terça-feira, 11 de dezembro de 2018

ALTERAÇÕES IMPORTANTES QUE MEXEM COM OS DIREITOS DOS CONTRIBUINTES!



 


REDIRECIONAMENTO DA COBRANÇA FISCAL


Redirecionamento é o nome dado às situações em que o contribuinte é a pessoa jurídica (PJ), cujas dívidas tributárias venham a ser exigidas dos sócios, administradores, diretores, gerentes, etc, isto é, a cobrança originariamente contra a empresa passa a ser redirecionada para as pessoas físicas tidas pela lei como pessoalmente responsáveis (PFs).

Isso é possível ao se desconsiderar a pessoa jurídica. A desconsideração da personalidade jurídica já existe no Código Civil (art. 50) e no CTN (arts. 134 e 135). 

O novo Código de Processo Civil (CPC), que já vige há dois anos, criou uma figura processual denominada Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ – art. 133). 

Sua instituição, fundada no princípio da não surpresa (CPC, art. 9º), visou conferir garantia ao devedor (PF) contra o redirecionamento da cobrança, originariamente da empresa, para ele. E, também, garantia contra penhora on-line na conta das pessoas físicas representantes dos empregadores, no caso de execuções trabalhistas.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) baixou a Instrução Normativa 39, acolhendo essas novas regras do CPC.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deveria se manifestar sobre a aplicação do IDPJ nas execuções fiscais, até agora não se desincumbiu dessa tarefa.

Ocorre que os Tribunais Regionais Federais (TRF), 2ª instância da Justiça Federal (o STJ está acima dos TRFs) vêm decidindo no sentido de que o IDPJ não seria aplicável às execuções fiscais ao fundamento de que a responsabilidade tributária seria pessoal, isto é, tanto pode ser exigida da PJ, como das pessoas dos sócios, administradores, diretores, etc.

Isso é verdade, nas situações contempladas nos arts. 50 do Código Civil, 134 e 135 do Código Tributário Nacional.

Ocorre que a Lei de Execuções Fiscais (LEF – Lei 6830/80) não regulamentou essa situação. 

Para que a execução possa ser exigida das PFs é necessário que seus nomes constem, desde o início, da certidão da dívida ativa (CDA). Isso significa que quando da cobrança judicial as PFs já terão tido oportunidade de se defender na instância administrativa, que precede à judicial. 

O próprio STJ já decidiu nesse sentido – exigência da inclusão do nome da PF na cobrança desde o início da fase administrativa –inúmeras vezes, uma delas através do Agravo Regimental no Recurso Especial 1153333/SC.

Durante muito tempo as PFs, em suas defesas nesses casos de redirecionamento indevido vinham utilizando uma figura processual denominada Exceção de Pré-Executividade porque, dentre tantas razões, era por essa via possível defender-se sem o oferecimento de garantia, exigível no montante da dívida cobrada via execução fiscal.

O uso desse mecanismo processual (Exceção), para tal fim, vem sendo muitas vezes rejeitado pelo Judiciário sob o argumento de ser necessária a produção de provas, incabível nessa via processual.

É aí que IDPJ veio suprir essa lacuna justamente por permitir a defesa sem a necessidade de oferecimento de garantia. Tudo o que se visou com ele foi o exercício da ampla defesa, assegurada já que nele há espaço para produção de provas.

O problema é que enquanto o STJ não define essa questão, sócios, diretores, administradores, etc, deverão prosseguir se defendendo contra execução por via de embargos à execução, mediante garantia judicial no valor da CDA, mesmo havendo a possibilidade de se fazer uso do IDPJ, o qual, nos termos da lei, só é dispensável quando a desconsideração da personalidade jurídica já tiver sido requerida na petição inicial pela Fazenda Pública, hipótese em que será citado o sócio ou a PJ (CPC, art. 134, § 2º).

Como se vê, a Fazenda Pública pretende trilhar o caminho menos trabalhoso ou o que lhe oferece mais opções – como será visto sob o título subsequente.


AMPLIAÇÃO DAS HIPÓTESES PARA INCLUSÃO DE SÓCIOS, ADMINISTRADORES, EM COBRANÇAS


Atualmente vêm sendo aplicadas as regras da Portaria RFB 2284/2010, as quais preveem que só podem ser incluídos terceiros na cobrança fiscal (sócios, administradores, etc) quando o fisco lavra o auto de infração, considerando então essas PFs responsáveis pelo pagamento do tributo juntamente com a respectiva PJ.

A Receita pretende alterar isso para, através de Instrução Normativa submetida à consulta pública até o dia 6 de dezembro/2018, passar a incluir terceiros na cobrança a qualquer tempo, tanto durante o processo administrativo fiscal, quanto após finalizado este. 

Com isso, retirará do terceiro (sócio, administrador, etc), o direito de defesa atualmente existente desde o nascimento do processo administrativo, iniciado justamente com o auto de infração.

Além disso, se essa alteração vier a ser implementada a responsabilização do sócio, administrador, terá lugar também quando: a compensação tributária não for homologada; antes do julgamento do processo em primeira instância administrativa; depois da decisão definitiva do Conselho de Contribuintes (CARF); os débitos declarados não tiverem sido pagos.

São muito graves essas novas hipóteses porque em nenhuma delas se justifica o deslocamento da cobrança da PJ para a PF ou a inclusão dessa última como corresponsável pelo pagamento da obrigação tributária.

Já chegaram a nós casos em que o Ministério Público (MP) tem encaminhado carta de cobrança aos sócios informando-os sobre a exigência de pagamento, pessoalmente, só porque a empresa está inoperante, num dos casos, por 4 anos. A alegação do MP: a empresa foi encerrada sem comunicação de sua baixa, daí justificar-se o redirecionamento da cobrança do passivo tributário existente contra os sócios!

Entretanto, não existe na lei absolutamente qualquer previsão que autorize concluir pelo encerramento de atividades só porque a empresa esteja inoperante. Isso é abertamente ilegal.

Para piorar, a defesa apresentada pelas PFs não suspenderá a exigibilidade do crédito tributário, de modo que a cobrança poderá ocorrer a qualquer tempo, antes de apresentada a defesa ou no curso dela.

Acreditamos que na maioria dos casos somente o Judiciário deverá afastar essas ilegalidades, provocadas pela própria administração pública.

DIVULGAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO FISCAL NO SITE DA RECEITA

Quando no curso de uma autuação fiscal o fisco entende presente a existência de crime contra a ordem tributária e contra a Previdência Social (Lei 8137/90), seus chefes oficiam para o Ministério Público (MP) que vai analisar se presentes os pressupostos para a configuração do crime para, na sequência, sendo o caso, ser encaminhada a denúncia ao juízo criminal. A isso se denomina representação fiscal para fins penais.

Isso sempre foi assim e essa informação ficava confinada às partes, MP e contribuintes. A Portaria RFB 1750 de 12 de novembro/2018 alterou isso, passando a dar publicidade à representação fiscal.

Passarão a ser divulgados no site da Receita nomes da PF ou PJ, CPF ou CNPJ, número do processo, além do ato ou fato gerador da representação fiscal, informações essas atualizáveis mensalmente até o dia 10.

Esses dados somente serão excluídos do site da Receita com o pagamento do débito (quando parcelado, for pago integralmente), por decisão administrativa ou judicial que deixar de considerar a pessoa responsável ou corresponsável ou por determinação judicial.

Trata-se de evidente forma de coação – sanção política, a qual vem sendo reconhecida ilegal pelo Judiciário, notadamente STF – de vez que o contribuinte poderá, no curso de sua defesa, vir a ser declarado não devedor, quer na instância administrativa ou judicial e, no entanto, terá seu nome divulgado para o público em geral, em flagrante violação ao seu direito de sigilo fiscal. 

Outro aspecto curioso: se o STF já pacificou o entendimento de que o parcelamento, enquanto estiver sendo pago, suspende a ação penal, por que não produz o mesmo efeito em relação à divulgação da existência da representação fiscal para fins penais? Se o parcelamento pode o mais, pode também o menos. Isso é princípio de Direito.

A Receita alega que essa divulgação, ao dar publicidade, atende ao dever de transparência da administração pública exigida pela Lei de Acesso à Informação (Lei 11572/11). Entretanto, com base nessa mesma lei, já requeremos por diversas vezes à Receita, sem sucesso, o conta correntes de contribuintes para apurar se efetivamente devedores de montantes exigidos em autos de infração uma vez que, anteriormente, haviam retenções na fonte. 

Tivemos que ir ao Judiciário outras tantas vezes porque todas as informações prestadas pela Receita no âmbito de medidas judiciais por nós propostas (Habeas Data), não informavam nada além daqueles dados a que os contribuintes normalmente têm acesso no site oficial.

O que se tem de concreto com essa inovação aqui informada é o intuito de constrangimento ao invés do de publicidade. As pessoas serão expostas como criminosas. 

A dúvida é: como e quem irá reparar os danos eventualmente sofridos pela empresa e sócios se essas informações impactarem seus negócios, restringindo suas atividades negociais, comerciais ou pessoais? A solução será demandar contra a administração pública exigindo reparações.

Há evidente conflito entre essa divulgação e princípios constitucionais da moralidade administrativa, contraditório e ampla defesa, além de inadequação da providência estatal ante a punição antecipada.

CANAL PARA RECEBIMENTO DE DELAÇÃO

Por meio da Portaria 27 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi disponibilizado, em 12/01/2018, um Canal de Denúncias Patrimoniais (CDP), na internet, para recebimento de denúncias que facilitem a recuperação de créditos inscritos em Dívida Ativa da União (http://bit.ly/2G8BtDi).

Agora a PGFN criou o Canal de Auxílio à Garantia da Justiça Fiscal, mecanismo pelo qual o contribuinte que tiver conhecimento de qualquer vantagem tributária obtida por um concorrente, por meio de decisão judicial, poderá compartilhar essa informação com a PGFN, bastando indicar o nome da empresa para que esta busque a decisão.

O objetivo da PGFN, com isso, é que todos paguem os tributos devidos ou que ninguém os pague! Como se trata de iniciativa da PGFN, é óbvio que ela irá buscar todos os meios para que todos paguem! Jamais para que não paguem!

De se observar que muitas vezes – ou, vá lá, diríamos, quase sempre! – o contribuinte que vem a tomar conhecimento sobre alguma decisão favorável obtida por seu concorrente vai pensar, e provavelmente agir, no sentido de obter ele próprio o mesmo benefício.

Qual seu interesse em “denunciar” o benefício que vem auferindo seu concorrente? É claro, a menos que se trate de uma tese muito arriscada, cujo risco à maioria não interesse incidir e que enseje suspeitas de ilicitude praticada por seu concorrente ou mesmo de indução do Judiciário ao erro que lhe tenha favorecido tal decisão.

........................

Esses temas, em seu conjunto, têm potencial para esgarçar ainda mais a já fragilizada relação fisco x contribuinte, empurrando as discussões para o Judiciário, o qual já se ressente de tanta litigiosidade entre a administração pública e o contribuinte. Mas não há outra solução. Do contrário implicaria aceitar, passivamente, as exigências impostas pelo fisco, muitas vezes, como se vê, contra a Constituição, Códigos, leis, regulamentos.

Franco Advogados Associados

11.12.2018


Matéria correlacionada: 

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

COMPENSAÇÃO/RESTITUIÇÃO DE TRIBUTOS FEDERAIS – ALGUMAS QUESTÕES AINDA PENDENTES



 



I – MOMENTO DO RECONHECIMENTO DO DIREITO DE COMPENSAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL


Vamos retomar aqui a questão da compensação tributária originada de discussão judicial que envolve a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS. 

Importante ter claro que o entendimento aqui exposto é extensível a qualquer compensação tributária federal, no que aplicável.

A Solução de Divergência COSIT 19/2003 dispõe que os benefícios econômicos decorrentes de ações judiciais devem ser reconhecidos no resultado imediatamente após a ocorrência do trânsito em julgado, quando a sentença se torna irrecorrível.

Existem dois elementos a serem considerados:

COMPENSAÇÃO DE FATOS GERADORES PASSADOS

Quando o contribuinte tem reconhecido o seu direito por consequência do trânsito em julgado, apura o montante compensável e, se tributado no regime do Lucro Real, deve reconhecer esse resultado por competência nas bases de cálculo do Imposto de Renda + Contribuição Social sobre Lucro Líquido (IRPJ + CSLL), isto é, imediatamente, embora financeiramente vá desfrutar desse direito durante o período em que ocorrer a compensação.

FATOS GERADORES FUTUROS

Quando a decisão transitada em julgado reconhece direito pretérito e futuro, obviamente que, nesse caso, como no aproveitamento futuro da decisão judicial as despesas tributárias já estarão sendo apuradas com o efeito da exclusão do ICMS nas bases de cálculo do PIS/COFINS, nenhuma providência deve ser adotada, especialmente aquela referida sob o título “Compensação de Fatos Geradores Passados”. Em relação ao passado, incide os esclarecimentos ali referidos.

Quanto a este item “Fatos Geradores Futuros”, há entendimento doutrinário no sentido de que, como o direito de compensação só será exercitado após a habilitação do crédito, porém por conta e risco do contribuinte já que o montante compensado deverá ser homologado dentro do prazo de 5 anos, assim é que, até lá, a compensação é provisória, de modo que o reconhecimento da receita deveria ocorrer somente após a extinção definitiva do crédito tributário, materializada com a homologação da compensação (CTN, arts. 4º, 150, par. 4º e 156 II). 

Ou, se inexistente tal homologação, após o efetivo transcurso do prazo de 5 anos contado de cada compensação (ou da compensação, se ocorrida num único ato, quer dizer, não desdobrada ao longo de meses/anos).

Outra posição doutrinária intermediária vai no sentido de que a compensação deveria ser reconhecida na medida da efetivação de cada compensação já que nesses momentos é que ocorreria a realização financeira do direito reconhecido judicialmente.

A adoção dessas alternativas indicadas pela doutrina comporta riscos porque no regime de competência o momento do reconhecimento de receitas está estabelecido em lei (DL 1598/77, Lei 12973/2014). 

Em razão da aplicação do regime de competência, próprio das empresas tributadas pelo Lucro Real, pensamos que tais teses seriam defensáveis com menor grau de segurança, embora aquela que adota o reconhecimento após o transcurso de 5 anos esteja embasada em boa fundamentação lógica.

A propósito, por meio do Ato Declaratório Interpretativo (ADI) 25/2003 a RFB diz não incidir PIS/COFINS sobre tributos recuperados.


II – INCIDÊNCIA IRPJ E CSLL SOBRE JUROS SELIC


Este tema se conecta com aquele comentado imediatamente acima visto que enquanto naquele se analisa o momento do reconhecimento da receita para efeito de incidência do IRPJ/CSLL, neste se discute se a Selic que corrige o montante restituível/compensável é tributada pelo IRPJ/CSLL.

A questão que se coloca: é exigível IRPJ/CSLL sobre a taxa Selic na restituição/compensação de tributos recolhidos indevidamente?

A taxa Selic é composta de juros e correção monetária. Juros, no caso, tem natureza indenizatória. Correção monetária tem natureza de recomposição do poder aquisitivo da moeda. 

No Recurso Extraordinário 1.063.187, pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, discute-se se deve incidir IRPJ/CSLL sobre a Selic aplicável na restituição/compensação de tributos recolhidos indevidamente.

Ambas as questões aqui apresentadas têm potencial para gerar novas disputas entre fisco x contribuintes. Ainda porque se o fisco não tivesse exigido tributo indevido ao longo do tempo, nada haveria a ser restituído/compensado, logo sequer se cogitaria de reconhecimento de receita tributada pelo IRPJ/CSLL oriunda de restituição/compensação.

Os contribuintes que ainda não foram ao Judiciário discutir o direito de excluir o ICMS/ISS da base de cálculo do PIS/COFINS, se o fizerem, obterão duplo benefício: poder retroagir os efeitos benéficos da decisão aos últimos 5 anos anteriores à distribuição da ação (inclusive efeitos futuros, obviamente), além de evitar a modulação dos efeitos da decisão do STF que reconheceu o direito dos contribuintes à exclusão do ICMS na base do PIS/COFINS (Recurso Extraordinário 574.706/PR de 15.03.2017, publicado em 02/10/2017).

Franco Advogados Associados

23 de novembro de 2018.

TEMA CORRELACIONADO:

terça-feira, 30 de outubro de 2018

ICMS A SER EXCLUÍDO DA BASE DE CÁLCULO DO PIS/COFINS – PARTE II








ENTENDA O CASO

Em 23.10.2018 a RFB fez publicar a Solução de Consulta Interna COSIT (SCI) 13, documento de 30 laudas.

Votamos a esse tema dada sua relevância (http://bit.ly/2IaEYt9). 

Por ela a RFB se posicionou oficialmente sobre qual o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS.

Para sustentar sua tese, num dos trechos o Parecerista afirma que todos os Ministros do STF, inclusive aqueles que foram voto vencido na decisão que, a final, consagrou a tese dos contribuintes (STF – RE 574.706/PR de 15/03/2017, publicado em 02/10/2017), concluíram que o ICMS excluível é aquele resultante do confronto débito/crédito (princípio da não-cumulatividade próprio do ICMS), ou seja, dedutível é o ICMS recolhido aos cofres estaduais. Não pode ser excluído o ICMS destacado na NF.

SCI 13 – LEITURA OBRIGATÓRIA

Todos aqueles que por qualquer razão tenham interesse neste tema devem, necessariamente, ler a íntegra da SCI 13 ainda porque ela contém instruções de natureza operacional, o que demanda seu conhecimento, mesmo por parte daqueles que optarão por descumprir as orientações nela contidas, excluindo o ICMS destacado na NF ao invés de o ICMS apurado em conta gráfica (crédito menos débito).

A POLÊMICA

A afirmação do Parecerista atrás exposta não é verdadeira. A decisão do Supremo Tribunal Federal ou não contém tal afirmação, ou é em sentido contrário, especialmente o voto da Ministra Cármen Lúcia, Relatora para o processo, cristalizado em sentido exatamente oposto ao afirmado pelo Parecerista da RFB. Veja-se:

“ (...)
6. Poder-se-ia aceitar que a análise jurídica e a contábil do ICMS, ambas pautadas na característica da não cumulatividade deste tributo, revelariam que, assim como não é possível incluir o ICMS na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, também não seria possível excluí-lo totalmente, pois enquanto parte do ICMS é entregue diretamente ao Estado, parte dele se mantém no patrimônio do contribuinte até a realização da nova operação.
Entretanto, a análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há que levar em consideração o conteúdo normativo do art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, ou seja, examina-se a não cumulatividade a cada operação:
(...)
7. Considerando apenas o disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, pode-se ter a seguinte cadeia de incidência do ICMS de determinada mercadoria:


INDÚSTRIA
DISTRIBUIDORA
COMERCIANTE
CONSUMIDOR
VALOR SAÍDA
100
150
200
-->
ALÍQUOTA
10%
10%
10%

DESTACADO
10
15
20

A COMPENSAR
0
10
15

A RECOLHER
10
5
5


Desse quadro é possível extrair que, conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na ‘fatura’ é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições.
Portanto, ainda que não no mesmo momento, o valor do ICMS tem como destinatário fiscal a Fazenda Pública, para a qual será transferido.
8. Por ser inviável a apuração do ICMS considerando cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, resolveu-se adotar o sistema de sua apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços. Esta é a chamada análise contábil ou escritural do ICMS.
(...)”

Resumidamente, porque o ICMS destacado na NF será em algum momento recolhido aos cofres da Fazenda Estadual, todo ele deve ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS, concluiu a Ministra Carmén Lúcia, relatora do RE 574.706/PR.

OS EFEITOS QUE ESSA DIFERENÇA CONCEITUAL TRADUZ

Para se ter uma ideia do efeito financeiro que desse entendimento da RFB exteriorizado na SCI 13 resulta, valemo-nos de quadro exposto na referida SCI:

ESPECIFICAÇÃO
PESSOA JURÍDICA

TOTAL DA CADEIA DE COMERCIALIZAÇÃO
INDUSTRIAL
ATACADISTA
VAREJISTA

VALOR DAS SAÍDAS             (NF Vendas)
1.000,00
1.500,00
1.800,00


ALÍQUOTA ICMS (operações internas)
18%
18%
18%


ICMS DESTACADO 
(débitos sobre vendas)
180,00
270,00
324,00
-->

774,00
ICMS A COMPENSAR (créditos sobre compras)
100,00
180,00
270,00
-->

550,00
ICMS A RECOLHER

80,00
90,00
54,00
-->

224,00


Vale dizer, se o ICMS excluído da base de cálculo do PIS/COFINS for aquele destacado na NF, no exemplo acima (no ciclo econômico ali exposto: indústria, atacado, varejo, comércio), totalizará R$ 774,00. Já se baseado no saldo débito/crédito (princípio da não cumulatividade, próprio e específico para o ICMS) defendido na SCI 13, R$ 224,00! Uma variação para menos de 71,06%!

O ERRO DE SE COMPARAR CONCEITOS NÃO AFINS

Essa variação percentual em prejuízo do contribuinte, apesar de expressiva, não é o que interessa aqui. O que interessa é a análise unicamente de conceitos jurídicos.

É muito comum ver, até mesmo entre advogados, a dificuldade de separar conceitos pré-jurídicos (econômicos, financeiros, contábeis, etc) de conceitos jurídicos, ou mesmo misturar conceitos jurídicos próprios de áreas distintas.

Veja-se que na SCI 13 o Parecerista vale-se do princípio constitucional da não cumulatividade, próprio e aplicável ao ICMS, para defender seu entendimento de que o ICMS excluível do PIS/COFINS é aquele apurado mensalmente com base no confronto entre débito e crédito do imposto.

O QUE DEVE SER JURIDICAMENTE COMPARADO

A base de cálculo do PIS/COFINS é a receita bruta, na qual incluem-se os tributos sobre ela incidentes (Lei 1598/77, art. 12, § 5º).

Ora, qual o efeito do julgamento do STF (RE 574.706/PR) senão a determinação de exclusão do ICMS da receita bruta?

Quando da receita bruta são excluídos os tributos sobre ela incidentes, tem-se a receita líquida.

Dito de outro modo, o STF decidiu que, para fins de determinação da base de cálculo do PIS/COFINS, exclusivamente em relação ao ICMS, a base de cálculo de ambas as contribuições é a receita líquida (receita bruta menos ICMS).

E qual é o ICMS utilizado na determinação da receita líquida? É aquele destacado na NF ou aquele apurado após o confronto da conta escritural de ICMS (crédito menos débito)?

A resposta é óbvia: excluído da receita bruta para determinação da receita líquida é o ICMS destacado na NF.

O princípio da não cumulatividade invocado pelo Parecerista para validar sua tese é instituto próprio do ICMS e que nada tem a ver com o conceito de receita bruta ou líquida.

Pode-se alegar estarmos aqui incorrendo no mesmo erro ao nos valermos de conceitos próprios da contabilidade e do imposto de renda aplicáveis na apuração do lucro real.

Essa alegação não prospera posto inegável que se a receita bruta é base de cálculo do PIS/COFINS e o STF mandou dela excluir o ICMS, o que resulta é receita líquida e, na apuração desta, o ICMS dedutível é exatamente aquele destacado na NF.

Não vale a aplicação dessa realidade conceitual para determinação da receita líquida (bruta menos ICMS) e, quando se trata de expurgar da base de cálculo do PIS/COFINS o ICMS nela incluso, concluir que dito conceito não mais deve ser aplicado, substituído por outro conceito: princípio da não cumulatividade do ICMS.

O que tem o princípio da não cumulatividade do ICMS a ver com receita líquida, afinal?

Tão verdadeira é a afirmação de que a exclusão do ICMS destacado na NF é aquele dedutível da base de cálculo do PIS/COFINS que, não tivesse relevância alguma – como quer o Parecerista ao invocar a LC 87/96 para concluir ter mera função de destaque e controle para o fisco – , na apuração da receita líquida seria indicado o saldo do confronto débito x crédito.

Enfim, e aqui está o corolário lógico: se da receita bruta é deduzido o ICMS destacado na NF é porque a receita bruta embutia esse montante o qual deve, em acatamento pleno à decisão do STF, ser excluído. Simples assim.

ESSA QUESTÃO NO STF

A propósito, imperativo esclarecer que, ao tentar reverter o “prejuízo” advindo de anos de, com o perdão da força da expressão, roubalheira encetada contra os contribuintes – o que torna esse suposto prejuízo inexistente –, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) obstinadamente concentrou esforços junto ao STF para convencê-lo a aplicar o seu entendimento a partir de 2019 (modulação de efeitos), com o fim de dar tempo para alterar sua legislação tributária aumentando as alíquotas para compensar as “perdas”.

Ao mesmo tempo em que postulou junto àquela Corte no sentido de ter definido qual é o ICMS a ser excluído do PIS/COFINS.

Fez isto em 31.10.2017 por meio de embargos de declaração, o qual não foi julgado e provavelmente não o será de vez que a modulação de efeitos deveria ter sido postulada em tempo próprio e não através de embargos de declaração.

É dizer, se nos termos da SCI 13 enfaticamente sustentado pelo Parecerista o tema já se encontra definido pelo STF, por que então a PGFN postular nesse exato sentido de esclarecimento por via de embargos de declaração?

Mais ainda: se a dúvida ainda se encontrava pendente de solução a justificar pedido de esclarecimentos ao STF, por que a SCI 13 passou por cima da decisão daquela Corte antecipando-se a ela ao definir algo que a ela ainda não definiu?

NOSSA POSIÇÃO SOBRE O CASO

Nosso entendimento é que esse episódio reforça escancaradamente a má-fé da administração pública nas suas relações com os contribuintes. Aqueles que se impressionarem com a força de uma Solução de Consulta, com o risco de autuação fiscal, etc., passarão a ou prosseguirão excluindo da base de cálculo das ditas contribuições o ICMS apurado via conta gráfica (crédito menos débito) e, nesses casos o fisco ganhará, e muito. No exemplo desenhado na SCI 13, esse ganho fazendário equivale a 245,54%.

Nosso posicionamento sempre foi no sentido de que o entendimento fiscal tem o mesmo valor do entendimento do contribuinte. A diferença – sua manifestação vincula o contribuinte e se desrespeitada implica em autuação fiscal – não deve impressionar porque quem a final decidirá será o judiciário.

E este, no único caso no julgamento do RE 574.706/PR a nosso ver detidamente explicitado – porém ignorado pelo Parecerista – já conta com uma manifestação favorável aos contribuintes. Além, é claro, da lógica jurídica aqui exposta.

Franco Advogados Associados
30 de outubro de 2018

TEMAS CORRELACIONADOS: