quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS fundada no valor destacado na Nota Fiscal tem sido inscrita na Dívida Ativa

  

 


Se não estiver visualizando o vídeo, clique aqui




 Franco Advogados Cast. Escolha uma das opções para ouvir:


Os argumentos Fazendário e as ilegalidades

 

A Súmula 436 do Superior Tribunal de Justiça dita que “A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco”.


O contribuinte, suportado por sentença judicial transitada em julgado, isto é, aquela que não mais comporta qualquer recurso, promove a compensação tributária baseada no montante do ICMS que excluiu do PIS/COFINS pago indevidamente ao longo dos anos, isso é registrado em sua Escrituração Fiscal Digital (EFD). Paralelamente, ele entrega também ao fisco informações em Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF). Ao cruzar ambos os documentos, o fisco estima qual o valor a ser compensado pelo contribuinte. 


Adotando em seus cálculos as regras da Solução de Consulta 13/2018 (http://bit.ly/2Jra2GI), ele, fisco, constitui o crédito tributário diretamente, sem antes promover o lançamento via auto de infração. E o pior, vem inscrevendo esse suposto crédito dele, na Dívida Ativa.


Para muitos contribuintes ter débito inscrito na Dívida Ativa pode significar problema muito sério ante a restrição de acesso a créditos públicos, ou mesmo perante bancos privados em decorrência de ter sido negativado junto aos órgãos de proteção de crédito, além de ficar impedido de obter certidão negativa de débitos de tributos federais (CND), de participar em licitações públicas, e, é óbvio, de a Fazenda Pública credora intitular-se a registrá-lo no CADIN (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal) e contra ele iniciar Execução Fiscal.


Ocorre que há alguns senões aí. O primeiro deles, e talvez o mais importante, é que ao entregar as declarações (EFD e DCTF) o contribuinte não está, em hipótese alguma, confessando a existência de débito equivalente àquele que o fisco apura e inscreve na Dívida Ativa. 


Uma coisa é declarar o exato montante que o contribuinte entende devido ao fisco e não o recolher, total ou parcialmente, hipótese em que aplicável a dita Súmula. Outra, bem diferente, é o contribuinte declarar o exato montante que entende devido, nele já considerados os efeitos da exclusão do ICMS do PIS/COFINS, e o fisco disto discordar – e, sem inaugurar o contraditório por meio de auto de infração oportunizando-se demonstrar seus cálculos e o contribuinte dele discordar, quer na instância administrativa ou judicial –, sem qualquer demonstração de seu suposto direito, inscrever a alegada diferença em dívida ativa.


Ou seja, a Súmula 436 STJ é absolutamente inaplicável neste caso, valendo unicamente para as situações em que o contribuinte declara, mas não recolhe o tributo, total ou parcialmente. Aí sim, constatando a inexistência de recolhimento, total ou parcial, autoriza o fisco a inscrever o débito na Dívida Ativa.


Notar que enquanto a Súmula 436 embasa o direito de o fisco exigir o imposto não recolhido tomando por parâmetro o montante total declarado como dívida pelo próprio contribuinte, a situação concreta objeto dos presentes comentários é muito diferente já que o fisco, por discordar, recalcula o débito declarado pelo contribuinte e inscreve a diferença então apurada.


Deixar de recolher parte ou totalidade do tributo amparado em decisão judicial transitada em julgado só pode ser contestado pelo fisco mediante prova dos valores compensados a maior que o devido. A única fonte de informação de que dispõe o fisco é aquela disponibilizada pelo contribuinte, na DCTF, evidenciando o valor do PIS/COFINS devido. E, na EFD, onde informa estar excluindo da base do PIS/COFINS o ICMS destacado na Nota Fiscal ao invés de, conforme vem ilegalmente exigindo o fisco, com base no montante apurado no livro fiscal de apuração do ICMS.


Entendam bem essa nuance: o informe, pelo contribuinte, da exclusão do ICMS da base das contribuições com suporte naquele destacado na NF não contém exata indicação do exato montante (que, após inscrição na Dívida ativa, transforma-se no quantum debeatur exigível mediante execução fiscal) por ele excluído mediante esse critério. 


Lembrando que o início de todo o processo de compensação tem lugar com a entrega do Pedido de Habilitação do Crédito. Ali é indicado o montante total do crédito, oriundo das exclusões do ICMS que o contribuinte tenha apurado. Mensalmente, ao efetuar a compensação, o contribuinte apresenta a Per-Dcomp, onde irá demonstrar a compensação efetiva. 


E isso se sucede mês a mês, até que ao final de um dado tempo, suponhamos dois anos, todo o montante do crédito, corrigido, terá sido efetivamente compensado. Antes disso, o fisco não dispõe de liquidez e certeza apta a lhe permitir, baseado em números concretamente informados pelo contribuinte, amparar sua alegação de liquidez, certeza e exigibilidade, atributos intrínsecos e inerentes ao título extraído após inscrição na Dívida Ativa! 


Ainda porque há relatos de que os contribuintes têm detectado erros nos cálculos realizados pelo fisco! Entretanto, estão impedidos de contestar tais cálculos na instância administrativa simplesmente por ser esta deliberadamente suprimida pelo fisco. Só poderá utilizar seu direito de defesa embasado em números, em ação ordinária própria, estratégia esta que embute os riscos de sucumbência. 


Portanto, já de saída, não pode a Fazenda aplicar a Súmula 436 do STJ para fundamentar sua pretensão. E não pode, neste caso, ante a absoluta ausência de elementos suficientemente consistentes, em ambas as declarações (DCTF e EFD) que lhes permitam determinar o exato montante, no seu entender, apurado em discrepância com a “orientação” estampada na SC 13/2018 (http://bit.ly/2Jra2GI), igualmente na IN 1911/2019 (http://bit.ly/2XpWWjX), se é que se pode chamar a esse mostrengo de “orientação” já por se tratar, a rigor, de puro arbítrio não amparado em lei. 


Segundo, débito exigível é aquele vencido e não pago, não mais sujeito a termo ou condição para a cobrança judicial ou extrajudicial (Portaria PGFN 33/2018, art. 1º, § 3º). 


Ora, o CTN dispõe que dívida ativa tributária é aquela proveniente de crédito tributário regularmente inscrito, depois de esgotado o prazo fixado para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular (CTN, art. 201, caput). Se não há lei autorizadora da inscrição e, nesses casos, a Fazenda Nacional tem suprimido – supostamente alicerçada na Súmula 436 STJ – o processo regular que obrigatoriamente deveria ter-se iniciado por meio de auto de infração, mais ainda, não fixa previamente prazo para seu pagamento, esse proceder não encontra amparo a não ser na arbitrariedade fiscal.


Ainda o CTN dispõe que o lançamento tributário é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação (CTN, art. 147, caput). Só é permitido o arbitramento, pelo fisco, nas hipóteses em que o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, e nesse caso mediante processo regular, sempre que ocorram omissões ou não mereçam fé as declarações ou esclarecimentos prestados (CTN, art. 148). 


Mas mesmo nesses casos é cabível a contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial. Veja-se que não se trata de situação, no caso concreto, que nos termos do disposto no artigo 148, admita o arbitramento. 


Pergunta que cabe, no caso: como pode ser reconhecida a liquidez e certeza do débito se o fisco não explica ao contribuinte como calculou o montante que, na Certidão da Dívida Ativa expressa o seu suposto direito? E isso assume importância absoluta quando se constata que os contribuintes vêm detectando erros nos cálculos feitos pelo fisco!


Terceiro, a Solução de Consulta deu origem à Instrução Normativa 1911/2019. E esta, não apenas reduziu, sem base em lei, o crédito do PIS/COFINS comparativamente àquelas situações em que o contribuinte seja titular de decisão transitada em julgado, conforme poderá ser conferido em tabelas disponíveis (http://bit.ly/2XpWWjX), como também majorou o débito de ambas as contribuições nas mesmas situações em que presente título judicial em seu favor.


Em todos os casos sob nossa responsabilidade fomos ao Judiciário e obtivemos sentença favorável contra a aplicação da IN 1911/2019, inclusive obtendo o reconhecimento judicial de que o ICMS a ser excluído é aquele destacado nas Notas Fiscais.


Mas os contribuintes que não tenham conduzido essa providência, estarão agora mais fragilizados e deverão conduzir providências judiciais, conforme será visto na sequência.


Quarto aspecto é que o débito para ser inscrito na Dívida Ativa precisa preencher alguns requisitos: ser líquido, certo e exigível (Lei 6.830/80, art. 2º, § 3º). Apesar de sua inscrição conferir-lhe presunção de liquidez e certeza (Lei 6.830/80, art. 3º, caput), não prova sua exigibilidade (Portaria PGFN 33/2018).


Repita-se, débito exigível é aquele vencido e não pago, não sujeito a condição para sua cobrança judicial ou extrajudicial (Portaria PGFN 33/2018, art. 1º, § 3º). Mas nesse caso, duas condições existem e não foram observadas pelo credor fisco: lei autorizadora dessa inscrição – tanto que o fisco se funda na Solução de Consulta 13/2018 para alicerçar sua exigência –, e o prévio contraditório.

 

Resumo

 

  •       Súmula 436 STJ absolutamente inaplicável porque editada para utilização em situação diversa daquela ora fundamentada pela Fazenda Nacional.
  •       O arbitramento não é admitido pelo CTN na situação que vem embasando a inscrição na Dívida Ativa.
  •       A Solução de Consulta 13/2018 não é lei. Ela foi sucedida pela IN 1911/2019 que já recebeu, no Judiciário, sentenças contrárias à sua legalidade.
  •      Para embasar inscrição na Dívida Ativa a pretensão fiscal tem que comprovar liquidez, certeza e exigibilidade, ausentes neste caso.

 

Conclusão

 

Com o devido pedido de perdão aos contribuintes em geral, isso tudo só se prestará a engordar os honorários das bancas advocatícias na medida em que, nos casos em que incidirem sucumbência, a Fazenda será fragorosamente derrotada em mais esse embate e sucumbirá em favor dos causídicos no percentual situado entre 10% e 20% do valor discutido.


Essa sucessão de derrotas originadas de causas irresponsáveis já vinha ocorrendo massivamente até que a Fazenda Nacional resolveu introduzir a transação tributária, também como meio de evitar essas derrotas no Judiciário e condenações em sucumbência (http://bit.ly/2GfmN6A). 


Os contribuintes não titulares de sentença judicial favorável fundada na IN 1911/2019 que lhes assegure o direito de excluir o ICMS destacado na NF terão algumas alternativas cujas escolhas deverão ser mais apropriadas a cada caso concreto, porém serão mandatórias. Alguma, ou algumas, deverão ser obrigatoriamente eleitas: a) mandado de segurança contra as exigências postas na SC 13/2018 e, obviamente, contra a inscrição na Dívida Ativa; b) Anulatória de Débito Fiscal (se necessário, juntamente com Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídico-Tributária); c) aguardar o início da execução fiscal para lá se defender através de Embargos à Execução.


É bem compreensível a estratégia empreendida pela Fazenda Nacional. A publicação do julgamento do RE 574.706/PR ocorreu em 02/10/2017. A PGFN ajuizou Embargos de Declaração na sequência, até hoje não julgado pelo STF, e sem previsão de quando o será. Enquanto isto, a decadência do direito da Fazenda de exigir essa diferença que vem sendo agora inscrita na Dívida Ativa prossegue seu curso, sem interrupção. 


Assim, optou por travar a prescrição que ocorreria em 2022, que sucede à decadência, por meio da inscrição diretamente na Dívida Ativa. Com isso conseguiu três efeitos, a saber, travar a decadência/prescrição; ganhar o tempo correspondente ao processamento do contraditório na instância administrativa que nesse caso inexiste; infernizar a vida do contribuinte mediante inscrição desse débito inexistente na Dívida Ativa causando-lhe transtornos. Mesmo que para isso tenha sido atropelada a Constituição e o CTN, bem como a Lei de Execução Fiscal.


Enfim, se tudo o que os empreendedores precisam é de segurança jurídica para empreender, manter-se e crescer, tudo o que não encontram em nosso País é exatamente isto, qualquer que seja o segmento, setor, área, inclusive na tributária, de modo que sem esse norte para tocarem a vida com atenção total àquilo que sabem fazer, isto é, gerar riquezas e emprego, produzir, comercializar, prestar serviços, sabendo de antemão qual sua margem líquida e quais as diretrizes para crescer, a total ausência desses parâmetros os deixam desnorteados, com justa razão. Nem mesmo uma decisão judicial transitada em julgado a que se obrigam as leis a respeitar (LINDB, art. 6º caput e § 3º), são observadas pelo fisco brasileiro! Não apenas o futuro, mas também o passado é incerto.


O espírito empreendedor há de um dia triunfar. E esse dia chegará quando tivermos um Judiciário forte e coeso na defesa das leis e da Constituição. Oxalá!

 

Franco Advogados Associados

16/12/2020

 

NOTA:

Os links para as matérias capazes de ampliar o entendimento do leitor estão todas inseridas ao longo deste texto.

 

domingo, 13 de dezembro de 2020

Declaração da constitucionalidade, pelo STF, do aumento ou redução de alíquota de tributo por Decreto

 



Assistir ao conteúdo (vídeo) clique aqui 




Assistir à animação clique aqui







 

 FrancoAdvogados Cast. Escolha uma das opções para ouvir:

Apple Podcast

Deezer

Spotify

SoundCloud

Stitcher 

 

 

O “princípio” constitucional da legalidade foi profundamente fragilizado em sua força principiológica por decisão da Suprema Corte em 09/12/2020. Alertando que “princípio” contém muito mais força que mero enunciado. Princípio é base e tudo o mais decorre dele. É, por isso mesmo, imutável porque, se mutável, já não mais será “princípio”. 

 

A base de toda a ordem jurídica num regime democrático decorre dele. Por isso, no plano geral dessa ordem, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma que não esteja prevista em lei (CF, art. 5º, II). Do contrário, está-se a viver sob regime de exceção ou, mais explicitamente, numa ditadura. 

 

No ordenamento tributário nacional o princípio da legalidade veda à União, Estados e Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei (CF, art. 150, I). No que é repetido pelo Código Tributário Nacional, segundo o qual somente lei pode estabelecer a fixação de alíquotas do tributo e de suas bases de cálculo, ressalvado o imposto de importação, o imposto de exportação, o ITBI nos casos de imóveis comercializados dentro da política nacional de habitação e o IOF (CTN, art. 97, IV).

 

Como esses tributos têm função extrafiscal, isto é, podem ser utilizados como política de direcionamento da economia o que, por isso mesmo, exige agilidade incompatível com a morosidade dos processos legislativos, daí porque sabiamente a eles atribuída essa função, não restrita às finalidades meramente arrecadatórias.

 

Lei é como tal considerada, pela Constituição, a lei ordinária emanada do Legislativo. Decreto não é lei. É ato do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). 

 

Essa regra que atende por “princípio da legalidade” vem da Inglaterra, a partir da atuação combativa de barões ingleses que, em 10/06/1215, tomaram a cidade de Londres obrigando o rei João Sem-Terra a assinar uma Carta Magna, limitando seus poderes e estabelecendo que impostos só poderiam ser criados mediante leis aprovadas por um conselho formado por nobres (origem do legislativo inglês, Câmara dos Lordes). Essa regra foi, desde então, incorporada ao Direito inglês e, daí, expandindo-se para o mundo civilizado.

 

Voltando ao Brasil, estava em discussão no julgamento do STF se Decreto pode reduzir ou aumentar alíquotas de tributos, quando a própria Constituição Federal dispõe que somente lei pode fazê-lo, no que é repetida pelo Código Tributário Nacional, conforme atrás visto. 

 

A conclusão a que chegaram os Ministros, por mais esdrúxula que pareça – aliás, como de resto vem demonstrando essa nossa Corte Constitucional cujos membros realmente revelam estatura de mini, apequenados, porque se grandiosos em seus exemplos e sábios em suas decisões, teriam em suas designações “magis” e, então, zelariam pela preservação da força da Constituição sobre toda a ordem jurídica do País –, foi que, sim, Decreto pode alterar as alíquotas de tributos. 

 

Para melhor entendimento deste tema, fazemos remissão aos nossos comentários, bem completos e abrangentes, em “PIS/COFINS sobre Receitas Financeiras”, de 05/07/2019.

 

Este assunto recebeu, ali, nossa abordagem sob uma perspectiva bem prática: o aumento das alíquotas do PIS/COFINS sobre aplicações financeiras (0,65% PIS e 4% COFINS), promovido pelo Decreto 8.426/2015, as quais haviam sido reduzidas a zero em 2004 pelo Decreto 5.164 e confirmado pelo Decreto 5.442/2005, exclusivamente para empresas no regime não-cumulativo de apuração de ambas as contribuições.

 

No julgamento dessa questão pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 17/10/2017 (REsp 1.586.950), sobressaiu a conclusão de que a Lei 10.865/04 que, por seu art. 27, § 2º, permitiu ao Executivo reduzir ou restabelecer alíquotas, é reconhecidamente inconstitucional. Como não cabe ao STJ declarar inconstitucionalidades, então essa questão deveria ser analisada pelo STF.

 

Foi o que fez agora o STF ao julgar a constitucionalidade do art. 27, § 2º da Lei 10.865/04.

 

“Art. 27 – (...)

§ 2º - O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8º desta Lei, as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não-cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que fixar”

 

Foi declarada constitucional, pelo STF, por maioria de 8 a 1, no âmbito do Recurso Extraordinário 1.043.313 (Tema 939 de Repercussão Geral), provocando impacto favorável à União estimado em R$ 32,8 bilhões. Os efeitos dela não foram modulados, isto é, não foi fixado a partir de quando, no tempo, esse entendimento será aplicado.

 

Embora essa decisão não esteja limitada em seus efeitos ao PIS/COFINS sobre receitas financeiras, o STF chancelou essa prática pelo Executivo o qual está autorizado a promover sua majoração até 11,75% e sua redução até 9,25%. Como ela está fixada em 4,65%, atualmente, não é de estranhar que, dentro em breve, venha a ser majorada. Principalmente porque a União está precisando desesperadamente de recursos.

 

No julgamento do STF aqui relatado, o relator Dias Toffoli concluiu que o princípio da legalidade tributária não é fechado, estrito, imutável e que a utilização de alíquotas com função extrafiscal, isto é, não meramente arrecadatória, pode ser tolerado, desde que presentes um teto fixado pela lei e critérios para as alterações.

 

Ressaltam óbvias algumas contradições gritantes. Uma delas tem a ver com função extrafiscal, que o CTN, conforme atrás visto, só permite para alguns impostos. Não para contribuições.


Além do que, óbvia a ausência desses tais critérios na lei ordinária (o § 2º do art. 27, acima reproduzido, termina assim: “nas hipóteses que fixar”). Quem fixar? O decreto, porque a autoridade discricionária foi conferida pela lei ao Poder Executivo. 

 

Ora, se o decreto vai fixar as hipóteses, isto é, os “critérios” de sua aplicação, não terá sido a lei, então, que fixara tais critérios, mas sim o próprio decreto, o que efetivamente não se coaduna com a conclusão do relator, de modo que ante a ausência, na lei, dos tais critérios, não autorizaria a conclusão a que se chegou em favor da constitucionalidade da alteração de alíquotas tributárias por decreto.

 

A tese fixada na repercussão geral foi no sentido de que “é constitucional a flexibilização da legalidade tributária constante no parágrafo 2º do artigo 27 da Lei nº 10.865/2004, no que permitiu ao Poder Executivo, prevendo as condições e fixando os tetos, reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS e COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo, estando presente o desenvolvimento de função extrafiscal”

 

Alertando que condição, na terminologia jurídica, possui o sentido de cláusula ou disposição que se insere em um contrato (e também na lei), para que dela dependa a execução de um ato futuro ou dela dependa a eficácia de um ato jurídico (De Plácido e Silva).

 

Como se viu da redação do art. 27, nem fixou ele as condições, tampouco os critérios. Esses foram integralmente supridos pelo Decreto 8.426/15:

 

“Art. 1º - Ficam restabelecidas para 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por cento), respectivamente, as alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS incidentes sobre receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa das referidas contribuições.

§ 1º -  Aplica-se o disposto no caput inclusive às pessoas jurídicas que tenham apenas parte de suas receitas submetidas ao regime de apuração não-cumulativa da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS.

§ 2º - Ficam mantidas em 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) e 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento), respectivamente, as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS aplicáveis aos juros sobre o capital próprio.

§ 3º - Ficam mantidas em zero as alíquotas das contribuições de que trata o caput incidentes sobre receitas financeiras decorrentes de variações monetárias, em função da taxa de câmbio, de:  

I - operações de exportação de bens e serviços para o exterior; e 

II - obrigações contraídas pela pessoa jurídica, inclusive empréstimos e financiamentos.  

§ 4º - Ficam mantidas em zero as alíquotas das contribuições de que trata o caput incidentes sobre receitas financeiras decorrentes de operações de cobertura (hedge) realizadas em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros ou no mercado de balcão organizado destinadas exclusivamente à proteção contra riscos inerentes às oscilações de preço ou de taxas quando, cumulativamente, o objeto do contrato negociado:  

a) estiver relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica; e 

b) destinar-se à proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica.  

Art. 2º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de julho de 2015.

Art. 3º - Fica revogado, a partir de 1º de julho de 2015, o Decreto nº 5.442, de 9 de maio de 2005 .” 

 

Critérios e condições estão desenhados no Decreto quando determina a incidência sobre receitas financeiras, inclusive sobre hedge. Idem quanto aos juros sobre capital próprio, ambas, hipóteses não expressamente previstas no dito art. 27, § 2º.

 

Quando o povo perde a confiança em suas instituições porque essas fracassaram em provê-lo no aspecto mais caro ao ser humano, a esperança, então passa-se a assistir o que vem ocorrendo com os venezuelanos: vão-se embora do País, em massa.

 

Mas nem tudo está perdido neste assunto. Veja-se, no julgamento foi analisada a constitucionalidade das majorações de alíquotas de tributo por Decreto. Há, ainda, espaço para discussão de outros fundamentos, a saber: a) não devem ser tributadas receitas financeiras por empresas não-financeiras, isto é, que não tenham receitas financeiras como atividade ou objeto principal; b) o tratamento anti-isonômico da lei ao permitir que instituições financeiras deduzam custos e despesas de sua receita, reduzindo indiretamente a alíquota efetiva dessas contribuições, alternativa não oferecida aos demais contribuintes; c) o DL 1598/77 alterado pela Lei 12.973/14 estabelece o conceito de receita bruta como sendo: i) o produto de venda; ii) preço auferido na prestação de serviços; iii) receitas das atividades ou objeto principal da pessoa jurídica, não estando aí incluídas as receitas financeiras, etc. 

 

Com esses fundamentos, a discussão judicial na Suprema Corte passa a ser direcionada para a inconstitucionalidade integral da exigência do PIS/COFINS sobre receitas financeiras, não se limitando ao ano de 2015 em diante, quando passou a viger o Decreto 8.426/2015, sequer se limitando à discussão sobre majoração de alíquotas por Decreto, agora declarado constitucional! É óbvio que, em decorrência da decadência, a discussão no Judiciário se limitará aos últimos 5 anos.

 

Outra estratégia importantíssima, tem a ver com a sinalização dada pela 1ª Turma do STJ em favor dos contribuintes. Ali, como sabido, julga-se ilegalidades. Os pontos acima colocados (não tributação de receitas financeiras por empresas não-financeiras; tratamento anti-isonômico da lei comparativamente às atividades exercidas por instituições financeiras; não inclusão de receitas financeiras no conceito de receita bruta), estão todos jungidos à ilegalidade, não à inconstitucionalidade, de modo que podem e devem ser apreciados pelo STJ.

 

Por isso, insistimos que os contribuintes devem prosseguir nessa discussão porque outros fundamentos embasam a tese que sustenta seus direitos.

 

Franco Advogados Associados

13.12.2020

 

PIS/COFINS sobre receitas financeiras

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

VALE TRANSPORTE – NÃO INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

  



 

 

Sob o título “Não Incidência da Contribuição Previdenciária sobre Verbas Trabalhistas devidas pelo Empregador – Economia Tributária – Critérios – Atualização do Tema”, de 08/05/2018, afirmamos inincidir Contribuição Previdenciária sobre vale-transporte, em consonância com julgado do STF (RE 478.410/SP) de 2010.

 

A Lei 7418/85 e o Decreto 95247/87 já dispuseram que o benefício do vale-transporte não tem natureza salarial, tampouco se incorpora à remuneração para qualquer efeito, assim como não integra a base de incidência da Contribuição Previdenciária, ou do FGTS.

 

Lei 7418/85

 

“Art. 2º - O Vale-Transporte, concedido nas condições e limites definidos, nesta Lei, no que se refere à contribuição do empregador:

 

a)    Não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos;

b)    Não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço;

c)    Não se configura como rendimento tributável do trabalhador.”

 

Decreto 95247/87

 

  Art. 6° O Vale-Transporte, no que se refere à contribuição do empregador:

        I - não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração do beneficiário para quaisquer efeitos;

        II - não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço;

        III - não é considerado para efeito de pagamento da Gratificação de Natal (Lei n° 4.090, de 13 de julho de 1962, e art. 7° do Decreto-lei n° 2.310, de 22 de dezembro de 1986);

        IV - não configura rendimento tributável do beneficiário.”

 

E a Lei 8212/91, que instituiu o Plano de Custeio da Seguridade Social dispôs:

 

“Art. 28 – Entende-se por salário-de-contribuição:

(...)

§ 9º - Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:

(...)

f) a parcela recebida a título de vale-transporte, na forma da legislação própria;”

 

Aquele julgamento do STF, embora tratando de vale-transporte pago em dinheiro ao empregado, contém elementos definidores importantíssimos acerca da natureza indenizatória do benefício. Confira-se do voto da Min. Cármen Lúcia:

 

“... como foi posto já parece-me que pelo Relator e realçado pelo Ministro Ayres Britto, na verdade, aqui se tem uma situação em que rigorosamente não há um ganho. A lei proíbe o ganho a qualquer título. Aqui não é ganho. Aqui é recebimento de uma (sic) determinado valor para que ele possa ter esse transporte sem que o seu ganho, que este sim é a contraprestação pelo trabalho, possa ser onerado, razão pela qual acompanho o Relator.”

 

Ainda naquele julgamento o Ministro Ayres Britto concluiu não ser possível a cobrança de tributo sobre parcela que não tem caráter salarial, mas indenizatório, o qual não integra o cálculo para fins de aposentadoria ou pensão.

 

“E cobrar tributos sobre uma verba que não é salarial. Tem caráter indenizatório, tanto que não integra os benefícios do trabalhador quando da aposentadoria nem a pensão dos seus dependentes.

(...)

Não incide imposto de renda, por exemplo, sobre essa parcela, não repassada para aposentadoria.”

 

Embora aquela decisão proferida naquele RE, em que era Recorrente o Unibanco, não tenha produzido efeitos gerais, ou seja, produziu efeitos apenas entre as partes, mostrou-se valioso precedente para os contribuintes, empregador e empregado, objetivando a declaração de inconstitucionalidade, bem como para pleitear a restituição dos recolhimentos efetuados indevidamente durante os últimos 5 anos.

 

Em que pese isto, a RFB publicou a Solução de Consulta Cosit 58 de 23/06/2020, para definir que sobre parte dos valores pagos pelo empregador incide Contribuição Previdenciária. Veja-se:

 

Ementa: Contribuições Sociais Previdenciárias. Vale-Transporte. Auxílio Alimentação. Retenção. Base de Cálculo.

É dedutível da base de cálculo da contribuição previdenciária a ser retida, apenas o valor efetivamente pago pela empresa para o transporte do trabalhador, descontada a parcela suportada pelo empregado. Não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de vale-transporte por meio de vale-combustível ou semelhante. A não incidência da contribuição está limitada ao valor equivalente ao estritamente necessário para o custeio do deslocamento residência/trabalho e vice-versa, em transporte coletivo, conforme prevê o art. 1º da Lei nº 7.418 (...). O empregador somente poderá suportar a parcela que exceder a seis por cento do salário básico do empregado. Caso deixe de descontar este percentual do salário do empregado, ou desconte percentual inferior, a diferença deverá ser considerada como salário indireto e sobre ela incidirá contribuição previdenciária e demais tributos.

O valor pago pela empresa a título de auxílio-alimentação é dedutível da base de cálculo da retenção da contribuição previdenciária. Se parcela desse auxílio for descontada da remuneração do empregado, esses valores comporão o salário de contribuição e não serão dedutíveis da base de cálculo, seja ele calculado sobre a folha de pagamento ou relativo à retenção de 11% (...) do valor bruto da nota fiscal, da fatura ou do recibo de prestação de serviços.”

 

Nesse caso a RFB respondia a uma consulta de uma autarquia federal, que queria saber sobre sua obrigação de efetuar a retenção de 11% do valor da Nota Fiscal, a título de Contribuição Previdenciária patronal incidente sobre os valores totais, ou descontada a parte dos empregados, correspondentes aos vales-transporte e auxílio-alimentação. 

 

E a RFB foi mais longe: se eventual parcela desse auxílio for descontada da remuneração, esses valores comporão o salário contribuição e, portanto, não serão dedutíveis da base de cálculo, seja ele calculado sobre a folha de pagamento ou relativo à retenção de 11% do valor bruto da Nota Fiscal de prestação de serviços.

 

Para Wagner Balera, um dos maiores especialistas no País sobre o tema Previdência Social, a Lei 13.467 dispôs, expressamente, que essas verbas estão excluídas da base de cálculo da contribuição devida à Previdência Social. E completa, que na base de cálculo só deve entrar a remuneração do trabalhador, por serem valores que refletem os benefícios concedidos pela Previdência Social. Em linha com o entendimento do ex-Ministro Ayres Britto, afirmou que o vale-transporte não repercute nos benefícios assegurados – refere-se à aposentadoria –, portanto não integram sua base de cálculo (Valor Econômico, 02/07/20)

 

Naquela decisão do STF, de 2010, acima citada, concluiu-se que a incidência do vale-transporte pago em dinheiro é inconstitucional porque, qualquer que seja a forma de pagamento, sua natureza é indenizatória. 

 

No caso de empresa que, tendo descontado do empregado percentual inferior a 6%, a diferença entre o que foi descontado e 6% deve ser considerada salário indireto para sobre ela calcular a Contribuição Previdenciária e IR-Fonte? Inclusive contribuições ao sistema S?

 

A resposta é não! Por quê? Porque a despeito da manifestação posta na SC 58/2020, se o STF julgou pela inincidência da Contribuição Previdenciária sobre vale-transporte dada sua natureza indenizatória, portanto, não remuneratória (não salarial), sua natureza jurídica não sofre qualquer mutação em razão de o empregador ter descontado 6%, conforme previsto na lei, ou 4%. 

 

Não faz qualquer sentido entender que a diferença, no exemplo, de 2% descontado a menor do empregado, transmute sua natureza indenizatória para salarial.

 

E, se a Previdência Social não pode exigir Contribuição Previdenciária sobre o vale-transporte, não o pode sobre qualquer que seja o percentual descontado do empregado.

 

Para concluir, vamos tomar o seguinte exemplo: 

 

Hipótese I

a)    Salário: R$ 2.000,00

b)    Custo com transporte do trabalhador: R$ 160,00

c)    Valor que a empresa pode descontar do trabalhador: R$ 2.000,00 x 6% = R$ 120,00

d)    Valor com que a empresa arcará desse custo = R$ 40,00

 

Hipótese II

e)    Salário: R$ 2.000,00

f)     Custo com transporte do trabalhador: R$ 160,00

g)    Valor que a empresa pode descontar do trabalhador: R$ 2.000,00 x 6% = R$ 120,00

h)   Valor que a empresa efetivamente desconta (4%) = R$ 80,00

i)     Valor com que a empresa arcará desse custo = R$ 80,00

 

Diferenças entre Hipóteses I e II:

j)     Valor descontado do trabalhador = R$ 120,00 – R$ 80,00 = R$ 40,00

k)    Custo adicional para a empresa = R$ 80,00 – R$ 40,00 = R$ 40,00

 

Se a empresa, no exemplo aqui posto, subvenciona a mais o transporte de seu trabalhador em R$ 40,00 (2%), como é que, tendo ela incrementado seu custo com o transporte em 2% venha a ser compelida, pelo entendimento da RFB, contra entendimento do STF, a recolher Contribuição Previdenciária sobre 2% como se a verba destinada ao transporte perdesse a natureza indenizatória e passasse a ter natureza remuneratória?

 

Remarque-se: esses 2% – no exemplo aqui representado por R$ 40,00 – apenas não foi dele, empregado, descontado, mas continua sendo verba destinada ao transporte dele. Tanto assim é, que a empresa assumiu esse custo para transportá-lo.

 

Pode-se alegar que ao dispor a Lei 7418/85 “... concedido nas condições e limites definidos, nesta Lei, no que se refere à contribuição do empregador” traria, por consequência lógica, a constatação de que, fora das condições e limites nela previstos desnaturaria os parâmetros da inincidência previdenciária, tornando tudo, ou no exemplo, pelo menos 2%, em algo passível de incidência previdenciária! E a resposta prossegue sendo não porque essa verba, por não ter natureza remuneratória, dentro ou fora do parâmetro legal, persevera indenizatória.

 

Por isso é que os contribuintes estão intitulados e pedir restituição de todo o montante indevida, ilegal e inconstitucionalmente pago aos cofres previdenciários nos últimos 5 anos. Nessa restituição retornará tudo o que foi pago indevidamente, inclusive, no exemplo, Contribuição Previdenciária sobre os R$ 40,00 adicionais (2%).

 

Franco Advogados Associados

São Paulo, 13/11/20

 

Veja também:


Não Incidência da Contribuição Previdenciária sobre Verbas Trabalhistas devidas pelo Empregador – Economia Tributária – Critério – Atualização do Tema