domingo, 13 de dezembro de 2020

Declaração da constitucionalidade, pelo STF, do aumento ou redução de alíquota de tributo por Decreto

 



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O “princípio” constitucional da legalidade foi profundamente fragilizado em sua força principiológica por decisão da Suprema Corte em 09/12/2020. Alertando que “princípio” contém muito mais força que mero enunciado. Princípio é base e tudo o mais decorre dele. É, por isso mesmo, imutável porque, se mutável, já não mais será “princípio”. 

 

A base de toda a ordem jurídica num regime democrático decorre dele. Por isso, no plano geral dessa ordem, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma que não esteja prevista em lei (CF, art. 5º, II). Do contrário, está-se a viver sob regime de exceção ou, mais explicitamente, numa ditadura. 

 

No ordenamento tributário nacional o princípio da legalidade veda à União, Estados e Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei (CF, art. 150, I). No que é repetido pelo Código Tributário Nacional, segundo o qual somente lei pode estabelecer a fixação de alíquotas do tributo e de suas bases de cálculo, ressalvado o imposto de importação, o imposto de exportação, o ITBI nos casos de imóveis comercializados dentro da política nacional de habitação e o IOF (CTN, art. 97, IV).

 

Como esses tributos têm função extrafiscal, isto é, podem ser utilizados como política de direcionamento da economia o que, por isso mesmo, exige agilidade incompatível com a morosidade dos processos legislativos, daí porque sabiamente a eles atribuída essa função, não restrita às finalidades meramente arrecadatórias.

 

Lei é como tal considerada, pela Constituição, a lei ordinária emanada do Legislativo. Decreto não é lei. É ato do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). 

 

Essa regra que atende por “princípio da legalidade” vem da Inglaterra, a partir da atuação combativa de barões ingleses que, em 10/06/1215, tomaram a cidade de Londres obrigando o rei João Sem-Terra a assinar uma Carta Magna, limitando seus poderes e estabelecendo que impostos só poderiam ser criados mediante leis aprovadas por um conselho formado por nobres (origem do legislativo inglês, Câmara dos Lordes). Essa regra foi, desde então, incorporada ao Direito inglês e, daí, expandindo-se para o mundo civilizado.

 

Voltando ao Brasil, estava em discussão no julgamento do STF se Decreto pode reduzir ou aumentar alíquotas de tributos, quando a própria Constituição Federal dispõe que somente lei pode fazê-lo, no que é repetida pelo Código Tributário Nacional, conforme atrás visto. 

 

A conclusão a que chegaram os Ministros, por mais esdrúxula que pareça – aliás, como de resto vem demonstrando essa nossa Corte Constitucional cujos membros realmente revelam estatura de mini, apequenados, porque se grandiosos em seus exemplos e sábios em suas decisões, teriam em suas designações “magis” e, então, zelariam pela preservação da força da Constituição sobre toda a ordem jurídica do País –, foi que, sim, Decreto pode alterar as alíquotas de tributos. 

 

Para melhor entendimento deste tema, fazemos remissão aos nossos comentários, bem completos e abrangentes, em “PIS/COFINS sobre Receitas Financeiras”, de 05/07/2019.

 

Este assunto recebeu, ali, nossa abordagem sob uma perspectiva bem prática: o aumento das alíquotas do PIS/COFINS sobre aplicações financeiras (0,65% PIS e 4% COFINS), promovido pelo Decreto 8.426/2015, as quais haviam sido reduzidas a zero em 2004 pelo Decreto 5.164 e confirmado pelo Decreto 5.442/2005, exclusivamente para empresas no regime não-cumulativo de apuração de ambas as contribuições.

 

No julgamento dessa questão pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 17/10/2017 (REsp 1.586.950), sobressaiu a conclusão de que a Lei 10.865/04 que, por seu art. 27, § 2º, permitiu ao Executivo reduzir ou restabelecer alíquotas, é reconhecidamente inconstitucional. Como não cabe ao STJ declarar inconstitucionalidades, então essa questão deveria ser analisada pelo STF.

 

Foi o que fez agora o STF ao julgar a constitucionalidade do art. 27, § 2º da Lei 10.865/04.

 

“Art. 27 – (...)

§ 2º - O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8º desta Lei, as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não-cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que fixar”

 

Foi declarada constitucional, pelo STF, por maioria de 8 a 1, no âmbito do Recurso Extraordinário 1.043.313 (Tema 939 de Repercussão Geral), provocando impacto favorável à União estimado em R$ 32,8 bilhões. Os efeitos dela não foram modulados, isto é, não foi fixado a partir de quando, no tempo, esse entendimento será aplicado.

 

Embora essa decisão não esteja limitada em seus efeitos ao PIS/COFINS sobre receitas financeiras, o STF chancelou essa prática pelo Executivo o qual está autorizado a promover sua majoração até 11,75% e sua redução até 9,25%. Como ela está fixada em 4,65%, atualmente, não é de estranhar que, dentro em breve, venha a ser majorada. Principalmente porque a União está precisando desesperadamente de recursos.

 

No julgamento do STF aqui relatado, o relator Dias Toffoli concluiu que o princípio da legalidade tributária não é fechado, estrito, imutável e que a utilização de alíquotas com função extrafiscal, isto é, não meramente arrecadatória, pode ser tolerado, desde que presentes um teto fixado pela lei e critérios para as alterações.

 

Ressaltam óbvias algumas contradições gritantes. Uma delas tem a ver com função extrafiscal, que o CTN, conforme atrás visto, só permite para alguns impostos. Não para contribuições.


Além do que, óbvia a ausência desses tais critérios na lei ordinária (o § 2º do art. 27, acima reproduzido, termina assim: “nas hipóteses que fixar”). Quem fixar? O decreto, porque a autoridade discricionária foi conferida pela lei ao Poder Executivo. 

 

Ora, se o decreto vai fixar as hipóteses, isto é, os “critérios” de sua aplicação, não terá sido a lei, então, que fixara tais critérios, mas sim o próprio decreto, o que efetivamente não se coaduna com a conclusão do relator, de modo que ante a ausência, na lei, dos tais critérios, não autorizaria a conclusão a que se chegou em favor da constitucionalidade da alteração de alíquotas tributárias por decreto.

 

A tese fixada na repercussão geral foi no sentido de que “é constitucional a flexibilização da legalidade tributária constante no parágrafo 2º do artigo 27 da Lei nº 10.865/2004, no que permitiu ao Poder Executivo, prevendo as condições e fixando os tetos, reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS e COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo, estando presente o desenvolvimento de função extrafiscal”

 

Alertando que condição, na terminologia jurídica, possui o sentido de cláusula ou disposição que se insere em um contrato (e também na lei), para que dela dependa a execução de um ato futuro ou dela dependa a eficácia de um ato jurídico (De Plácido e Silva).

 

Como se viu da redação do art. 27, nem fixou ele as condições, tampouco os critérios. Esses foram integralmente supridos pelo Decreto 8.426/15:

 

“Art. 1º - Ficam restabelecidas para 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por cento), respectivamente, as alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS incidentes sobre receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa das referidas contribuições.

§ 1º -  Aplica-se o disposto no caput inclusive às pessoas jurídicas que tenham apenas parte de suas receitas submetidas ao regime de apuração não-cumulativa da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS.

§ 2º - Ficam mantidas em 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) e 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento), respectivamente, as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS aplicáveis aos juros sobre o capital próprio.

§ 3º - Ficam mantidas em zero as alíquotas das contribuições de que trata o caput incidentes sobre receitas financeiras decorrentes de variações monetárias, em função da taxa de câmbio, de:  

I - operações de exportação de bens e serviços para o exterior; e 

II - obrigações contraídas pela pessoa jurídica, inclusive empréstimos e financiamentos.  

§ 4º - Ficam mantidas em zero as alíquotas das contribuições de que trata o caput incidentes sobre receitas financeiras decorrentes de operações de cobertura (hedge) realizadas em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros ou no mercado de balcão organizado destinadas exclusivamente à proteção contra riscos inerentes às oscilações de preço ou de taxas quando, cumulativamente, o objeto do contrato negociado:  

a) estiver relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica; e 

b) destinar-se à proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica.  

Art. 2º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de julho de 2015.

Art. 3º - Fica revogado, a partir de 1º de julho de 2015, o Decreto nº 5.442, de 9 de maio de 2005 .” 

 

Critérios e condições estão desenhados no Decreto quando determina a incidência sobre receitas financeiras, inclusive sobre hedge. Idem quanto aos juros sobre capital próprio, ambas, hipóteses não expressamente previstas no dito art. 27, § 2º.

 

Quando o povo perde a confiança em suas instituições porque essas fracassaram em provê-lo no aspecto mais caro ao ser humano, a esperança, então passa-se a assistir o que vem ocorrendo com os venezuelanos: vão-se embora do País, em massa.

 

Mas nem tudo está perdido neste assunto. Veja-se, no julgamento foi analisada a constitucionalidade das majorações de alíquotas de tributo por Decreto. Há, ainda, espaço para discussão de outros fundamentos, a saber: a) não devem ser tributadas receitas financeiras por empresas não-financeiras, isto é, que não tenham receitas financeiras como atividade ou objeto principal; b) o tratamento anti-isonômico da lei ao permitir que instituições financeiras deduzam custos e despesas de sua receita, reduzindo indiretamente a alíquota efetiva dessas contribuições, alternativa não oferecida aos demais contribuintes; c) o DL 1598/77 alterado pela Lei 12.973/14 estabelece o conceito de receita bruta como sendo: i) o produto de venda; ii) preço auferido na prestação de serviços; iii) receitas das atividades ou objeto principal da pessoa jurídica, não estando aí incluídas as receitas financeiras, etc. 

 

Com esses fundamentos, a discussão judicial na Suprema Corte passa a ser direcionada para a inconstitucionalidade integral da exigência do PIS/COFINS sobre receitas financeiras, não se limitando ao ano de 2015 em diante, quando passou a viger o Decreto 8.426/2015, sequer se limitando à discussão sobre majoração de alíquotas por Decreto, agora declarado constitucional! É óbvio que, em decorrência da decadência, a discussão no Judiciário se limitará aos últimos 5 anos.

 

Outra estratégia importantíssima, tem a ver com a sinalização dada pela 1ª Turma do STJ em favor dos contribuintes. Ali, como sabido, julga-se ilegalidades. Os pontos acima colocados (não tributação de receitas financeiras por empresas não-financeiras; tratamento anti-isonômico da lei comparativamente às atividades exercidas por instituições financeiras; não inclusão de receitas financeiras no conceito de receita bruta), estão todos jungidos à ilegalidade, não à inconstitucionalidade, de modo que podem e devem ser apreciados pelo STJ.

 

Por isso, insistimos que os contribuintes devem prosseguir nessa discussão porque outros fundamentos embasam a tese que sustenta seus direitos.

 

Franco Advogados Associados

13.12.2020

 

PIS/COFINS sobre receitas financeiras

 

 

 

 

 

 

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