RATEIO DE
DESPESAS – APROPRIAÇÃO ENTRE EMPRESAS LIGADAS – ATENÇÃO ESPECIAL SOBRE OS
REQUISITOS EXIGIDOS PARA NÃO SER INDEVIDAMENTE TRIBUTADO!
ATENÇÃO:
Sobre esse tema, leia também em www.francoadvogados.com.br
o nosso Artigo “Rateio de Despesas entre Empresas Ligadas – Infeliz Posicionamentodo Fisco – Desconsideração da Realidade Empresarial – Nossa Sugestão” (matéria
publicada no Jornal Valor Econômico em 17.11.2011)
As empresas que mantêm entre si relações societárias – holdings, especialmente, mas também empresas
interligadas, coligadas, ou ligadas por qualquer meio --, aproveitam essa
condição de estruturação de seus negócios para reduzir custos de produção e
despesas industriais e administrativas. Trata-se de simples aplicação da
conhecida prática de comprar no atacado ao invés de no varejo para obter descontos
mais atraentes.
Nesses casos, uma das empresas, normalmente a controladora (holding), contrata uma terceira empresa
para prestar serviços para o grupo econômico. Por exemplo, serviço de contabilidade,
RH, segurança, limpeza, etc. As demais empresas do grupo, beneficiadas, são
obrigadas, a título de rateio de despesas, a transferir recursos para a
controladora, na proporção do benefício auferido.
Numa outra situação, também comumente presente no dia-a-dia
empresarial, a empresa controladora disponibiliza sua força de trabalho
administrativo interno para prestar serviços também para as demais empresas do
grupo.
A diferença entre ambas as situações é que no primeiro caso a
controladora contrata terceiras empresas para prestarem serviços para todas as
empresas do grupo, muitas vezes inclusive para si, e compartilha as despesas
correspondentes com as demais empresas do grupo. No segundo, ela utiliza sua própria
força de trabalho interna e compartilha as despesas correspondentes com as
demais.
Isso sempre foi assim. E é algo absolutamente lícito e conforme
com a ampla liberdade do empresário de gerir seus negócios de forma mais
econômica perseguindo lucros e dividendos, razão de existência de qualquer
empreendimento (Lei 6404/76, art. 2º, caput; Código Civil, art. 997, VII), nada
mais traduzindo que o retorno, justo, do capital investido. Quanto maior
eficiência empresarial lograr reduzir custos e despesas, maior o lucro. E esse,
afinal tributável pelo IRPJ e CSLL. Pronto! Simples assim! Mas não assim para a
Receita Federal (RFB).
A Superintendência da Receita Federal do Brasil da 6ª Região
Fiscal (Minas Gerais) publicou uma Solução de Consulta manifestando seu
entendimento no sentido de que o rateio, entre empresas, de despesas com
serviços de contabilidade e recursos humanos por elas compartilhados, deve ser
registrado como receita pela empresa controladora do grupo (holding). Trata-se da Solução de
Consulta nº 84 de 30 de agosto de 2011.
“Grupo Econômico. Rateio de Despesas. Escrituração de Receitas. No
caso de despesas realizadas por grupos econômicos que, por questões
empresariais, concentram-se em uma das empresas, é possível a realização de
rateio para as demais empresas do grupo. Há que se observar, no entanto,
critérios de rateio que correspondam à efetiva imputação da despesa. Tais
critérios devem ser comprovados e registrados em contrato escrito, formalizado
entre as empresas do grupo, utilizando-se de critérios objetivos e previamente
ajustados. Os valores recebidos em virtude do uso compartilhado de serviços
administrativos, referentes à contabilidade, recursos humanos, dentre outros,
representam receitas de serviços e devem ser escriturados como receita
tributável da empresa líder (centro de custos).”
Esse posicionamento do fisco foi capaz, no caso concreto, de
provocar aumento no IRPJ, CSLL, PIS e Cofins da empresa consulente.
No início de 2011 a Superintendência da RFB da 9ª Região Fiscal
(Paraná e Santa Catarina) havia editado a Solução de Consulta (SC) 38 com
entendimento contrário. Por aquela SC nº 38 pronunciou-se no sentido de que o
valor rateado não caracteriza receita da controladora. Para isso, bastaria que
o contrato firmado com o prestador dos serviços previsse o coeficiente de
rateio correspondente a cada empresa beneficiária dos serviços prestados.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) do Ministério
da Fazenda também julga os processos administrativos oriundos de Autos de
Infração lavrados contra os contribuintes alinhado com o entendimento expendido
na SC 38.
Como tudo em se tratando de burocracia e sanha arrecadatória
brasileiras, o que já é ruim pode ficar pior, quando a RFB autua o contribuinte, o fisco municipal
também exige o ISS!
A diferença no entendimento do fisco estampada nas duas Soluções
de Consulta parece estar no fato de que quando terceira empresa é contratada,
as despesas podem ser rateadas. Quando seus próprios empregados são utilizados
para prestar serviços para outras empresas do grupo, o rateio de despesas
constitui, para aquela que compartilha sua força de trabalho – normalmente, holding – receita tributável.
A Constituição Federal abre o Título VII, “Da Ordem Econômica e
Financeira”, Capítulo I, “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”, com o
comando segundo o qual a ordem econômica se funda na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa e tem por fim assegurar a todos existência digna
(art. 170, caput), sendo a todos
assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica (art. 170, par.
único). Mais ainda, como agente normativo e regulador da atividade econômica, o
Estado exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo
este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (art.
174, caput).
O que vale dizer, respeitada a livre iniciativa e o livre
exercício da atividade econômica, o Estado tem o dever de fiscalizar, o que o
faz, no caso da União, por meio da RFB. Entretanto, o planejamento das atividades
estatais é restrita ao ente público (União, Estados e Municípios) pois para
esses é ele, planejamento, obrigatório. Já, por outro lado, no setor privado, a
forma como as empresas estruturam seus negócios, não pode ser alcançada ou mesma
tolhida pelo ente público! Isso está expresso na Constituição Federal.
Entretanto, observa-se, aspectos negociais, comerciais,
estruturais da administração interna das empresas não ter qualquer valia ante
uma visão tão invasiva da administração pública brasileira, no caso mais
especificamente, da administração fiscal, capaz de imiscuir-se em tudo, como se
os administrados não fossem apenas isto! Somos todos tratados como incapazes de
gerir nossos próprios negócios, de conduzir nossas próprias decisões!
Pode-se alegar que a decisão da RFB não retira do cidadão
contribuinte a liberdade de escolha. É verdade! Mas o ato de dirigir seus
próprios negócios como lhe apraz tem um custo imposto pela visão medíocre estatal,
esta, inegociável! E isso é simplesmente inaceitável!
Por que? Primeiramente porque, se ao perseguir o contribuinte a
redução de seus custos tem ele que oferecer ao Estado fisco famélico uma
contrapartida da redução obtida – o que nem de longe pode ser caracterizado
como receita --, é evidente que a condição imposta pelo Estado para
permitir-lhe livremente estabelecer suas escolhas é totalmente limitada.
Receita bruta é conceito estabelecido na lei (lei das S/A): o
resultado das vendas e serviços (Lei 6404/76, art. 187, I). Custos e despesas,
pagos ou incorridos, guardam absoluta correlação com as receitas obtidas (Lei
6404/76, art. 187, § 1º, “b”).
É bem verdade que os descontos obtidos de fornecedores integra a
receita de quem contrata com tais fornecedores. No caso, o ganho seria da
controladora. Entretanto, como ele nasce diretamente da negociação comercial
com o fornecedor e não tem existência discriminada em nenhum contrato, fatura,
documento, etc, porquanto nascido em fase anterior à formação do contrato, portanto
esse desconto comercial formalmente inexiste. O contrato formalmente redigido
já expressará o preço final celebrado entre as partes, sem qualquer alusão a
descontos; é o preço contratado. Assim, não tendo existência, não pode ser
tributado.
A lei autoriza que, no caso de investimentos por elas mantidos em
coligadas e controladas, seja indicado em notas explicativas das demonstrações
financeiras o montante das receitas e despesas nas operações entre a
controladora e suas coligadas e controladas (Lei 6404/76, art. 247, V). Mas
recuperação de despesas, ainda assim, persiste não tendo natureza jurídica de
receita, menos ainda, tributável.
No capítulo da Lei das S/A que dispõe sobre os prejuízos
resultantes de atos contrários à Convenção (art. 276), está previsto que a
combinação de recursos e esforços, a subordinação dos interesses de uma sociedade
aos de outra, ou do grupo, e a participação em custos somente poderão ser
opostos aos sócios minoritários das sociedades filiadas nos termos da convenção
do grupo.
E, aos minoritários, nesse caso, é reconhecido legítimo direito de
ação contra os administradores do grupo de empresas que se encontram sob uma
mesma Convenção, e também contra a sociedade de comando, visando reparação dos
prejuízos resultantes de atos praticados com infração das normas convencionais,
observado, ainda, que a controladora, se condenada, será obrigada a reparar os
danos e arcar com as custas judiciais, honorários advocatícios e prêmio de 5%
ao autor da ação, calculado sobre o valor da indenização (Lei 6404/76, art. 276,
§ 3º c/c 246, § 2º).
Conclusão: se em benefício do grupo econômico, inclusive em prol
das empresas ligadas, é sempre legítima a contratação e o rateio, reconhece a
lei.
Se a lei estabelece que receita bruta é o resultado das vendas e
serviços, pode-se obtemperar, com certa razão, que versando sobre serviços a questão
apresentada na SC 84, logo, haveria base legal para a exigência fiscal. Essa
conclusão, contudo, é desprovida de um fundamento básico de direito empresarial:
os serviços cujas despesas são rateadas pela controladora com as demais
empresas do grupo econômico não constituem objeto social dela, isto é, não foi ela
constituída para prestar serviços de back-office, ou de manutenção ou mesmo de
vigilância, por exemplo. Portanto, jamais poderiam ser considerados receita e,
menos ainda, tributada.
O objeto social é condição para a inscrição do empresário (Código
Civil, art. 968, IV), sendo empresária a sociedade que tem por objeto o
exercício de atividade própria de empresário (Código Civil, art. 982), constituindo-se
ela mediante contrato escrito do qual constem os elementos exigidos, dentre
eles, o objeto social (Código Civil, art. 997, II). Apesar da importância de
que desfruta o objeto social – tanto assim que o capital pode ser reduzido se
excessivo em relação ao objeto da sociedade (Código Civil, art. 1082, II) –
poucos se atêm a esse aspecto visceral. E o fisco se aproveita dessa leniência
do contribuinte para exigir tributo onde nem de longe cabível tal exigência.
Num caso anterior (SC 194 – 8ª Região Fiscal de 08/07/2008) a RFB
concluiu, numa consulta que versou sobre rateio de despesas de propaganda, que
para fins de apuração de PIS e COFINS não-cumulativo, integra a base de cálculo
toda e qualquer receita auferida pela pessoa jurídica, ainda que referente ao
reembolso decorrente do rateio, de custos e despesas pela contratante do
serviço, com seus fornecedores.
A doutrina de Hiromi Higuchi (Imposto de Renda das Empresas,
Interpretação e Prática, IR Publicações, 2011, 36ª ed., p. 895) concluiu inexistir
base legal para tal exigência ao entendimento de que reembolso recebido de
custos e despesas não é receita. Foi mais longe, sugerindo às empresas ignorarem
a decisão!
Cita, em defesa de seu entendimento, o exemplo em que a indústria
promove intensa campanha publicitária de um produto novo, cujos custos e
despesas são suportados em parte pelas empresas revendedoras do produto, o que frequentemente
ocorria no passado com cervejas e refrigerantes. No rateio das despesas de
propaganda há contrato prévio cujas cláusulas preveem que a totalidade do custo
não é da indústria. Razão pela qual a parcela do custo que será reembolsado
pelas empresas revendedoras do produto deve ser escriturada numa conta transitória
do Ativo Circulante, a qual será creditada no recebimento do reembolso. Não há
receita tributável pelo PIS e COFINS.
Prosseguindo com a decisão na SC 84 de agosto de 2011, cabe aqui
alusão a uma hipótese interessante: suponha-se que a contratante dos serviços
de back office, ou fornecedora de
tais serviços, por exemplo, não seja a controladora, mas sim uma de suas
controladas. Nesse caso em que a controlada contratasse uma terceira empresa
prestadora de serviços para prestar serviços para todas as empresas do grupo,
inclusive para a controladora e desta cobrasse o rateio de despesas, seria
legítimo que o fisco viesse a caracterizar o benefício auferido pela
controladora como DDL (distribuição disfarçada de lucro) ao fundamento de
negócio em condições favorecidas, como tal entendido aquele em que há condições
mais vantajosas para a controladora do que as que prevalecem no mercado ou em
que a controladora contrataria com terceiros se, isoladamente, fosse ao mercado
buscar tais serviços?
A figura da DDL (DL 2065/83, arts. 20 e 21), disciplinada pela Lei
9532/97, art. 60 e Regulamento do Imposto de Renda (art. 464), prevê que o
valor dos lucros distribuídos disfarçadamente deve ser adicionado ao lucro
líquido para efeito de determinação da base de cálculo da CSLL. E também do
IRPJ.
Veja-se o paroxismo: a) se a contratação de terceiros prestadores
de serviços em condição mais vantajosa porque contratados para execução dos
serviços no atacado é menos onerosa; b) se celebrada pela controlada implica o
risco de configuração de DDL, e; c) se, ao contrário, a contratação pela
controladora resulta em aumento do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, qual alternativa
resta ao contribuinte?!?
Como se vê, por uma ato infralegal e com a dispensa de qualquer
lei votada pelo parlamento, a RFB conseguiu a façanha de transformar a natureza
jurídica de recuperação de despesas em receita. E, claro, tributável! Pior
ainda, sem base legal!
Assim, chama-se a atenção dos empresários e administradores para a
importância de cercar-se de alguns cuidados no ato de decidir-se pelo rateio de
custos/despesas administrativas:
a)
Ao contratar uma empresa terceira,
prestadora de serviços de qualquer natureza, fazê-lo através da controladora
tomando o cuidado de incluir uma cláusula a qual preveja que os serviços serão
compartilhados pelas demais empresas do grupo, pagos pela controladora e com
elas rateados na proporção da utilização delas;
b)
Adotar critério mais objetivo possível
para demonstrar ao fisco quanto do total da despesa corresponde a cada uma das
empresas do grupo e, mais que isto, deixar isso escrito e assinado pela contratante,
pela contratada (holding);
c)
Designar, ao final do contrato, na
condição de anuente, cada uma das empresas do grupo beneficiárias dos serviços a
serem prestados pela terceira empresa contratada, colhendo as assinaturas delas
no referido instrumento contratual;
d)
E, se ao invés de terceira empresa
contratada, as despesas com a própria força de trabalho disponibilizada pela holding é que vier a ser compartilhada
com as demais empresas do grupo, assinar um contrato de rateio de despesas
entre elas, no qual sejam igualmente demonstrados critérios objetivos que justifiquem
a proporção de rateio adotada. Um desses critérios pode ser estabelecido com
base na quantidade de funcionários, por
exemplo, se a natureza do serviço permitir estabelecer nexo entre tal quantidade
de funcionários e o rateio. O importante é ser comprovável a demanda e
participação de cada empresa do grupo em relação a tais serviços compartilhados.
Essas providências, afastam o risco de autuação fiscal?
Evidentemente não. Mas fortalecem a defesa perante a instância administrativa
fiscal e, mais ainda, perante o judiciário.
De todo modo, mais importante que tudo, é alertar os empresários e
administradores sobre a relevância de não relegarem o rateio de despesas entre
empresas do grupo para o plano secundário ou terciário dentre suas ocupações
pois o fisco, como se vê, não relegará! Está vigilante! Será implacável!
Franco Advogados
Associados.
7 de outubro de
2015.
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