bens produtivos, não se podendo falar em depreciação ou amortização de um bem após sua alienação.

A leitura da íntegra de ambas as manifestações fiscais permite entrever que a discrepância se dá no âmbito de conceitos e análises muita limitados na SD 6/2016, comparativamente àqueles fundamentadores da SC 172/2012, esta juridicamente sustentável porque amparada em lei mais recente, tese ignorada na SD 6/2016.

C – SOLUÇÃO DE CONSULTA 99081/2017

Na sequência veio a Solução de Consulta COSIT (SC) 99081/2017, vinculada à SD 6/2016, reiterar a vedação após a alienação do bem ou qualquer outra forma de baixa do ativo imobilizado, dado inocorrer o seu aproveitamento econômico na forma de locação a terceiros, na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços, bem como não haver possibilidade de depreciação de um bem após sua efetiva baixa do imobilizado.

Objeto do dissenso interpretativo fiscal, no caso, cinge-se no determinar se a legislação fiscal permitiu ao contribuinte calcular créditos sobre o valor de aquisição das máquinas/equipamentos ou determinou calcular créditos apenas sobre os encargos de depreciação, sem qualquer direito à opção. E se, no caso de opção pelo valor de aquisição, tal direito cessaria com a baixa do bem a qualquer título, ou não.

II – DESDOBRAMENTO NO JUDICIÁRIO

Recentemente uma empresa obteve liminar concedida pela 28ª Vara da Justiça Federal (RJ) – MS 0215025-07.2017.4.02.5101), compelindo a RFB a preservar até 31/07/2017 – antes da SC 99081, publicada no DOU de 28/06/2017 –, a possibilidade de uso de créditos de PIS/COFINS sobre bens integralizados ao seu ativo imobilizado, autorizando-a a aproveitar créditos de 9,25%, em 48 meses.

O argumento utilizado pelo contribuinte foi no sentido de ter sido surpreendida pelo novo entendimento da RFB, posto ter fundamentado a apropriação de créditos com esteio na SC 172/2012. Confrontou, na ação, o entendimento exarado na SC 172/2012, versus SC 99081/2017.

O magistrado acatou a tese de que, de fato, o contribuinte não pode ser surpreendido com a mudança abrupta de interpretação da legislação, ainda mais quando resulta em inibição ao direito de creditamento de tributo sujeito à não-cumulatividade.

III – EFEITOS GERAIS PARA TODOS OS CONTRIBUINTES

Esse tema é muito importante porque com a mudança de entendimento veiculado pelas SD 6/2016 e SC 99081/2017, os contribuintes que venham, com suporte na SC 172/2012, aproveitando crédito de PIS/COFINS sobre o valor de aquisição de máquinas e equipamentos, mesmo que legalmente autorizados como concretamente ocorre, estarão sujeitos à autuação fiscal.

IV – TESE JURÍDICA FUNDAMENTO

Em nosso entendimento a leitura das manifestações fiscais aqui comentadas já fornece todos os elementos para os contribuintes irem ao judiciário não apenas para assegurar seu direito de tomar crédito de PIS/COFINS desde julho/2012 sobre máquinas e equipamentos baixados ou alienados a qualquer título, desde que tenham feito a opção pela apropriação de crédito pelo critério de rateio na base de 1/48 mês calculado sobre o valor da aquisição, ao invés de calculado sobre a taxa de depreciação, como, ainda, não ser autuado pelo fisco a partir de julho/2017 quando foi publicada a SC 99081/2017 – ou, até mesmo antes disto, julho/2016, já que a revisão do entendimento favorável aos contribuintes, pela SD 6, foi publicado no DOU em 29/06/2016.

Afinal, nos termos da legislação apontada na SC 172/2012, o ponto central em torno do qual cinge a controvérsia é: o direito de descontar crédito deriva do valor pago na aquisição das máquinas/equipamentos e não exclusivamente do direito de apropriar quotas de depreciação sobre os tais bens. Aliás, essa distinção consta da própria IN 457/2004, art. 1º, § 2º c/c art. 2º, II, estribada no art. 3º, § 14 da Lei 10.833/03, onde consta expresso tal direito, à opção do contribuinte, incidente sobre o valor de aquisição dos bens.

A questão foi pacificada com a Lei 12.546/2011 porque, se a partir de julho/2012 o contribuinte tem direito de tomar crédito imediatamente, ou seja, em parcela única no caso de aquisições a partir daquela data, esse direito preexiste no caso da revenda no mês seguinte ao da aquisição. Logo, também pode prosseguir promovendo o creditamento no caso de apropriação à razão de 1/48 mês.

Há anos vimos consolidando nossa convicção de que o fisco rejeita interpretações internas juridicamente lúcidas todas as vezes que disso resulte redução na sua arrecadação. Por outro, é pródigo em criar situações que forçam o contribuinte a buscar o judiciário. Aí vem o judiciário alegar que o contribuinte brasileiro, por sua índole essencialmente litigante, entulha os seus escaninhos de ações desnecessárias! Está aí a prova de quem, por desconsiderar a lealdade e boa-fé, provoca esse estádio de eterna litigiosidade e, claro, insegurança. Portanto, desinvestimento e obliteração na geração de riqueza, imprescindível ao desenvolvimento do País.

As presentes considerações complementam nossa matéria anteriormente divulgada sob o título: Critérios Jurídicos para Apropriação de Créditos de Pis/Cofins – Parecer (http://bit.ly/2x1wfVd).

Franco Advogados Associados

21 de fevereiro de 2018

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

ADESÃO A PROGRAMAS DE PARCELAMENTO – CONFISSÃO IRREVOGÁVEL E IRRETRATÁVEL DE DÍVIDA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA SEGUIDA DE EXPRESSA RENÚNCIA A QUALQUER DEFESA, ADMINISTRATIVA OU JUDICIAL, BEM COMO DESISTÊNCIA DAS JÁ INTERPOSTAS – RESTRIÇÃO ILEGAL – POSSIBILIDADE DE REABERTURA DE DISCUSSÃO JUDICIAL






O tema ora comentado nasceu de um caso concreto e que guardava relação direta com o Programa de Parcelamento do ICMS do estado de São Paulo (PEP). Entretanto, os fundamentos e conclusão do presente são aplicáveis, mutatis mutandis, a todas as situações de parcelamento, municipal, estadual ou federal.

A presente tese é excerto de um Parecer Jurídico muito mais extenso e que, dentre seus tópicos, versava ainda sobre a estratégia processual mais indicada para o contribuinte que se encontra na situação de ter que rediscutir um parcelamento a si prejudicial.

É o caso em que os fundamentos para a rediscussão têm lugar, por exemplo, por embutir correção acima da Selic, caso muito discutido perante o Judiciário paulista por força da inconstitucionalidade da legislação estadual local, reconhecida pelo TJSP.

Ou, em qualquer caso, simplesmente por incluir valores total ou parcialmente indevidos, ou qualquer outra circunstância em relação à qual o contribuinte aderente ao parcelamento tenha fundadas razões jurídicas para discordar, dentre elas, por débitos alcançados pela decadência ou prescrição ou, ainda, relativos a tributos inconstitucionais. Daí porque, para o STJ, a confissão de dívida não é absoluta.

I – PREMISSAS DO CASO CONCRETO

Tratava-se de empresa do ramo têxtil estabelecida no estado de São Paulo autuada pelo fisco paulista (ICMS) com fundamento no fato de realizar importações de mercadorias através de empresas terceiras, estabelecidas no estado do Espírito Santo e, subsequentemente, através de sua filial estabelecida naquele estado, no âmbito do FUNDAP.

Defendia-se das autuações na instância administrativa perante o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT), tendo um dos autos de infração sido julgado pelo TIT em seu desfavor. O outro auto de infração não tinha sido ainda julgado pelo TIT quando, aproveitando-se dos benefícios de lei paulista de anistia (PEP – Programa Especial de Parcelamento – Decreto 58811/2012), decidiu-se pela adesão ao referido programa.

Suas chances de êxito no enfrentamento da questão perante o Judiciário, nos âmbito dos autos de infração, foram reconhecidas à época por jurista de escol como muito boas.

Foi, entretanto, orientada a aderir ao PEP em razão de que, outra legislação paulista concessiva de benefícios para o setor têxtil que reduzia a base de cálculo do ICMS nas operações realizadas dentro do estado, à alíquota de 7% ou 12%, condicionava tais benefícios a que o beneficiário não possuísse débitos de qualquer natureza perante o fisco paulista.

Tratava-se do Decreto 58765/2012, cujo art. 1º, § 2º, item 2, “c”, vedava a fruição do benefício por parte do contribuinte que tivesse débitos do ICMS decorrentes de auto de infração, em relação ao qual não mais coubesse defesa ou recurso na esfera administrativa, não pagos no prazo fixado para o seu recolhimento.

Por seu art. 1º, § 2º, item 2, “d”, vedava a utilização do benefício por parte de contribuinte que possuísse débitos decorrentes de autos de infração ainda não julgados definitivamente na esfera administrativa, relativos a crédito indevido do imposto proveniente de operações amparadas por benefícios fiscais concedidos em desacordo com o disposto no art. 155, § 2º, XII, “g” da Constituição Federal, isto é, incentivos fiscais não aprovados unanimemente por todos os Estados Federativos, no âmbito do CONFAZ.

Enquadrava-se nessa restrição o incentivo concedido pelo estado do Espírito Santo (FUNDAP), fundamento de ambas as autuações fiscais sofridas pela Consulente.

Assim, a despeito de seu direito amparado em robustos fundamentos jurídicos, ante a ausência de outra alternativa, optou por aderir ao PEP.

A questão posta à análise jurídica, no caso, visava delimitar a possibilidade de reabertura da discussão, porém na esfera judicial.

II – TESE JURÍDICA FUNDAMENTO DA REABERTURA DA DISCUSSÃO JUDICIAL

 A Constituição Federal assegura a todos, como princípio em que se assenta o Estado de Direito, o amplo acesso ao Judiciário para o exercício do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV).

Obviamente que esse direito, inerente ao exercício da cidadania plena, não pode ser minimamente tolhido ou cerceado, por qualquer meio ou modo, direta ou indiretamente.

Quando no curso do exercício desse direito vem a ser cerceado, é caso de ofensa à Constituição Federal e ao referido princípio, o qual nem mesmo pode ser derrogado por Emenda Constitucional já que, assim o fosse e estaria destruído o próprio Estado de Direito e, portanto, as instituições que dão sustentação a esse Estado de Direito.

Como visto atrás, a empresa foi compelida a abandonar sua defesa administrativa e judicial para com isso não perder o direito ao benefício fiscal (Decreto 58765/2012) a que intitulada pelo próprio estado paulista que lhe exigia, por meio de autos de infração, tributo indevido  – cujo montante foi então parcelado –, o que fez seus dirigentes sopesar que a perda de mercado ao obrigar-se a dar saída de suas mercadorias com alíquota interna de 18%, enquanto sua concorrência, beneficiada pelos incentivos fiscais o faria à alíquota de 7% ou 12%, representaria para a empresa prejuízo muito maior.

Assim, ante a ausência de opção, viu-se a empresa obrigada a recolher, à vista, em 2013, mais de R$ 14 milhões, comprometendo duramente suas finanças e seu capital de giro, apenas para prosseguir fazendo jus aos benefícios fiscais estaduais paulistas (redução da base de cálculo do ICMS).

Portanto, sua adesão ao PEP e consequente abandono da discussão tanto na via administrativa quanto a opção por seu não prosseguimento na judicial, em aberto confronto com os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa só teve lugar por decorrência direta da flagrante coação exercida pelo Estado contra o direito do contribuinte, através da condição estabelecida no Decreto 58765/2012 (art. 1º, § 2º, item 2, “c” e “d”).

O fundamento para a empresa reabrir a discussão objeto da exigência fiscal assentava-se, pois, na coação. Mas não apenas nisto, conforme será visto nos tópicos subsequentes.

III NATUREZA JURÍDICA DA DECLARAÇÃO PRESTADA PELO CONTRIBUINTE À FAZENDA PÚBLICA COMO CONDIÇÃO PARA INTITULAR-SE AO PARCELAMENTO - MUTABILIDADE


Não bastasse a aberração na imposição da condição para adesão ao PEP para prosseguir se intitulando aos benefícios do Decreto 58765/2012, o Termo de Aceite ao PEP do ICMS paulista, operando também contra o referido princípio constitucional do contraditório e ampla defesa atrás mencionado, impôs ao contribuinte aderente ao programa o compromisso de não embargar a respectiva execução fiscal ou a desistir dos embargos já apresentados, bem como de recursos eventualmente opostos e demais medidas judiciais tendentes a obstar a exigibilidade da dívida, renunciando expressamente ao direito em que se fundava a ação, sob pena de rompimento do parcelamento especial. E o devedor deveria promover a juntada do Termo de Aceite ao PEP e das parcelas recolhidas aos autos judiciais respectivos.

O Decreto 58811/2012, veiculador do PEP, prescrevia que o parcelamento ou pagamento em parcela única implicava confissão irrevogável e irretratável do débito fiscal (art. 5º, I) e expressa renúncia a qualquer defesa ou recurso administrativo ou judicial, bem como desistência dos já interpostos, relativamente aos débitos fiscais incluídos (art. 5º, II).

Confissão irrevogável e irretratável de débito deve ser analisada sob a perspectiva da presunção de direito. Questão que merece análise, pois, é se a presunção de veracidade da declaração prestada pela empresa no ato de adesão ao PEP, no caso, cujo conteúdo por ela declarado presume-se verdadeiro, dai porque apto a produzir como consequência jurídica a exigência do crédito tributário, é mutável, ou não, analisada à luz da confissão jurídica.

Dito doutro modo, ter-se-ia na declaração inserida no Termo de Aceite do PEP uma confissão de dívida imutável porquanto prestada pelo próprio contribuinte e  assim decretada pela norma que admite a adesão ao parcelamento?

Considere-se que o Termo de Aceite ao PEP dispunha que o parcelamento seria considerado rompido se verificada alguma dentre as situações nele previstas, uma delas, aquela relativa a compromisso assumido pelo contribuinte aderente de não embargar a respectiva execução fiscal ou a desistir dos embargos já apresentados, bem como de recursos eventualmente opostos e demais medidas judiciais tendentes a obstar a exigibilidade da dívida, renunciando expressamente ao direito em que se fundava a ação, sob pena de rompimento do parcelamento especial.

Desdobramento da pergunta posta antecedentemente: como pode algo dotado de caráter precário porque sujeito a confirmação ulterior (homologação) pelo órgão fazendário assumir o caráter de confissão de dívida se a confissão, como instituto do Direito Civil que é, não pode ser alterada pela lei tributária (CTN, artigo 110), assim como os princípios gerais de direito privado podem ser utilizados para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários (CTN, artigo 109)?

O Código Civil, aplicável no caso, dispõe que o fato jurídico pode ser provado mediante confissão (art. 212, I), mas também prevê que não goza de eficácia a confissão se provém de quem não é capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados (art. 213). Veja-se, na sequência, por que a empresa em questão não poderia dispor do direito a que se referiam os fatos confessados.

A suposta confissão feita pela empresa como condição para aderir ao PEP sujeitava-se, portanto, à homologação, revisão ou lançamento de ofício.

Do ponto de vista da Fazenda Pública Estadual que se valeria de tais elementos declarados pelo contribuinte, idem. O conteúdo jurídico da declaração prestada (matéria de fato) sujeita-se à homologação da Fazenda Estadual (CTN, artigo 150, § 4º). Tratam-se, portanto, de fatos apurados e declarados pela própria empresa debaixo daquilo que se convencionou denominar auto-lançamento, sujeito, portanto, à homologação da autoridade fiscal.

Tanto assim é que não detém o contribuinte, por si, o poder de homologar o conteúdo declarado e, por conseguinte, também os efeitos jurídicos de sua declaração de que resulte imposto a pagar.

Logo, se não possui tal poder em relação ao débito para com a Fazenda (crédito fazendário), logo não é capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados (direito seu, contra a Fazenda, de pagar estritamente o imposto devido, ou de nada pagar, quando e se indevido) posto que a partir da declaração por ele efetuada, Fazenda e contribuinte submetem-se, em relação à obrigação tributária emergente da declaração prestada, ao mesmo princípio da estrita legalidade, tendo eventual tributo devido natureza indisponível para a Fazenda Pública. Logo, o contribuinte também não mais poderia dispor do seu direito (CC, artigo 213).

Mais não bastasse prevê o mesmo Código Civil que a confissão é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro de fato [1] ou de coação  (CC, artigo 214). Ora, se a empresa registrou em Declaração (Termo de Aceite ao PEP) fatos incorretos ou o fez porquanto fruto de coação, à evidência a natureza do erro por ela cometido é erro de fato por se referir não à aplicação da norma jurídica, mas à mera descrição do evento desencadeante de obrigações, portanto, desencadeante de obrigações patrimoniais privadas cuja natureza jurídica foi ali suficientemente evidenciada. Ou seja, confessou dívida que, ante os fundamentos de seu direito, sabia potencialmente inexistente, mas o fez apenas para não perder seu direito aos benefícios da lei paulista de incentivos fiscais (Decreto 58765/2012).

Não teve a empresa dúvida alguma sobre a aplicação do direito (erro de direito). Mas também não teve opção. Foi coagida.

E se a Fazenda nega-lhe o direito de revisar sua declaração por considerá-la confissão irrevogável e irretratável (Decreto 58811, art. 5º – norma instituidora do PEP), a confissão originariamente feita é revogável por se tratar de uma coação exercida pela Fazenda Pública, contra o contribuinte. Com efeito, seja pela ocorrência de erro de fato, seja pela verificação de coação, a confissão é, no caso, plenamente revogável.

Ademais disso, veja-se que a confissão é tida por irrevogável, mas, se resultante de coação, pode ser anulada. Ora, coação pode ser como tal considerada presente nas situações em que o contribuinte firmou sua declaração quanto ao reconhecimento de irrevogabilidade de sua confissão unicamente visando manter-se intitulado à continuidade dos benefícios fiscais, sem o que iria à quebra ante a impossibilidade de prosseguir competindo com concorrentes que se beneficiassem da redução da base de cálculo do ICMS em suas operações no âmbito interno do estado de São Paulo.

Erro de direito [2] nem é arrolado pelo art. 214 do Código Civil como capaz de provocar anulação da confissão por uma razão muito simples: ninguém pode confessar direitos; apenas fatos [3]. 

É que se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, artigo 5º, II), logo ninguém pode alegar ignorância sobre a existência do direito para justificar sua não aplicação. Se não pode alegar ignorância para se eximir do dever de cumprir a lei, também não pode invocar erro de direito uma vez que este, como se extrai de sua conceituação jurídica, é o engano a respeito da existência da regra jurídica aplicável ao caso concreto ou a interpretação equivocada para aplicá-la falsamente ao ato a ser executado.

Com efeito, se não pode o erro de direito ser alegado, seja para validar ou para invalidar o ato, não sendo ele admissível como causa de obrigações, não pode também ser confessado já que a confissão de algo (norma jurídica que é e está, independentemente de qualquer coisa, pessoa ou fato), só pode recair sobre fatos, daí ser correto afirmar que não há confissão de direitos, apenas de fatos.

Resta assim que as declarações lançadas no Termo de Aceite ao PEP não tem a natureza de confissão irrevogável e irretratável!!! E se assim não o é, não pode constituir instrumento apto para intitular a Fazenda Estadual, com base em declaração da empresa, obtida por coação, a obstar que ela intente novas medidas judiciais visando reabrir a discussão quanto ao seu direito!!! E mais, reaver os valores indevidamente pagos no âmbito do PEP.

Remarque-se: as legislações instituidoras de parcelamento preveem, ordinariamente, à par da confissão irrevogável e irretratável do débito fiscal, a expressa renúncia a qualquer defesa ou recurso administrativo ou judicial, bem como desistência dos já interpostos, relativamente aos débitos fiscais incluídos.

A intenção de qualquer Fazenda Pública, ao impor ao contribuinte a exigência de declaração de expressa renúncia às ações em curso e a vedação à reabertura de novas discussões sobre os débitos parcelados, como condição para a adesão a programas de parcelamento, é evidente: busca ela, além da confissão, a transação, outra figura jurídica civilística. Transação, como sabido, dá-se por meio de concessões mútuas que as partes negociam visando prevenir ou terminar litígio (CC, art. 840).

Importantíssimo deixar assentado ser absolutamente inaplicável ao caso a figura jurídica da transação já que esta só incide sobre direitos patrimoniais de caráter privado (CC, art. 841). Direito tributário insere-se no âmbito do Direto Público. Portanto, também por isso o condicionamento do parcelamento à confissão irrevogável e irretratável prestada pelo contribuinte, seguida da transação, é ilegal posto contrária a instituto regido pelo Código Civil, o que não é admitido pela norma complementar tributária (CTN, arts. 109 e 110).

IV O TEMA NO JUDICIÁRIO

Não por outra razão o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua Primeira Seção, ao julgar recurso do Município de São Paulo em demanda contra um escritório de advocacia, decidiu que a confissão de dívida feita com o objetivo de obter parcelamento dos débitos tributários não impede o contribuinte de questionar posteriormente a obrigação tributária, a qual pode vir a ser anulada em razão de informações equivocadas que ele tenha prestado ao fisco.

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (art. 543-C, § 1º, do CPC). AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO COM BASE EM DECLARAÇÃO EMITIDA COM ERRO DE FATO NOTICIADO AO FISCO E NÃO CORRIGIDO. VÍCIO QUE MACULA A POSTERIOR CONFISSÃO DE DÉBITOS PARA EFEITO DE PARCELAMENTO. POSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL.
1. A Administração Tributária tem o poder/dever de revisar de ofício o lançamento quando se comprove erro de fato quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória (art. 145, III, c/c art. 149, IV, do CTN).
2. A este poder/dever corresponde o direito do contribuinte de retificar e ver retificada pelo Fisco a informação fornecida com erro de fato, quando dessa retificação resultar a redução do tributo devido.
3. Caso em que a Administração Tributária Municipal, ao invés de corrigir o erro de ofício, ou a pedido do administrado, como era o seu dever, optou pela lavratura de cinco autos de infração eivados de nulidade, o que forçou o contribuinte a confessar o débito e pedir parcelamento diante da necessidade premente de obtenção de certidão negativa.
4. Situação em que o vício contido nos autos de infração (erro de fato) foi transportado para a confissão de débitos feita por ocasião do pedido de parcelamento, ocasionando a invalidade da confissão.
5. A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos. Quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma tributária, a regra é que não se pode rever judicialmente a confissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento de débitos tributários. No entanto, como na situação presente, a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorre defeito causador de nulidade do ato jurídico (v.g. erro, dolo, simulação e fraude). Precedentes: REsp. n. 927.097/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 8.5.2007; REsp 948.094/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 06/09/2007; REsp 947.233/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23/06/2009; REsp 1.074.186/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 17/11/2009; REsp 1.065.940/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 18/09/2008.
6. Divirjo do relator para negar provimento ao recurso especial. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008. (REsp 1133027 SP 2009/0153316-0, Relator: Ministro Luiz Fux, Data de Julgamento: 13/10/2010, S1 - Primeira Seção, Data de Publicação: DJe 16/03/2011).”

O caso mencionado foi submetido ao regime dos recursos repetitivos previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil, dado o grande volume de processos envolvendo a mesma controvérsia jurídica posta em julgamento, que consistia em definir se a confissão de dívida impede ou não o reexame da obrigação quando o motivo para o reexame tem a ver com os fatos sobre os quais incide a tributação (erro de fato), e não apenas com aspectos de direito (erro de direito).

Efetivamente, o CTN dispõe (artigo 147, caput) que o lançamento tributário é efetuado com base na declaração do contribuinte na forma da legislação tributária quando este presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato indispensáveis à sua efetivação (do lançamento).

E diz mais: a retificação da declaração feita por iniciativa do contribuinte quando vise a reduzir ou a excluir o tributo só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde ele e antes de notificado do lançamento feito pelo fisco (CTN, artigo 147, § 1º). E prossegue: os erros contidos na declaração e apuráveis pelo seu exame serão retificados pela autoridade administrativa a que competir a revisão do lançamento tributário (CTN, artigo 147, § 2º), quando se comprove erro quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória (CTN, artigo 149, IV).

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região apreciando questão relativa proclamou:

“TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. ERRO NO PREENCHIMENTO DA PER/DCOMP. Demonstrado o erro no preenchimento da PER/DCOMP, a qual acusava crédito inexistente de determinado exercício financeiro, cabível a determinação judicial de reapreciação da declaração de compensação. (AP-RN 2008.71.00.020002-8, Relator: ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Data de Julgamento: 24/11/2009, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: D.E. 09/12/2009).”

V CONCLUSÃO

Como é de ver, documento dotado igualmente de natureza declaratória, o judiciário já decidiu que demonstrado erro no preenchimento dessa declaração, a qual acusava crédito inexistente de determinado exercício financeiro, cabível a determinação judicial de reapreciação da declaração de compensação. O mesmo se passa em relação a erro na declaração prestada por contribuinte, decorrente de coação, inconstitucionalidade, decadência, prescrição, e o que mais couber, dentre eles, exigência indevida do principal, de correção, multa superior ao limite reconhecido como legal pelo STJ e STF, etc.

Portanto, inexistente confissão sobre erro de fato e inexistindo em direito, também, a confissão de direito, a confissão não é irrevogável, tampouco irretratável, especialmente mas não apenas, nos casos em que originada de coação. Assim como a transação é absolutamente inaplicável na seara do Direito Tributário por se tratar de Direito Público indisponível.

Com efeito, a adesão a programas de parcelamento federal, estadual ou municipal, é anulável e, portanto, modificável, sendo juridicamente admitida a rediscussão, em juízo, dos fatos que a embasaram.


Cleomedes Vilar de Vasconcelos/Adonilson Franco
Franco Advogados Associados

09/02/2018








[1] Sobre o conceito de erro e de confissão, a lição de De Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico). Erro, falsa concepção acerca de um fato ou de uma coisa. Pode proceder do fato ou do direito. Daí, erro de fato e erro de direito. O erro não se presume. Deve ser provado por quem o alega. Erro de fato é a falsa ideia sobre o exato sentido das coisas, crendo-se numa realidade que não é verdadeira. É o engano acerca de uma condição ou circunstância material.
[2] Refere-se o erro de direito ao fato de alguém enganar-se a respeito da existência da regra jurídica aplicável ao ato praticado, ou interpretá-la equivocadamente para aplicá-la falsamente ao ato a ser executado. Em outras palavras, ignorância da regra jurídica ou de sua exata interpretação para ser aplicada ao fato concreto ou ao ato a ser cumprido. Erro de direito não pode ser alegado, seja para validar ou invalidar o ato. Erro de direito não aproveita a quem o alega. Não se admite o erro de direito, não podendo ser, por isso, causa de obrigações.
[3] Confissão, em matéria civil, é o reconhecimento da verdade por outrem alegada, feito por uma pessoa, mesmo que contrarie os seus interesses. É a confissão o reconhecimento da verdade feita pela própria pessoa diretamente interessada nela, desde que ela própria é quem venha a fazer a declaração de serem verdadeiros os fatos arguidos contra si, mesmo contrariando os seus interesses e assumindo, por esta forma, a inteira responsabilidade sobre eles. Porém para ser tida como prova plena, contra aquele que a proferiu, deve ter sido voluntária, não podendo, por isso mesmo, ser obtida por coação ou constrangimento, sob violência ou ameaça visto que tais fatos lhe retirariam o caráter de voluntariedade, indispensável para que a declaração ou reconhecimento da verdade viesse a surtir os efeitos desejados. Sob coação ou violência a confissão poderá se fundar na mentira desde que arrancada para satisfazer a imposição ou a violência de outrem que a ditou, segundo suas intenções.