APÓS TER ADERIDO AO PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO
DE ATIVOS EXISTENTES NO EXTERIOR, O QUE FAZER PARA RECUPERAR O QUE PAGOU
INDEVIDAMENTE?
Pouco mais de 25
mil contribuintes pessoas físicas e 103 contribuintes pessoas jurídicas aderiram
ao Programa de Regularização de Ativos (RERCT) recém encerrado em 31.10.2016.
No total, R$ 164 bilhões em ativos foram declarados. Isso custou para aqueles
que fizeram tal opção, cerca de R$ 50 bilhões.
Muitos dentre os
declarantes estavam na seguinte situação: a) possuíam no exterior ativos já
tributados no Brasil, porém não declarados por qualquer razão, inclusive e
principalmente porque enviados ao exterior por mero temor de novo confisco ou
deterioração econômica que de fato vem sendo confirmada; b) possuíam ativos não
tributados no Brasil por se tratarem de rendas não tributáveis pelo imposto de
renda, caso de heranças ou doações recebidas, por exemplo; c) possuíam ativos
tributáveis, mas cujo direito da Fazenda de exigir o tributo correspondente já
se encontrava decaído ou prescrito pelo transcurso de prazo superior a 5 anos
desde a ocorrência do fato gerador tributário.
A Lei 13.254/2016
veio instituir a regularização cambial e tributária (art. 1º, caput) de
recursos, bens ou direitos de qualquer natureza decorrentes, dentre outras, de
operações de câmbio ilegítimas ou não autorizadas (art. 3º, III).
A adesão ao
programa materializou-se com a entrega da declaração de recursos, bens e
direitos à Receita Federal do Brasil (RFB) e Banco Central (BC), sujeitos à
regularização e pagamento integral do imposto e da multa (arts. 4º, 5º, 6º e
8º), cujo efeito foi a extinção da punibilidade dos crimes previstos (art. 5º,
§ 1º), produzindo a extinção de todas as obrigações de natureza cambial ou
financeira (art. 5º, § 2º, III).
E, agora, vem a
parte mais importante: o montante dos ativos regularizados é considerado
acréscimo patrimonial adquirido em 31.12.2014, sujeitando-se a pessoa física ou
jurídica aderente ao programa ao pagamento do imposto de renda a título de
ganho de capital à alíquota de 15%, mais multa (arts. 6º e 8º).
A regularização
dos bens e direitos juntamente com o pagamento do tributo considerado ganho de
capital, à alíquota de 15% mais multa resultou, por força da lei, na remissão –
que é a extinção do crédito tributário
decorrente do descumprimento de obrigações tributárias – e excluiu a multa
devida ao BC pela não entrega da declaração de capitais brasileiros alocados no
exterior (art. 6º, § 4º), na maioria dos casos, de R$ 25.000,00 por ano, sendo
o imposto então pago considerado tributação definitiva (art. 6º, § 7º), mais extinção
da pena criminal, implicando conseguintemente confissão irrevogável e
irretratável dos débitos, configurando confissão extrajudicial e condicionando
o contribuinte à aceitação plena e irretratável de todas as condições
estabelecidas na referida lei (art. 6º, § 8º).
Onde reside o
problema dessa lei? No criar uma ficção jurídica para concluir ter natureza de
tributo, na espécie ganho de capital, aquilo que, conforme atrás exposto, pode
já ter sido tributado no Brasil, ou por sua própria natureza era rendimento não
tributável ou, ainda, mesmo que tributável, já se encontrava colhido pela
decadência do direito da Fazenda de efetuar o lançamento tributário, isto é,
exigir o tributo, ou até mesmo prescrito.
Existem algumas
figuras jurídicas que permitem ao fisco, baseado em uma norma jurídica válida,
dizer ser algo o que não o é e, a partir daí, passar a valer o que foi dito e
não o que efetivamente é. Uma dessas figuras é a presunção. A outra, a ficção.
Presunção é processo lógico mediante o qual, do fato conhecido cuja existência
é certa, infere-se o fato desconhecido cuja existência é provável (Alfredo
Augusto Becker, Teoria Geral no Direito Tributário). Ficção é método por meio
do qual a lei atribui a determinado fato características que sabidamente não
são reais (Luciano Silva Amaro, Direito Tributário Brasileiro). Ou seja, a
presunção parte de uma verdade enquanto a ficção adota como ponto de partida
uma irrealidade.
Ora, se a riqueza
existente no exterior, ocultada, abrangida pela norma regularizadora de sua
existência no mundo jurídico brasileiro diz ser ganho de capital para fins de
tributação algo que juridicamente não o seja, percepção de herança ou
recebimento de doação, por exemplo, trata-se pois de uma ficção jurídica. A
propósito, a herança ou mesmo doação, enquanto auferida, não gera ganhos de
capital salvo quando alienada, e desde que apurado sobre-preço em relação à sua
expressão econômica verificada no momento de sua aquisição.
E ficção jurídica
não pode ser empregada para caracterizar o fato gerador tributário pois ou se
estará exigindo tributo sem fato gerador ou haverá instituição de tributo fora
da competência tributante prevista na Constituição (Caderno de Pesquisas
Tributárias nº 10).
Existe, porém, um
ponto de suma relevância a ser ainda considerado. Citada lei impôs duas
condições para beneficiar os detentores de bens e direitos não declarados no
exterior: a) a regularização dos bens e direitos mediante sua declaração à RFB
e BC por meio de uma declaração única; b) o pagamento do tributo mais multa
(art. 6º, § 4º). A partícula copulativa “e” constante da redação do dispositivo
legal citado indicaria tratarem-se de condições cumulativas – não aperfeiçoada
a regularização sem que ambas estejam simultaneamente presentes? À primeira
vista, sim.
Ocorre que se
algo que não tenha natureza de tributo (no caso, na espécie ganho de capital) é
como tal considerado, a cumulatividade das condições estabelecidas na lei só
pode ser confirmada quando ao menos o tributo seja devido, caso em que,
independentemente de sua natureza jurídica, passa a ser considerado ganho de
capital. Já nos demais casos aqui exemplificados, não. Nessa hipótese, a mera
declaração, desacompanhada do pagamento do tributo, porque indevido, portanto
inexigível, seria suficiente para atender a exigência legal, considerado pois
declarado e portanto existente no patrimônio do declarante no Brasil, ainda que
permanecido no exterior nos termos da referida lei.
Ou seja, a
redação legal não pode impor o pagamento do tributo como condição para o
atendimento da regularização de patrimônio existente no exterior, não
declarado, quando indevido o seu recolhimento. Nesse caso, basta sua declaração,
a qual produz efeitos extintivos da obrigação e punibilidade, respectivamente, no
campo cível e penal, liberando inclusive da multa devida ao BC.
E o que fazer se
o valor – que nesse caso perde a natureza de tributo nos casos em que
inexistente fato gerador – , ainda que indevido porque já recolhido no passado
quando gerada a renda, ou indevido por não se tratar de renda tributável, ou
mesmo indevido posto colhido pela decadência e muitas vezes também pela
prescrição foi agora em 31.10.2016 recolhido?
Nesse caso cabe
sua restituição ou compensação. Antes, tem-se que solucionar outra questão não
menos relevante, relativa à confissão irretratável de todas as condições
estabelecidas na Lei 13.254. Alerte-se que referida lei trata de matéria de
natureza cível (reparação patrimonial ao Estado correspondente a tributo devido
e multa pela não entrega de declaração ao BC) e penal (prática de crime contra
a ordem tributária, de evasão de divisas e de lavagem de dinheiro).
Há no caso,
realmente, uma confissão? O que foi confessado? Um ilícito civil materializado
num crédito tributário devido pelo contribuinte ao erário exigindo reparação
patrimonial? A prática de crime: de sonegação evidenciado pela não informação
da percepção da renda ao fisco e declaração ao BC, de evasão de divisas
exteriorizado no envio de ativos para o exterior e sua manutenção lá, ou ainda de
lavagem de dinheiro?
Confissão é a
declaração de fatos desfavoráveis àquele que a faz e favoráveis ao adversário,
com conteúdo e efeito probatório da ciência dos fatos tidos como verdadeiros
pelo confitente, ainda que contrários aos seus interesses. Portanto, é a
admissão quanto à verdade de um fato (CPC, art. 389)
O Código Civil
dispõe ser irrevogável a confissão, podendo ser anulada entretanto se
decorrente de erro de fato ou de coação (art. 214). Igual teor dispõe o Código
de Processo Civil (art. 393), podendo ser cindida quando o confitente aduzir
fatos novos capazes de constituir fundamento de defesa de direito material ou
de reconvenção (art. 395). O Código de Processo Penal dispõe que a confissão
será divisível e retratável fundado no exame das provas em conjunto (art. 200).
Houve no caso
erro de fato na confissão, eivando sua validade jurídica? A resposta é sim pois
à imensa maioria daqueles que promoveram tal confissão, é possível afirmar,
jamais ocorreu ser indevido tributo algum nas hipóteses aqui exemplificadas [1]. Houve coação? A resposta
é também pela afirmativa na medida em que os mesmos personagens inseridos nessa
situação foram compelidos à opção sob pena de, ante todo o cenário de
disclosure internacional já por demais conhecido, submeter-se a demanda de
conteúdo penal.
Com efeito,
trata-se de confissão retratável sob a ótica do direito cível com conteúdo
patrimonial posto, não se tratando de tributo nas situações aqui inicialmente
retratadas, inexigível seu recolhimento como condição para intitular-se à
anistia penal. Nesses casos, bastaria a declaração única à RFB – porque a ela endereçada
nos termos da lei, com seu encaminhamento ao BC –, para restar assim configurada
tal anistia.
Nesse sentido,
precedente da 1ª Seção do STJ (REsp 1.133.027/SP de 13.10.2010) segundo o qual
confissão de dívida não impede reexame da obrigação tributária, julgado este
que por ter-se dado no âmbito de recurso repetitivo, reúne força superior à de
um simples precedente daquela Corte. O Tribunal de Justiça de São Paulo vem
decidindo que a adesão a programa de parcelamento de dívida tributária estadual
pode ser revisto no tocante a aspectos envolvendo a cobrança da dívida (Apelação
1000036-41.2015.8.26.0053/SP).
Por fim, falta
ainda analisar o mecanismo processual adequado para postular em juízo a
restituição ou compensação do valor indevidamente recolhido mais a multa.
Entendemos cabível a via do Mandado de Segurança, ainda porque afasta-se assim
o risco de sucumbência. Todavia, essa alternativa processual só é válida para a
compensação tributária (Súmulas STJ 212 e 213, Súmulas STF 269 e 271). Em
muitos casos não há interesse pela compensação, principalmente em se tratando
de pessoa física. Resta então, nesse caso, a via da Ação Ordinária de Repetição
de Indébito, cujo risco é a sucumbência no caso de derrota.
Se a opção for
pelo Mandado de Segurança, a alternativa no caso de vitória é utilizar o
direito reconhecido judicialmente para abater os tributos federais devidos pelo
próprio titular do crédito ou utilizá-lo para incorporação em capital para ser compensado
pela empresa com ele capitalizada, por exemplo. Já se Repetição do Indébito,
pode-se vender o crédito exteriorizado no precatório, neste caso, com deságio.
O problema da
opção pelo Mandado de Segurança é que deve ser impetrado no prazo de até 120
dias contados de 01.11.2016 ou da data em que ocorreu a adesão ao RERCT. Portanto não
há tempo a perder.
Mais sobre esse
tema, vide matéria divulgada em nosso Blog “Novidades Jurídicas (Empresariais –
Tributárias) – Franco Advogados Associados”, (http://bit.ly/2gZAJ9k) sob o título “Lei
de Regularização de Ativos no Exterior (RERCT) – Tudo o que Você Precisa Saber!”
(http://bit.ly/2gZnd5B).
FRANCO ADVOGADOS
ASSOCIADOS
8.12.2016
[1]
Erro de fato é a falsa ideia sobre o exato sentido das coisas, crendo-se numa
realidade que não é verdadeira. É o engano acerca de uma condição ou circunstância
material.
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