Em final de maio/2020 o STF decidiu, por maioria, no julgamento do Recurso Extraordinário 603.136/RJ, Tema 300 da Repercussão Geral, Relator Ministro Gilmar Mendes, que o ISS incide sobre contratos de franquia.
No citado RE consta que a autora da ação é empresa de comércio de alimentos que firmou contrato de franquia empresarial com conhecida rede de fast food, o que inclui cessão de uso de marca, treinamento de funcionários, aquisição de matéria-prima, etc.
A decisão do STF foi mais longe, alertando o Ministro Relator que todo o contrato de franquia deve ser alcançado pela tributação do ISS, não devendo ser separado, para fins tributários, em atividade-fim, como cessão do uso de marca e atividade-meio, como treinamento, orientação, publicidade, etc, para tributar apenas a atividade-meio.
Isto porque, segundo o relator, o contrato é uma unidade, conjunto de obrigações que inclui diferentes atividades, tal como definido pela Lei 8955/1994, arts. 2º e 3º, conclusão inalterada mesmo tendo sido revogada pela nova lei de franquias (Lei 13.966, em vigor a partir de 26.03.2020) e vigente com nova redação (arts. 1º e 2º):
Art. 1º Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.
§ 1º Para os fins da autorização referida no caput, o franqueador deve ser titular ou requerente de direitos sobre as marcas e outros objetos de propriedade intelectual negociados no âmbito do contrato de franquia, ou estar expressamente autorizado pelo titular.
§ 2º A franquia pode ser adotada por empresa privada, empresa estatal ou entidade sem fins lucrativos, independentemente do segmento em que desenvolva as atividades.
Art. 2º Para a implantação da franquia, o franqueador deverá fornecer ao interessado Circular de Oferta de Franquia, escrita em língua portuguesa, de forma objetiva e acessível, contendo obrigatoriamente:
I - histórico resumido do negócio franqueado;
II - qualificação completa do franqueador e das empresas a que esteja ligado, identificando-as com os respectivos números de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);
III - balanços e demonstrações financeiras da empresa franqueadora, relativos aos 2 (dois) últimos exercícios;
IV - indicação das ações judiciais relativas à franquia que questionem o sistema ou que possam comprometer a operação da franquia no País, nas quais sejam parte o franqueador, as empresas controladoras, o subfranqueador e os titulares de marcas e demais direitos de propriedade intelectual;
V - descrição detalhada da franquia e descrição geral do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo franqueado;
VI - perfil do franqueado ideal no que se refere a experiência anterior, escolaridade e outras características que deve ter, obrigatória ou preferencialmente;
VII - requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e na administração do negócio;
VIII - especificações quanto ao:
a) total estimado do investimento inicial necessário à aquisição, à implantação e à entrada em operação da franquia;
b) valor da taxa inicial de filiação ou taxa de franquia;
c) valor estimado das instalações, dos equipamentos e do estoque inicial e suas condições de pagamento;
IX - informações claras quanto a taxas periódicas e outros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados, detalhando as respectivas bases de cálculo e o que elas remuneram ou o fim a que se destinam, indicando, especificamente, o seguinte:
a) remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca, de outros objetos de propriedade intelectual do franqueador ou sobre os quais este detém direitos ou, ainda, pelos serviços prestados pelo franqueador ao franqueado;
b) aluguel de equipamentos ou ponto comercial;
c) taxa de publicidade ou semelhante;
X - relação completa de todos os franqueados, subfranqueados ou subfranqueadores da rede e, também, dos que se desligaram nos últimos 24 (vinte quatro) meses, com os respectivos nomes, endereços e telefones;
XI - informações relativas à política de atuação territorial, devendo ser especificado:
a) se é garantida ao franqueado a exclusividade ou a preferência sobre determinado território de atuação e, neste caso, sob que condições;
b) se há possibilidade de o franqueado realizar vendas ou prestar serviços fora de seu território ou realizar exportações;
c) se há e quais são as regras de concorrência territorial entre unidades próprias e franqueadas;
XII - informações claras e detalhadas quanto à obrigação do franqueado de adquirir quaisquer bens, serviços ou insumos necessários à implantação, operação ou administração de sua franquia apenas de fornecedores indicados e aprovados pelo franqueador, incluindo relação completa desses fornecedores;
XIII - indicação do que é oferecido ao franqueado pelo franqueador e em quais condições, no que se refere a:
d) incorporação de inovações tecnológicas às franquias;
e) treinamento do franqueado e de seus funcionários, especificando duração, conteúdo e custos;
g) auxílio na análise e na escolha do ponto onde será instalada a franquia; e
h) leiaute e padrões arquitetônicos das instalações do franqueado, incluindo arranjo físico de equipamentos e instrumentos, memorial descritivo, composição e croqui;
XIV - informações sobre a situação da marca franqueada e outros direitos de propriedade intelectual relacionados à franquia, cujo uso será autorizado em contrato pelo franqueador, incluindo a caracterização completa, com o número do registro ou do pedido protocolizado, com a classe e subclasse, nos órgãos competentes, e, no caso de cultivares, informações sobre a situação perante o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC);
XV - situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a:
a) know-how da tecnologia de produto, de processo ou de gestão, informações confidenciais e segredos de indústria, comércio, finanças e negócios a que venha a ter acesso em função da franquia;
b) implantação de atividade concorrente à da franquia;
XVI - modelo do contrato-padrão e, se for o caso, também do pré-contrato-padrão de franquia adotado pelo franqueador, com texto completo, inclusive dos respectivos anexos, condições e prazos de validade;
XVII - indicação da existência ou não de regras de transferência ou sucessão e, caso positivo, quais são elas;
XVIII - indicação das situações em que são aplicadas penalidades, multas ou indenizações e dos respectivos valores, estabelecidos no contrato de franquia;
XIX - informações sobre a existência de cotas mínimas de compra pelo franqueado junto ao franqueador, ou a terceiros por este designados, e sobre a possibilidade e as condições para a recusa dos produtos ou serviços exigidos pelo franqueador;
XX - indicação de existência de conselho ou associação de franqueados, com as atribuições, os poderes e os mecanismos de representação perante o franqueador, e detalhamento das competências para gestão e fiscalização da aplicação dos recursos de fundos existentes;
XXI - indicação das regras de limitação à concorrência entre o franqueador e os franqueados, e entre os franqueados, durante a vigência do contrato de franquia, e detalhamento da abrangência territorial, do prazo de vigência da restrição e das penalidades em caso de descumprimento;
XXII - especificação precisa do prazo contratual e das condições de renovação, se houver;
XXIII - local, dia e hora para recebimento da documentação proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, quando se tratar de órgão ou entidade pública.
§ 1º A Circular de Oferta de Franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado, no mínimo, 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou, ainda, do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou a pessoa ligada a este, salvo no caso de licitação ou pré-qualificação promovida por órgão ou entidade pública, caso em que a Circular de Oferta de Franquia será divulgada logo no início do processo de seleção.
§ 2º Na hipótese de não cumprimento do disposto no § 1º, o franqueado poderá arguir anulabilidade ou nulidade, conforme o caso, e exigir a devolução de todas e quaisquer quantias já pagas ao franqueador, ou a terceiros por este indicados, a título de filiação ou de royalties, corrigidas monetariamente.
Nenhuma dessas atividades isoladamente, segundo o Ministro relator, seria suficiente para definir a relação contratual “franquia”. Separar uma das outras acabaria por desnaturar a relação contratual em questão, mudando-lhe o sentido prático e escopo.
A segunda consideração de Gilmar Mendes é ainda mais contundente: “A segunda razão é de ordem eminentemente prática. A experiência (...) permite-me afirmar que essa interpretação – digo, no sentido de dar tratamento diferente à atividade-meio e à atividade-fim – certamente conduziria o contribuinte à tentação de manipular as formas contratuais e os custos individuais das diversas prestações, a fim de reduzir a carga fiscal incidente no contrato. (...) em muito breve, as relações contratuais entre franqueadores e franqueados haveriam de se reorganizar, elevando o custo atribuído à dita ‘atividade-fim’ e reduzindo, em contrapartida, o montante atribuído à ‘atividade-meio’.”
Com esse entendimento acompanhado do voto da maioria do Plenário do STF, foi proposta a seguinte tese de repercussão geral:
“É constitucional a incidência de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre contratos de franquia (franchising) (itens 10.04 e 17.08 da lista de serviços prevista no Anexo da Lei Complementar 116/2003).”
Os itens da lista de serviços postas no Anexo da LC 116/03 têm a seguinte redação:
“Art. 1º - O imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, (...) tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
10.04 – Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de (...) franquia (...).
17.08 – Franquia (franchising).”
Chamamos a atenção para um aspecto relevante, o qual tem a ver com as franquias controladas por empresas estrangeiras, cujos contratos permitem a utilização da marca, etc, de propriedade de empresas estabelecidas no exterior.
O artigo 1º, § 1º da LC 116/03, dispõe que:
“§ 1º - O imposto incide sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.”
E, seu art. 6º:
“Art. 6º - Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.
§ 1º Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido, multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte.
§ 2º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo, são responsáveis:
I – o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País;
(...).”
O que vale afirmar, o alcance dessa decisão do STF se estende às franquias internacionais.
O Recurso Extraordinário que originou esse julgamento com repercussão geral constitui precedente que será aplicado todas as vezes que questão semelhante chegar ao STF, inclusive porque o precedente decidido em repercussão geral tem efeito vinculante para todas as demais instâncias do Judiciário.
O que se discute agora, é a partir de quando essa decisão produzirá efeitos, isto é, retroativamente aos últimos 5 anos ou somente a partir da publicação do Acórdão exteriorizado na decisão do STF, ou seja, 16.06.2020? Com objetivo de esclarecer isto foram opostos Embargos de Declaração.
Chamamos a atenção, pois, para mais esse custo que se imporá sobre as relações franqueado x franqueador, encarecendo obviamente o produto final (bens ou serviços) oferecidos via franquias para o consumidor final.
Segundo a Associação Brasileira de Franchising, o setor fatura R$ 186 bilhões, representando 2,5% do PIB, gera 1,4 milhões de empregos diretos e é formado, em sua maioria, por micro, pequenas e médias empresas.
Como planejadores tributários, num primeiro olhar não vislumbramos, nesse caso, alternativa porque aquela que, em princípio, se mostraria mais evidente – fracionar por meio de contratos específicos cada atividade que compõe a estrutura da franquia, tributando-as separadamente –, já foi de plano afastada pelo Ministro Gilmar Mendes em sua relatoria sob o fundamento de que o contrato de franquia envolve múltiplas atividades, todas elas já elencadas na Lei 13966/2019 ,formando uma unidade indissociável de obrigações de dar e de fazer, daí porque concluiu ele que a integralidade da receita de franquia deve ser alcançada pelo ISS, no que foi acompanhado pela maioria dos demais Ministros.
Entretanto, como os valores de franquias não são padronizados ou tabelados, poderá haver espaço, conforme o tipo de franquia para, por exemplo – veja-se bem, esse é apenas um exemplo –, incluir na operação o fornecimento do estoque inicial, etc e, sobre esse fornecimento, tributar o ICMS, o que é normal e natural, porém com ênfase no valor total do contrato para esse fornecimento alcançado pelo ICMS. Ou seja, estruturar o preço da transação com ênfase para itens que não compõem, em geral, obrigações do franqueador fornecer ao franqueado. E, se se tratar de franquia que envolve comercialização de bens, o franqueado tomará crédito do ICMS incidente sobre o estoque.
Pode-se dizer que esse seria um planejamento às avessas, já que a carga tributária representada pelo ICMS é maior que aquela representada pelo ISS, mas convenhamos, o franqueado teria que adquirir esses bens de qualquer fornecedor. Por que não os adquirir de terceiras empresas ligadas ao franqueador para, com isso, estruturar seu planejamento tributário mais vantajoso?
Se tiver dúvidas sobre como estruturar seus negócios, contate-nos para ajudá-lo em seu planejamento tributário.
Franco Advogados Associados
01/10/2020
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