Como os Governos, em seus três níveis, precisam desesperadamente de receita, o Ministro Paulo Guedes cogitou há algum tempo sobre permitir a atualização do valor dos bens integrantes de patrimônio individual na respectiva Declaração do Imposto de Renda das Pessoas Físicas.
Esse projeto avançou na Câmara e no Senado e, após seu retorno à Câmara, que ainda está por acontecer, terá que ser sancionado pelo Presidente da República para entrar em vigor. E, também, ser regulamentado para tornar-se aplicável.
Consiste ele em permitir que os contribuintes atualizem os bens patrimoniais integrantes de suas Declarações do IR, mediante pagamento de 3% sobre o resultado da atualização.
Vamos esclarecer o seguinte: quando o contribuinte vende um bem de seu patrimônio (imóveis, veículos, ativos financeiros, obra de arte, etc), a diferença entre o valor declarado e o valor da venda é considerado ganho de capital e é tributado pelo imposto de renda às seguintes alíquotas incidentes sobre o ganho, obedecida a seguinte tributação sobre faixas de ganhos (atenção: para ativos financeiros há outra forma de tributação e até mesmo isenção, como no caso de Fundos Imobiliários). Para ganhos: a) de até R$ 5 milhões = 15%; b) entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões = 17,5%; c) entre R$ 10 milhões e R$ 30 milhões = 20%; d) acima de R$ 30 milhões = 22,5%.
1995 foi o último ano em que foi permitido ajuste no valor de custo dos bens patrimoniais. Ou seja, já se vão longos 26 anos, mais de ¼ de século, sem que a Receita Federal tenha voltado a permitir atualização dos valores de custos declarados dos bens integrantes do patrimônio pessoal e constantes das Declarações de IR das Pessoas Físicas.
Vale à pena pagar IR sobre ganho de capital inexistente?
A inflação oficial brasileira é medida pelo IPCA-IBGE. E desde janeiro de 1995 até março de 2021 ela variou 458,29%. Um bem declarado por R$ 100,00 em 1995, seria corrigido para R$ 558,29 em 2021. Então, grosso modo, o governo está propondo, agora, cobrar 3% sobre R$ 458,29 – exatamente a inflação no período –, apenas para permitir que os bens sejam atualizados na Declaração de IR. Ou seja, R$ 13, 47 para cada R$ 100,00 havido no patrimônio em valores de 1995, o que não é pouco!!! Isso equivale a 13,47% e não 3%.
Por que estamos a considerar o valor histórico como base da tributação se ela incide sobre o ganho de capital (diferença entre custo e alienação)? Porque a simples detenção de bens no patrimônio não é fato gerador do IR. O fato gerador é o ganho obtido e este só ocorre quando há alienação, especialmente venda. Inexistente alienação, sem ganho, a tributação agora proposta estará a incidir sobre patrimônio detido, à alíquota de 3% sobre o suposto ganho. Mas, veja-se, correção não é ganho. Logo, o imposto está incidindo à alíquota de 13,47%.
Suponha-se que um bem, em 1995, tenha sido declarado por R$ 100,00. Vamos dizer que em 2021 ele tenha sido alienado por R$ 1.000,00. O ganho, então, teria sido de R$ 900,00, correto (e o imposto, R$ 135,00 = 15%)? Errado. Se se descontar a inflação (R$ 558,29), ele seria igual a R$ 441,71 (e o imposto, R$ 66,26 = 15%). Ou seja, R$ 68,74 de imposto calculado exclusivamente sobre a inflação (50,92% do total) e não sobre o ganho efetivo.
Vantagens e desvantagens
A opção pelo denominado REARP (Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial) pode ser vantajosa para o contribuinte? Pode! Pode ser desvantajosa para o contribuinte? Também pode. Cada situação vai merecer análise própria. Mas uma coisa é certa: isso é absolutamente imoral porque corrigir o valor do bem pela inflação deveria ser reconhecido como um direito do contribuinte já que, do contrário, quando ele apura ganho de capital, parte substancial do imposto está incidindo sobre a inflação, como demonstrado.
Entretanto, exceto se o contribuinte for ao Judiciário para postular por seu direito à correção, pela inflação, de seus bens patrimoniais porque o imposto incide sobre ganho e inflação não é ganho, ainda porque o próprio Código Tributário Nacional (CTN) assevera o efeito nulo da atualização monetária da base de cálculo tributária (art. 97, § 2º), pode ser vantajoso pagar agora 3% sobre o acréscimo, ao invés de pagar 15% – ou mais, conforme vier a ser regulamentado –, sobre o mesmo ganho, no futuro, após encerrado o período de 210 dias para adesão a esse programa de atualização dos bens patrimoniais, REARP (Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial).
Mas poderá ser desvantajosa a adesão a ele em todas as situações em que o bem, por sua natureza, ano de aquisição, valor, etc, possa estar contemplado por benefícios. É o caso de bens imóveis, de qualquer valor, adquiridos entre 1964 e até 1988, como também é o caso de único imóvel alienado para aquisição de outro no prazo de 180 dias ou, ainda, imóvel de valor até R$ 440 mil.
Riscos
Veja-se que aqui estamos tratando das vantagens ou desvantagens objetivamente consideradas. Mas há, ainda, aquelas intangíveis e potencialmente perigosas. Para esclarecer isto, vamos a um exemplo: em 2016 o governo lançou um programa federal (Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária – RERCT – Lei 13.254) que estimulava os contribuintes a repatriarem para o Brasil o patrimônio não declarado existente no exterior, mediante o pagamento de uma alíquota atrativa (15% de imposto e 15% de multa sobre os valores declarados) e sem qualquer outro efeito, sobretudo penal, para as situações em que o patrimônio então declarado não tivesse sido produto de crime.
Pois bem, em fevereiro de 2021 estava previsto o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da garantia de sigilo das informações pessoais daqueles que aderiram ao RERCT. A ação (ADI 5729, de 2017) foi proposta pelo Partido Socialista Brasileiro e visou a permissão para a Receita Federal compartilhar as informações, ali obtidas, com a Procuradoria da Fazenda Nacional, Tribunal de Contas e Advocacia Geral da União. Inclusive, possível acesso pelos Estados para cobrança do ITCMD!
Numa quebra de confiança total, os cerca de 27 mil contribuintes (PF e PJ) que acreditaram na lei e no governo, poderão ficar agora expostos a novas cobranças, investigações e processo penal.
Alternativa mais segura
Por tudo isso, há uma alternativa que, se não a mais barata, é a mais segura: consiste em constituir holding patrimonial, cuja venda é feita mediante tributação com carga nominal de 6,73% sobre o ganho. Considerar que no Projeto de Lei em questão (REARP), a permissão para correção fica limitada ao valor de mercado do bem, de modo que por se desconhecer qual seja a base utilizada pela RFB para determinar o valor de mercado, o que o exceder será tributado pela alíquota aplicável (normalmente, 15%).
Além do que, essa opção “holding patrimonial” contém a vantagem de encaminhar a sucessão patrimonial no caso de falecimento dos titulares, deixando tudo já preparado para a ocorrência dessa fatalidade, caso em que os honorários são muito inferiores àqueles (6% a 10% do valor do patrimônio atualizado) cobrados no inventário.
Ademais, já demonstramos, em outro trabalho, ser possível, durante as reformas – no caso de condomínios, isso inclui área privativa e área útil –, atualizar o valor do bem imóvel acrescentando a ele os custos das reformas, de modo a reduzir o ganho de capital tributável quando da venda.
Cautela
Por isso tudo, antes de optar pela aplicação da nova regra assim que sancionada pelo Presidente da República, alertamos para a importância de analisar cuidadosamente cada caso para só então decidir se a adesão a ela é justificável, ou não. Essa análise deverá ser conduzida isoladamente para cada bem patrimonial e é válida ainda que a RFB defina que ou o contribuinte opta pelo REARP em bloco, isto é, abrangendo todos os seus bens constantes de sua Declaração, ou não poderá a ele aderir.
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Dr. Franco, muito oportuno. Importante esclarecimentos sobre IR, permitindo um entendimento fácil. Parabéns!
ResponderExcluirPrezado, muito obrigado por sua participação e apreciamos muito estarmos contribuindo para a divulgação compreensível de temas complexos. Esperamos, sempre, cumprir como nosso dever de utilidade.
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