segunda-feira, 20 de junho de 2016

Planos de Saúde (benefícios diferenciados concedidos aos empregados) passam a recolher Contribuição Previdenciária!

PLANO DE SAÚDE OFERECIDO PELO EMPREGADOR – DESDE QUE INDISTINTO NA SUA QUALIDADE PODE, JÁ DIFERENCIADO É TRIBUTADO – RECENTE REVISÃO DO POSICIONAMENTO DA CÂMARA SUPERIOR DO CARF – ENTENDIMENTO QUE FERE O DIREITO – ENTENDA PORQUE E AS ALTERNATIVAS DISPONÍVEIS


Nos termos do art. 360 do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto 3.000/1999 (RIR/99) [1] são considerados operacionais os gastos realizados pela empresa (diretamente; ou por entidades afiliadas para tal fim constituídas e sem fins lucrativos; ou, ainda, por terceiros especializados, tal como assistência médico-hospitalar) com serviços de assistência médica, odontológica, farmacêutica e social destinados, indistintamente, a todos os empregados e dirigentes. O fundamento desse dispositivo, mais recentemente, é a Lei 9.249/1995, art. 13, V.

Um antigo Parecer Normativo (64/1976), ainda em vigor, como norma complementar ao Direito Tributário que é, estabeleceu que a dedutibilidade como despesa operacional dos gastos realizados com serviços assistenciais, sob qualquer título, é condicionada à disponibilização do benefício em caráter geral, isto é, os benefícios devem estar postos potencialmente ao alcance de todos os empregados, a qualquer tempo, devendo ser prestados sempre que alguém deles necessite ou a eles tenha direito, observadas as condições gerais ou peculiares de cada caso.

O art. 458, § 2º, IV da CLT [2] não considera salário algumas utilidades concedidas pelo empregador, dentre elas a assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde.

A lei geral da previdência social (Lei 8.212/1991, art. 28, § 9º, “q”) [3], dispõe não integrar o salário contribuição para fins de incidência previdenciária os valores relativos a assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, despesas médico-hospitalares e outras similares, desde que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa (hipótese legal incluída pela Lei 9.528/1997).

O Parecer Normativo Cosit 11/1992, cujo fundamento é o art. 74 da Lei 8.383/1991, elenca várias hipóteses as quais, quando materializadas, importam em caracterização de salários indiretos (fringe benefits), dentre elas as despesas com benefícios e vantagens concedidos pela empresa a administradores, diretores, gerentes e seus assessores, pagas diretamente ou através da contratação de terceiros, caso em que a empresa deve identificar os beneficiários das despesas – os tais administradores, gerentes, etc –, e adicionar aos respectivos salários os valores a elas correspondentes, sob pena de tributação na fonte à alíquota de 33% (o fundamento desse PN Cosit 11/92 eram os arts. 191 e 225 do RIR/80 e Lei 7.713/88, art. 3º). Os casos abrangidos pelo referido PN Cosit 11/92 são aqueles em que exclusivamente para a gerência e diretoria parte do salário é paga indiretamente na forma de benefícios.

Não há na lei, pois, qualquer distinção em razão da qualidade dos serviços disponibilizados aos empregados, como por exemplo, padrão de atendimento diferenciado para diretores, gerentes em relação aos demais empregados.

Nada obstante, alterando prática consagrada nas relações empresas/empregados há pelo menos 40 anos, muitas vezes compulsórias porquanto decorrentes de convenções coletivas dos trabalhadores, a 2ª Turma da Câmara Superior do CARF decidiu recentemente no julgamento de recurso administrativo oferecido pela fabricante de autopeças Mubea Brasil que as empresas que oferecem planos de saúde diferenciados entre seus funcionários devem calcular a Contribuição Previdenciária sobre os valores pagos a título de assistência médica ou seguro-saúde quando os planos de cobertura não forem iguais para todos os empregados (Valor Econômico, 14.06.2016).

Essa decisão contraria as normas legais (9.249/95, art. 13, V; RIR/99, art. 360), Pareceres Normativos (64/1976; 11/1992), a CLT (art. 458, § 2º, IV), a Lei Geral da Previdência Social (art. 28, § 9º, “q”), o CTN (art. 108, caput e § 1º) [4] e a própria Constituição Federal (art. 6º; 23, II e XII; 30, VII; 166, § 9º, 194, caput), esta última, numa interpretação finalística do ordenamento jurídico que sempre prestigiou a não tributação desses benefícios porquanto as empresas estão com sua concessão aos seus empregados suprindo uma deficiência inaudita do Estado brasileiro que não consegue, através do SUS, prover atendimento pleno e de qualidade a todos os beneficiários do sistema de saúde administrado pela Previdência Social, para a qual a citada contribuição previdenciária é destinada.

Contraria inclusive o próprio entendimento do CARF o qual, desde 2009, proferia decisões favoráveis aos contribuintes e cuja interpretação foi agora, sem base legal, alterada por maioria de votos do Conselho Superior CARF no sentido de que o benefício fiscal fica condicionado a que todos os empregados recebam o mesmo nível de atendimento médico do plano de saúde.

Essa interpretação foi proferida em recurso fiscal contra anterior decisão do CARF, de 2012, a qual tinha sido unânime em favor do contribuinte cujo caso estava sendo julgado, confirmando naquela oportunidade ser o único requisito exigido que a totalidade dos empregados e dirigentes fosse beneficiada, independentemente do nível de atendimento, isto é, planos mais simples e planos mais caros.

Entretanto, no referido caso julgado aqui ora apontado a fiscalização constatou a existência de dois planos de saúde distintos na companhia, um para os dirigentes da empresa e outro destinado aos demais empregados, exigindo a contribuição previdenciária de janeiro de 2007 a dezembro de 2008.

O absurdo entendimento agora proferido pela relatora do CARF está estruturado na seguinte lógica: já que o art. 28 da Lei 8.212/91 estabelece como condição que a cobertura da assistência médica abranja o total de empregados e dirigentes da empresa, concluiu ela não cumprido o requisito legal quando constatada a existência de dois planos de saúde distintos! E emendou seu entendimento juridicamente distorcido do referido art. 28, que o art. 111 do CTN exige para efeito de isenção, a interpretação literal. Ou seja, como no art. 28 não está expresso o direito à isenção nas situações em que há planos de saúde diferenciados, logo, não há isenção.

O problema dessa decisão do CARF é que, além de absolutamente ilegal porquanto contrária às disposições legais atrás indicadas, o art. 28, § 9º pela relatora invocado para aplicar o art. 111 do CTN não está a dispor sobre isenção, mas sim sobre não tributação por não caracterizar fato gerador da contribuição previdenciária os citados benefícios pagos aos empregados, desde que indistintamente.

Noutro ponto em que a interpretação do CARF apresenta falha incontornável está assente no fato de que em Direito Público só é permitido ao agente público, dentre eles o agente administrativo fiscal, o que está expresso na lei. Por isso o art. 108, § 1º determina que o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

Assim, aplicando interpretação exatamente oposta àquela utilizada pela relatora, se o art. 28 da Lei 8.212 excluiu da base de cálculo os citados benefícios por não caracterizarem eles fato gerador da contribuição previdenciária, não cabe o emprego da analogia para concluir que a hipótese descrita no caso concreto – duas categorias de benefícios – seja fato gerador tributário. Ora, se a própria CLT (art. 458, § 2º) dispõe não ter esse benefício natureza salarial, não pode incidir contribuição previdenciária.

Esse é o cenário de insegurança jurídica imposta pelo CARF de modo que a alteração do entendimento impõe risco de autuação fiscal para as empresas que oferecem seguro-saúde diferenciado para seus empregados.

A questão deverá ser solucionada pelo Judiciário, o qual já tem posição favorável aos contribuintes. O STJ, por exemplo, julgando caso cuja analogia com este aqui citado permite entrever bastante proximidade, analisando o abono único, considerou ilegal a exigência de previsão literal de sua não integração ao salário de contribuição posto tratar-se de verba não habitual e sem vinculação salarial (REsp 819.552/BA).

Configura estarrecedor absurdo constatar que as empresas só concedem benefícios saúde aos seus funcionários porque o Estado, que tem obrigação constitucional de assegurar acesso à saúde pública (CF, art. 6º; 23, II e XII; 30, VII; 166, § 9º, 194, caput), não cumpre essa exigência e quando suprido em seu dever pelas empresas, esses auxílios venham a ser tributados pela previdência social!

Uma alternativa consiste em as empresas exigirem daqueles empregados a quem oferecem planos diferenciados o pagamento da diferença entre os custos dos planos recebidos e aqueles oferecidos aos demais empregados em geral.

Considerando que a diferenciação de nível do seguro-saúde é muitas vezes imposição do mercado sem a qual não se consegue atrair empregados de nível médio e superior, outra alternativa consiste em, quando autuada, buscar a proteção do Judiciário já que na instância administrativa, a partir dessa absurda revisão de entendimento do CARF, as empresas não terão chances de êxito em suas disputas com a administração tributária.


Franco Advogados Associados
20.06.2016





[1] “Art. 360.  Consideram-se despesas operacionais os gastos realizados pelas empresas com serviços de assistência médica, odontológica, farmacêutica e social, destinados indistintamente a todos os seus empregados e dirigentes (Lei nº 9.249, de 1995, art. 13, inciso V).
§ 1º  O disposto neste artigo alcança os serviços assistenciais que sejam prestados diretamente pela empresa, por entidades afiliadas para este fim constituídas com personalidade jurídica própria e sem fins lucrativos, ou, ainda, por terceiros especializados, como no caso da assistência médico-hospitalar.
§ 2º  Os recursos despendidos pelas empresas na manutenção dos programas assistenciais somente serão considerados como despesas operacionais quando devidamente comprovados, mediante manutenção de sistema de registros contábeis específicos capazes de demonstrar os custos pertinentes a cada modalidade de assistência e quando as entidades prestadoras também mantenham sistema contábil que especifique as parcelas de receita e de custos dos serviços prestados.”
[2] “Art. 458 .
(...)
§ 2o Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador:
(...)
IV – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde;”   
[3] “Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
(...)
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)
(...)
q) o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, despesas médico-hospitalares e outras similares, desde que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa; (Incluída pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)
[4] “Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia;
II - os princípios gerais de direito tributário;
III - os princípios gerais de direito público;
IV - a eqüidade.
§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.”

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