quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

VOCÊ ADERIU AO PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO DE ATIVOS NO EXTERIOR. O QUE FAZER AGORA PARA RECUPERAR O QUE PAGOU INDEVIDAMENTE?

APÓS TER ADERIDO AO PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO DE ATIVOS EXISTENTES NO EXTERIOR, O QUE FAZER PARA RECUPERAR O QUE PAGOU INDEVIDAMENTE?



Pouco mais de 25 mil contribuintes pessoas físicas e 103 contribuintes pessoas jurídicas aderiram ao Programa de Regularização de Ativos (RERCT) recém encerrado em 31.10.2016. No total, R$ 164 bilhões em ativos foram declarados. Isso custou para aqueles que fizeram tal opção, cerca de R$ 50 bilhões.

Muitos dentre os declarantes estavam na seguinte situação: a) possuíam no exterior ativos já tributados no Brasil, porém não declarados por qualquer razão, inclusive e principalmente porque enviados ao exterior por mero temor de novo confisco ou deterioração econômica que de fato vem sendo confirmada; b) possuíam ativos não tributados no Brasil por se tratarem de rendas não tributáveis pelo imposto de renda, caso de heranças ou doações recebidas, por exemplo; c) possuíam ativos tributáveis, mas cujo direito da Fazenda de exigir o tributo correspondente já se encontrava decaído ou prescrito pelo transcurso de prazo superior a 5 anos desde a ocorrência do fato gerador tributário.

A Lei 13.254/2016 veio instituir a regularização cambial e tributária (art. 1º, caput) de recursos, bens ou direitos de qualquer natureza decorrentes, dentre outras, de operações de câmbio ilegítimas ou não autorizadas (art. 3º, III).

A adesão ao programa materializou-se com a entrega da declaração de recursos, bens e direitos à Receita Federal do Brasil (RFB) e Banco Central (BC), sujeitos à regularização e pagamento integral do imposto e da multa (arts. 4º, 5º, 6º e 8º), cujo efeito foi a extinção da punibilidade dos crimes previstos (art. 5º, § 1º), produzindo a extinção de todas as obrigações de natureza cambial ou financeira (art. 5º, § 2º, III).

E, agora, vem a parte mais importante: o montante dos ativos regularizados é considerado acréscimo patrimonial adquirido em 31.12.2014, sujeitando-se a pessoa física ou jurídica aderente ao programa ao pagamento do imposto de renda a título de ganho de capital à alíquota de 15%, mais multa (arts. 6º e 8º).

A regularização dos bens e direitos juntamente com o pagamento do tributo considerado ganho de capital, à alíquota de 15% mais multa resultou, por força da lei, na remissão –  que é a extinção do crédito tributário decorrente do descumprimento de obrigações tributárias – e excluiu a multa devida ao BC pela não entrega da declaração de capitais brasileiros alocados no exterior (art. 6º, § 4º), na maioria dos casos, de R$ 25.000,00 por ano, sendo o imposto então pago considerado tributação definitiva (art. 6º, § 7º), mais extinção da pena criminal, implicando conseguintemente confissão irrevogável e irretratável dos débitos, configurando confissão extrajudicial e condicionando o contribuinte à aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas na referida lei (art. 6º, § 8º).

Onde reside o problema dessa lei? No criar uma ficção jurídica para concluir ter natureza de tributo, na espécie ganho de capital, aquilo que, conforme atrás exposto, pode já ter sido tributado no Brasil, ou por sua própria natureza era rendimento não tributável ou, ainda, mesmo que tributável, já se encontrava colhido pela decadência do direito da Fazenda de efetuar o lançamento tributário, isto é, exigir o tributo, ou até mesmo prescrito.

Existem algumas figuras jurídicas que permitem ao fisco, baseado em uma norma jurídica válida, dizer ser algo o que não o é e, a partir daí, passar a valer o que foi dito e não o que efetivamente é. Uma dessas figuras é a presunção. A outra, a ficção. Presunção é processo lógico mediante o qual, do fato conhecido cuja existência é certa, infere-se o fato desconhecido cuja existência é provável (Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral no Direito Tributário). Ficção é método por meio do qual a lei atribui a determinado fato características que sabidamente não são reais (Luciano Silva Amaro, Direito Tributário Brasileiro). Ou seja, a presunção parte de uma verdade enquanto a ficção adota como ponto de partida uma irrealidade.

Ora, se a riqueza existente no exterior, ocultada, abrangida pela norma regularizadora de sua existência no mundo jurídico brasileiro diz ser ganho de capital para fins de tributação algo que juridicamente não o seja, percepção de herança ou recebimento de doação, por exemplo, trata-se pois de uma ficção jurídica. A propósito, a herança ou mesmo doação, enquanto auferida, não gera ganhos de capital salvo quando alienada, e desde que apurado sobre-preço em relação à sua expressão econômica verificada no momento de sua aquisição.

E ficção jurídica não pode ser empregada para caracterizar o fato gerador tributário pois ou se estará exigindo tributo sem fato gerador ou haverá instituição de tributo fora da competência tributante prevista na Constituição (Caderno de Pesquisas Tributárias nº 10).

Existe, porém, um ponto de suma relevância a ser ainda considerado. Citada lei impôs duas condições para beneficiar os detentores de bens e direitos não declarados no exterior: a) a regularização dos bens e direitos mediante sua declaração à RFB e BC por meio de uma declaração única; b) o pagamento do tributo mais multa (art. 6º, § 4º). A partícula copulativa “e” constante da redação do dispositivo legal citado indicaria tratarem-se de condições cumulativas – não aperfeiçoada a regularização sem que ambas estejam simultaneamente presentes? À primeira vista, sim.

Ocorre que se algo que não tenha natureza de tributo (no caso, na espécie ganho de capital) é como tal considerado, a cumulatividade das condições estabelecidas na lei só pode ser confirmada quando ao menos o tributo seja devido, caso em que, independentemente de sua natureza jurídica, passa a ser considerado ganho de capital. Já nos demais casos aqui exemplificados, não. Nessa hipótese, a mera declaração, desacompanhada do pagamento do tributo, porque indevido, portanto inexigível, seria suficiente para atender a exigência legal, considerado pois declarado e portanto existente no patrimônio do declarante no Brasil, ainda que permanecido no exterior nos termos da referida lei.

Ou seja, a redação legal não pode impor o pagamento do tributo como condição para o atendimento da regularização de patrimônio existente no exterior, não declarado, quando indevido o seu recolhimento. Nesse caso, basta sua declaração, a qual produz efeitos extintivos da obrigação e punibilidade, respectivamente, no campo cível e penal, liberando inclusive da multa devida ao BC.

E o que fazer se o valor – que nesse caso perde a natureza de tributo nos casos em que inexistente fato gerador – , ainda que indevido porque já recolhido no passado quando gerada a renda, ou indevido por não se tratar de renda tributável, ou mesmo indevido posto colhido pela decadência e muitas vezes também pela prescrição foi agora em 31.10.2016 recolhido?

Nesse caso cabe sua restituição ou compensação. Antes, tem-se que solucionar outra questão não menos relevante, relativa à confissão irretratável de todas as condições estabelecidas na Lei 13.254. Alerte-se que referida lei trata de matéria de natureza cível (reparação patrimonial ao Estado correspondente a tributo devido e multa pela não entrega de declaração ao BC) e penal (prática de crime contra a ordem tributária, de evasão de divisas e de lavagem de dinheiro).

Há no caso, realmente, uma confissão? O que foi confessado? Um ilícito civil materializado num crédito tributário devido pelo contribuinte ao erário exigindo reparação patrimonial? A prática de crime: de sonegação evidenciado pela não informação da percepção da renda ao fisco e declaração ao BC, de evasão de divisas exteriorizado no envio de ativos para o exterior e sua manutenção lá, ou ainda de lavagem de dinheiro?

Confissão é a declaração de fatos desfavoráveis àquele que a faz e favoráveis ao adversário, com conteúdo e efeito probatório da ciência dos fatos tidos como verdadeiros pelo confitente, ainda que contrários aos seus interesses. Portanto, é a admissão quanto à verdade de um fato (CPC, art. 389)

O Código Civil dispõe ser irrevogável a confissão, podendo ser anulada entretanto se decorrente de erro de fato ou de coação (art. 214). Igual teor dispõe o Código de Processo Civil (art. 393), podendo ser cindida quando o confitente aduzir fatos novos capazes de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção (art. 395). O Código de Processo Penal dispõe que a confissão será divisível e retratável fundado no exame das provas em conjunto (art. 200).

Houve no caso erro de fato na confissão, eivando sua validade jurídica? A resposta é sim pois à imensa maioria daqueles que promoveram tal confissão, é possível afirmar, jamais ocorreu ser indevido tributo algum nas hipóteses aqui exemplificadas [1]. Houve coação? A resposta é também pela afirmativa na medida em que os mesmos personagens inseridos nessa situação foram compelidos à opção sob pena de, ante todo o cenário de disclosure internacional já por demais conhecido, submeter-se a demanda de conteúdo penal.

Com efeito, trata-se de confissão retratável sob a ótica do direito cível com conteúdo patrimonial posto, não se tratando de tributo nas situações aqui inicialmente retratadas, inexigível seu recolhimento como condição para intitular-se à anistia penal. Nesses casos, bastaria a declaração única à RFB – porque a ela endereçada nos termos da lei, com seu encaminhamento ao BC –, para restar assim configurada tal anistia.

Nesse sentido, precedente da 1ª Seção do STJ (REsp 1.133.027/SP de 13.10.2010) segundo o qual confissão de dívida não impede reexame da obrigação tributária, julgado este que por ter-se dado no âmbito de recurso repetitivo, reúne força superior à de um simples precedente daquela Corte. O Tribunal de Justiça de São Paulo vem decidindo que a adesão a programa de parcelamento de dívida tributária estadual pode ser revisto no tocante a aspectos envolvendo a cobrança da dívida (Apelação 1000036-41.2015.8.26.0053/SP).

Por fim, falta ainda analisar o mecanismo processual adequado para postular em juízo a restituição ou compensação do valor indevidamente recolhido mais a multa. Entendemos cabível a via do Mandado de Segurança, ainda porque afasta-se assim o risco de sucumbência. Todavia, essa alternativa processual só é válida para a compensação tributária (Súmulas STJ 212 e 213, Súmulas STF 269 e 271). Em muitos casos não há interesse pela compensação, principalmente em se tratando de pessoa física. Resta então, nesse caso, a via da Ação Ordinária de Repetição de Indébito, cujo risco é a sucumbência no caso de derrota.

Se a opção for pelo Mandado de Segurança, a alternativa no caso de vitória é utilizar o direito reconhecido judicialmente para abater os tributos federais devidos pelo próprio titular do crédito ou utilizá-lo para incorporação em capital para ser compensado pela empresa com ele capitalizada, por exemplo. Já se Repetição do Indébito, pode-se vender o crédito exteriorizado no precatório, neste caso, com deságio.

O problema da opção pelo Mandado de Segurança é que deve ser impetrado no prazo de até 120 dias contados de 01.11.2016 ou da data em que ocorreu a adesão ao RERCT. Portanto não há tempo a perder.

Mais sobre esse tema, vide matéria divulgada em nosso Blog “Novidades Jurídicas (Empresariais – Tributárias) – Franco Advogados Associados”, (http://bit.ly/2gZAJ9k) sob o título “Lei de Regularização de Ativos no Exterior (RERCT) – Tudo o que Você Precisa Saber!” (http://bit.ly/2gZnd5B).


FRANCO ADVOGADOS ASSOCIADOS

8.12.2016










[1] Erro de fato é a falsa ideia sobre o exato sentido das coisas, crendo-se numa realidade que não é verdadeira. É o engano acerca de uma condição ou circunstância material.

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