PLANO DE SAÚDE OFERECIDO PELO EMPREGADOR – DESDE
QUE INDISTINTO NA SUA QUALIDADE PODE, JÁ DIFERENCIADO É TRIBUTADO – RECENTE REVISÃO
DO POSICIONAMENTO DA CÂMARA SUPERIOR DO CARF – ENTENDIMENTO QUE FERE O DIREITO –
ENTENDA PORQUE E AS ALTERNATIVAS DISPONÍVEIS
Nos termos do
art. 360 do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto 3.000/1999
(RIR/99) [1] são considerados
operacionais os gastos realizados pela empresa (diretamente; ou por entidades
afiliadas para tal fim constituídas e sem fins lucrativos; ou, ainda, por terceiros
especializados, tal como assistência médico-hospitalar) com serviços de
assistência médica, odontológica, farmacêutica e social destinados,
indistintamente, a todos os empregados e dirigentes. O fundamento desse
dispositivo, mais recentemente, é a Lei 9.249/1995, art. 13, V.
Um antigo Parecer
Normativo (64/1976), ainda em vigor, como norma complementar ao Direito
Tributário que é, estabeleceu que a dedutibilidade como despesa operacional dos
gastos realizados com serviços assistenciais, sob qualquer título, é
condicionada à disponibilização do benefício em caráter geral, isto é, os benefícios
devem estar postos potencialmente ao alcance de todos os empregados, a qualquer
tempo, devendo ser prestados sempre que alguém deles necessite ou a eles tenha
direito, observadas as condições gerais ou peculiares de cada caso.
O art. 458, § 2º,
IV da CLT [2] não considera salário algumas utilidades concedidas pelo
empregador, dentre elas a assistência médica, hospitalar e odontológica,
prestada diretamente ou mediante seguro-saúde.
A lei geral da
previdência social (Lei 8.212/1991, art. 28, § 9º, “q”) [3], dispõe não integrar o salário contribuição para fins
de incidência previdenciária os valores relativos a assistência prestada
por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado,
inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos
ortopédicos, despesas médico-hospitalares e outras similares, desde que a
cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa (hipótese
legal incluída pela Lei 9.528/1997).
O Parecer
Normativo Cosit 11/1992, cujo fundamento é o art. 74 da Lei 8.383/1991, elenca
várias hipóteses as quais, quando materializadas, importam em caracterização de
salários indiretos (fringe benefits), dentre elas as despesas com benefícios e
vantagens concedidos pela empresa a administradores, diretores, gerentes e seus
assessores, pagas diretamente ou através da contratação de terceiros, caso em
que a empresa deve identificar os beneficiários das despesas – os tais
administradores, gerentes, etc –, e adicionar aos respectivos salários os
valores a elas correspondentes, sob pena de tributação na fonte à alíquota de
33% (o fundamento desse PN Cosit 11/92 eram os arts. 191 e 225 do RIR/80 e Lei
7.713/88, art. 3º). Os casos abrangidos pelo referido PN Cosit 11/92 são
aqueles em que exclusivamente para a gerência e diretoria parte do salário é
paga indiretamente na forma de benefícios.
Não há na lei,
pois, qualquer distinção em razão da qualidade dos serviços disponibilizados
aos empregados, como por exemplo, padrão de atendimento diferenciado para
diretores, gerentes em relação aos demais empregados.
Nada obstante, alterando
prática consagrada nas relações empresas/empregados há pelo menos 40 anos, muitas
vezes compulsórias porquanto decorrentes de convenções coletivas dos
trabalhadores, a 2ª Turma da Câmara Superior do CARF decidiu recentemente no
julgamento de recurso administrativo oferecido pela fabricante de autopeças
Mubea Brasil que as empresas que oferecem planos de saúde diferenciados entre
seus funcionários devem calcular a Contribuição Previdenciária sobre os valores
pagos a título de assistência médica ou seguro-saúde quando os planos de
cobertura não forem iguais para todos os empregados (Valor Econômico,
14.06.2016).
Essa decisão
contraria as normas legais (9.249/95, art. 13, V; RIR/99, art. 360), Pareceres
Normativos (64/1976; 11/1992), a CLT (art. 458, § 2º, IV), a Lei Geral da
Previdência Social (art. 28, § 9º, “q”), o CTN (art. 108, caput e § 1º) [4] e a própria Constituição
Federal (art. 6º; 23, II e XII; 30, VII; 166, § 9º, 194, caput), esta última, numa interpretação finalística do ordenamento
jurídico que sempre prestigiou a não tributação desses benefícios porquanto as
empresas estão com sua concessão aos seus empregados suprindo uma deficiência inaudita
do Estado brasileiro que não consegue, através do SUS, prover atendimento pleno
e de qualidade a todos os beneficiários do sistema de saúde administrado pela
Previdência Social, para a qual a citada contribuição previdenciária é
destinada.
Contraria inclusive
o próprio entendimento do CARF o qual, desde 2009, proferia decisões favoráveis
aos contribuintes e cuja interpretação foi agora, sem base legal, alterada por
maioria de votos do Conselho Superior CARF no sentido de que o benefício fiscal
fica condicionado a que todos os empregados recebam o mesmo nível de atendimento
médico do plano de saúde.
Essa
interpretação foi proferida em recurso fiscal contra anterior decisão do CARF,
de 2012, a qual tinha sido unânime em favor do contribuinte cujo caso estava
sendo julgado, confirmando naquela oportunidade ser o único requisito exigido que
a totalidade dos empregados e dirigentes fosse beneficiada, independentemente
do nível de atendimento, isto é, planos mais simples e planos mais caros.
Entretanto, no
referido caso julgado aqui ora apontado a fiscalização constatou a existência
de dois planos de saúde distintos na companhia, um para os dirigentes da
empresa e outro destinado aos demais empregados, exigindo a contribuição
previdenciária de janeiro de 2007 a dezembro de 2008.
O absurdo
entendimento agora proferido pela relatora do CARF está estruturado na seguinte
lógica: já que o art. 28 da Lei 8.212/91 estabelece como condição que a
cobertura da assistência médica abranja o total de empregados e dirigentes da
empresa, concluiu ela não cumprido o requisito legal quando constatada a existência
de dois planos de saúde distintos! E emendou seu entendimento juridicamente
distorcido do referido art. 28, que o art. 111 do CTN exige para efeito de
isenção, a interpretação literal. Ou seja, como no art. 28 não está expresso o
direito à isenção nas situações em que há planos de saúde diferenciados, logo,
não há isenção.
O problema dessa
decisão do CARF é que, além de absolutamente ilegal porquanto contrária às
disposições legais atrás indicadas, o art. 28, § 9º pela relatora invocado para
aplicar o art. 111 do CTN não está a dispor sobre isenção, mas sim sobre não
tributação por não caracterizar fato
gerador da contribuição previdenciária os citados benefícios pagos aos empregados, desde que indistintamente.
Noutro ponto em
que a interpretação do CARF apresenta falha incontornável está assente no fato
de que em Direito Público só é permitido ao agente público, dentre eles o
agente administrativo fiscal, o que está expresso na lei. Por isso o art. 108,
§ 1º determina que o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de
tributo não previsto em lei.
Assim, aplicando
interpretação exatamente oposta àquela utilizada pela relatora, se o art. 28 da
Lei 8.212 excluiu da base de cálculo os citados benefícios por não
caracterizarem eles fato gerador da contribuição previdenciária, não cabe o
emprego da analogia para concluir que a hipótese descrita no caso concreto –
duas categorias de benefícios – seja fato gerador tributário. Ora, se a própria
CLT (art. 458, § 2º) dispõe não ter esse benefício natureza salarial, não pode
incidir contribuição previdenciária.
Esse é o cenário
de insegurança jurídica imposta pelo CARF de modo que a alteração do
entendimento impõe risco de autuação fiscal para as empresas que oferecem
seguro-saúde diferenciado para seus empregados.
A questão deverá
ser solucionada pelo Judiciário, o qual já tem posição favorável aos
contribuintes. O STJ, por exemplo, julgando caso cuja analogia com este aqui
citado permite entrever bastante proximidade, analisando o abono único,
considerou ilegal a exigência de previsão literal de sua não integração ao salário
de contribuição posto tratar-se de verba não habitual e sem vinculação salarial
(REsp 819.552/BA).
Configura
estarrecedor absurdo constatar que as empresas só concedem benefícios saúde aos
seus funcionários porque o Estado, que tem obrigação constitucional de
assegurar acesso à saúde pública (CF, art. 6º; 23, II e XII; 30, VII; 166, §
9º, 194, caput), não cumpre essa exigência e quando suprido em seu dever pelas
empresas, esses auxílios venham a ser tributados pela previdência social!
Uma alternativa
consiste em as empresas exigirem daqueles empregados a quem oferecem planos
diferenciados o pagamento da diferença entre os custos dos planos recebidos e
aqueles oferecidos aos demais empregados em geral.
Considerando que
a diferenciação de nível do seguro-saúde é muitas vezes imposição do mercado
sem a qual não se consegue atrair empregados de nível médio e superior, outra
alternativa consiste em, quando autuada, buscar a proteção do Judiciário já que
na instância administrativa, a partir dessa absurda revisão de entendimento do
CARF, as empresas não terão chances de êxito em suas disputas com a administração
tributária.
Franco Advogados Associados
[1] “Art. 360. Consideram-se
despesas operacionais os gastos realizados pelas empresas com serviços de
assistência médica, odontológica, farmacêutica e social, destinados
indistintamente a todos os seus empregados e dirigentes (Lei nº 9.249, de 1995,
art. 13, inciso V).
§ 1º O disposto neste artigo
alcança os serviços assistenciais que sejam prestados diretamente pela empresa,
por entidades afiliadas para este fim constituídas com personalidade jurídica
própria e sem fins lucrativos, ou, ainda, por terceiros especializados, como no
caso da assistência médico-hospitalar.
§ 2º Os recursos despendidos pelas
empresas na manutenção dos programas assistenciais somente serão considerados
como despesas operacionais quando devidamente comprovados, mediante manutenção
de sistema de registros contábeis específicos capazes de demonstrar os custos
pertinentes a cada modalidade de assistência e quando as entidades prestadoras
também mantenham sistema contábil que especifique as parcelas de receita e de
custos dos serviços prestados.”
[2] “Art. 458 .
(...)
§ 2o Para os efeitos previstos neste artigo, não
serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo
empregador:
(...)
IV – assistência médica, hospitalar e odontológica,
prestada diretamente ou mediante seguro-saúde;”
[3] “Art. 28.
Entende-se por salário-de-contribuição:
(...)
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os
fins desta Lei, exclusivamente: (Redação dada
pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)
(...)
q) o valor relativo à assistência prestada por
serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado,
inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos
ortopédicos, despesas médico-hospitalares e outras similares, desde que a
cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa; (Incluída
pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)”
[4] “Art. 108.
Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a
legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia;
II - os princípios gerais de direito tributário;
III - os princípios gerais de direito público;
IV - a eqüidade.
§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na
exigência de tributo não previsto em lei.”
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