quinta-feira, 22 de março de 2018

QUAL É O ICMS A SER EXCLUÍDO DA BASE DE CÁLCULO DO PIS/COFINS?


ICMS EXCLUÍVEL DO PIS/COFINS




ICMS EXCLUÍVEL DO PIS/COFINS. Como amplamente sabido e divulgado, o Supremo Tribunal Federal já decidiu em favor dos contribuintes nas discussões envolvendo a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS (RE 574.706).

Dado que a União Federal vem perdendo essa discussão, a Procuradoria da Fazenda Nacional resolveu direcionar sua artilharia para o montante do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS, levantando a tese de que este deve ser o valor efetivamente recolhido ou pago pelo contribuinte titular de decisões judiciais favoráveis.

Regra geral o ICMS incide sobre o valor da operação que, na prática, é o preço da mercadoria ou serviço tributado por esse imposto (LC 87/96, art. 13, I). A base de cálculo do PIS/COFINS era o faturamento (Lei 10.637/2002 e Lei 10.833/2003, art. 1º, § 2º) – a partir da Lei 12.973/2014, passou a ser o total das receitas auferidas. Prossegue sendo o faturamento nos casos em que este equivalha ao total das receitas auferidas.

A rigor, no tocante à operação mercantil, via de regra as bases de cálculo do ICMS e do PIS/COFINS traduzirão o faturamento.

O PIS/COFINS a ser recolhido pelo contribuinte vendedor é aquele resultante da aplicação da alíquota cabível (PIS = 0,65% ou 1,65%; COFINS = 3% ou 7,6%) sobre o valor faturado para seu cliente.

Já o ICMS a ser recolhido é o resultado da aplicação da alíquota cabível (geralmente, 18%) sobre o preço da mercadoria ou serviço, deduzido o crédito apurado pelo contribuinte em sua escrita fiscal nas operações anteriores, dentre elas, aquela em que os tais bens foram adquiridos ou matérias primas para produzi-los foram adquiridas.

Portanto, o ICMS a ser recolhido a cada mês pode ser igual ao valor destacado na NF pelo contribuinte vendedor, pode ser menor ou pode ser zero, dependendo do montante de crédito que possua em sua escrita fiscal.

Em vista disto, qual o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS? A Fazenda Nacional, como exposto, vinha sustentando que deveria ser aquele recolhido pelo contribuinte. Os contribuintes, a sua vez, passaram a defender que deveria ser exatamente aquele destacado nas NFs de Vendas.

No julgamento do RE 574.706 a Ministra Carmen Lúcia definiu a questão confirmando que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS é aquele destacado na NF de Venda emitida pelo contribuinte intitulado judicialmente a promover a dita exclusão para, então, recolher a contribuição ao PIS/COFINS pelo montante legalmente devido.

O argumento utilizado pela Ministra Carmen Lúcia é que, na sistemática de débito-crédito, própria do ICMS, em algum momento ele será integralmente recolhido e, assim, jamais constitui receita do contribuinte de modo que o ICMS não é faturamento e, portanto, não deve compor a base de cálculo do PIS/COFINS. 

Todo o ICMS não se inclui na definição de faturamento não podendo compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS/COFINS. Concluiu, pois, que “o valor correspondente ao ICMS não pode ser validamente incluído na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS”.

Desse modo, ao calcular o montante do ICMS a ser excluído da base do PIS/COFINS, o contribuinte deve estar atento quanto ao seu direito e, mais que isto, dever de levantar todas as NFs compreendidas dentro do período em relação ao qual tenha direito de promover tal exclusão e lançar em sua planilha de cálculo exatamente o ICMS destacado em cada uma de suas NFs de Vendas.

Do contrário, estará exercitando apenas parcialmente seu direito reconhecido em decisão judicial, o qual, dependendo do montante dos créditos de ICMS apurados mensalmente, poderá representar diferença substancial podendo chegar, em hipótese extrema, a exclusão de ICMS igual a zero, o que não faz qualquer sentido na medida em que, em algum momento – como bem reconheceu a Ministra Carmen Lúcia em sua decisão –, o saldo desse ICMS que consta no Livro de Registro de Crédito do ICMS será totalmente consumido e, assim, o ICMS sempre será integralmente recolhido. Jamais representará faturamento ou receita auferida nos termos da Lei 12.973/2014.

Esse alerta é particularmente relevante nesse momento em que muitos contribuintes estão às voltas com levantamentos desse ICMS excluível do PIS/COFINS.

Franco Advogados Associados

22 de março de 2018





quarta-feira, 21 de março de 2018

INCONSTITUCIONALIDADE DO AUMENTO DA TAXA SISCOMEX


STF AFASTA REAJUSTE DA TAXA SISCOMEX DESDE 2011




I – HISTÓRICO


Em 1998 o governo federal promulgou a Lei 9.716 instituindo a Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX, administrada pela Receita Federal (art. 3º, caput), no valor de R$ 30,00 por Declaração de Importação (DI) e R$ 10,00 para cada adição de mercadorias à DI (art. 3º, I e II), para ser cobrada a partir de 01.01.1999 (art. 3º, § 5º).

O produto da arrecadação dessa Taxa SISCOMEX, como ficou conhecida, é destinado ao Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização – FUNDAF  (art. 3º, § 4º). A lei previu que o valor da Taxa poderia ser reajustado anualmente, mediante ato do Ministro da Fazenda, conforme a variação dos custos de operação e dos investimentos no SISCOMEX (art. 3º, § 4º).

Ou seja, parece que a Lei começou mal porque se a taxa devida pelos usuários do sistema é cobrada em função do registro de cada DI, destinada ao aperfeiçoamento das atividades fiscalizatórias, como vincular o reajuste anual com a variação dos custos de operação e dos investimentos no SISCOMEX?

De todo modo, importa é que o Ministério da Fazenda, por mais de 12 anos manteve-se inerte no tocante ao reajustamento da taxa SISCOMEX até que em 2011 a Portaria MF 257 (23.05.2011), reajustou-a a partir de junho/2011, respectivamente, para R$ 185,00 (516,67%) e R$ 29,50 (195%). A inflação oficial do País, medida pelo IPCA-IBGE no período foi de 127,31%!

II – 1ª TURMA DO STF


Como não poderia deixar de ocorrer, esse disparatado abuso foi levado ao Judiciário. Após quase 6 anos, o STF reconheceu a inconstitucionalidade desse aumento (Agravo Regimental no RE 959.274/SC - DOU 13.10.2017).

Na ementa dessa decisão o STF proclamou seu entendimento de que a majoração por Portaria do MF afronta a legalidade tributária, declarando inconstitucional a majoração da Taxa SISCOMEX por meio desse ato normativo. E prosseguiu: em que pese a Lei 9.716/98 tenha permitido o reajuste, o legislador não fixou limites mínimos e máximos para essa delegação de poderes ao Ministro da Fazenda. Somente lei em sentido estrito é instrumento hábil para a majoração de tributos, nos termos da CF, art. 150, I (1ª Turma, Relator Min. Luiz Roberto Barroso).

III – 2ª TURMA DO STF


Em 30.11.2017 o STF concluiu que o Poder Executivo pode atualizar monetariamente os valores fixados em lei para a referida Taxa, porém em percentual não superior aos índices oficiais (RE 1.095.001/SC, Relator Min. Dias Toffoli).

Assim, deu provimento ao Recurso Extraordinário para declarar o direito de o contribuinte recolher a Taxa SISCOMEX conforme valores previstos na Lei 9.716/98, isto é, R$ 30,00 e R$ 10,00, respectivamente, ressalvando o direito de o Executivo atualizar monetariamente tais valores de acordo com a inflação nacional.

No dia 06.03.2018 o colegiado da 2ª Turma, por unanimidade, negou nesse mesmo caso provimento ao Agravo Regimental interposto pela União (RE 1.095.001/SC) entendendo que o reajuste implementado ultrapassou os limites e parâmetros estabelecidos pela jurisprudência do STF. Confirmou assim a decisão monocrática do Relator Min. Dias Toffoli.

IV – 2ª TURMA DO STJ


A Fazenda Nacional apresentou Nota Técnica afirmando que o reajuste ocorreu com base na lei e teve como justificativa o aumento real dos custos de manutenção, melhoria e expansão do sistema da receita, necessário ao atendimento do SISCOMEX, cujas receitas já não cobriam as despesas e custos com operação e investimento. Essa Nota Técnica não foi analisada pelo STJ porque apresentada somente após a análise do caso pelo tribunal, devolvendo assim o processo para o Tribunal Regional Federal de origem (4ª Região) para analisar os custos da operação e de modernização do SISCOMEX.

O TRF 4 (que engloba competência jurisdicional federal sobre os estados de RS, SC e PR), tem decidido por autorizar o reajuste da Taxa, mas até o limite de 160%, não de 500%. Agora, suas decisões, inclusive as do STJ se contrárias aos contribuintes, passarão a ser revistas no STF no sentido favorável aqui apontado.

V – EFEITOS DAS DECISÕES


Agora que o STF vislumbrou conteúdo constitucional nessa matéria, a conclusão a que chegar o STJ perde substancialmente sua relevância porque a questão sempre será endereçada, ao final, ao STF.

Inobstante no STF o tema até aqui não tenha repercussão geral valendo as decisões apenas e unicamente para as partes autoras em favor das quais prolatadas, tais precedentes já sinalizam para uma uniformização do entendimento daquela Corte, principalmente por se tratarem de decisões tomadas numa mesma direção e, por unanimidade, pelo menos da 2ª Turma e maioria da 1ª Turma.

Se houver divergência entre as duas Turmas do STF, a análise será levada para o Plenário do STF mediante provocação dos contribuintes por meio de Embargos de Divergência.

Por se tratar de taxa, subordina-se à prescrição quinquenal, de modo que o contribuinte que venha a questionar essa diferença (R$ 155,00 por DI + R$ 19,50 por Aditivo) terá direito retroativo aos últimos 5 anos, além de se beneficiar dos efeitos futuros já que deixará de pagar esses reajustes aplicados desde 2011.

Os contribuintes importadores devem urgentemente avaliar o impacto financeiro e, sendo o caso, ir ao Judiciário fazer prevalecer o seu direito ao pagamento legal e constitucionalmente exigíveis, não aquele que vem sendo indevidamente cobrado pela Receita Federal.

Franco Advogados Associados

21 de março de 2018


terça-feira, 20 de março de 2018

RESUMO DA POLÊMICA SOBRE A INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE A TUSD E A TUST








I – EVOLUÇÃO DO TEMA NA CONSTITUIÇÃO, LEI COMPLEMENTAR E JUDICIÁRIO


A Constituição Federal previu para viger provisoriamente, até que lei complementar viesse dispor acerca da tributação sobre energia elétrica, que as empresas distribuidoras seriam contribuintes ou substitutos tributários, numa ou noutra hipótese, responsáveis pelo pagamento do ICMS por ocasião da saída da energia elétrica de seus estabelecimentos, englobando desde a produção até a última operação, tomando por base de cálculo o preço então praticado na operação final (Ato das Disposições Constitucionais Provisórias, art. 34, § 9º).

A Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) veio então dar aplicabilidade à previsão constitucional, estabelecendo que lei estadual poderia atribuir a condição de substituto tributário (art. 6º, caput) às empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica, desde a produção até a última operação, sendo seu cálculo efetuado sobre o preço praticado na operação final (art. 9º, § 1º, II).

Esses são os fundamentos básicos constitucionais e complementares que regem o tema energia elétrica e ICMS. No plano legislativo inferior, o Convênio ICMS 117/2004 foi o responsável pela cobrança desse imposto sobre valores pagos sob a denominação TUST e TUSD, ao prever que a base de cálculo seria o montante correspondente à soma dos valores da conexão e encargos de uso do sistema de transmissão pagos às empresas transmissoras e quaisquer outros encargos inerentes ao consumo da energia elétrica, ainda que devidos a terceiros, devendo integrar o montante do próprio imposto.

A energia elétrica é gerada (geradoras: Itaipú Binacional, Furnas, por exemplo), a corrente de elétrons ingressa em linhas de transmissões e são distribuídas até o consumidor final. Nessa etapa, há a geração, transmissão e distribuição. Está-se a cogitar, até aqui, do consumidor final que, ante o baixo consumo, só tem a opção de adquirir a energia diretamente da distribuidora (exemplos: Light, Eletropaulo, Elektros). São os consumidores denominados cativos.

Pode haver, também, a etapa de comercialização, mas nesse caso enquadram-se os grandes consumidores os quais, ante a potência consumida podem firmar contratos com comercializadoras no mercado atacadista de energia e com a empresa de transmissão. Esses são os consumidores livres.

O governo federal autorizou a cobrança, nas contas de energia elétrica, da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (TUST – Resolução Normativa ANEEL – REN 559/2013) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica (TUSD), tratando ambas como ressarcimento do custo de transporte envolvido, calculado com base em critérios fixados pelo poder concedente (Lei 9.074/1995, art. 15, § 6º).

As contas de energia elétrica de consumidor cativo embutem o valor da energia propriamente dito, acrescido de uma rubrica (Distribuição) relativa ao uso da rede de distribuição (TUSD). E as contas do consumidor livre, indústrias, por exemplo, além da TUSD, acrescem a TUST. Assim, o valor da conta de energia que remunera a Distribuidora, é um somatório de:

ENERGIA + DISTRIBUIÇÃO (TUSD) + TRANSMISSÃO + ENCARGOS + TRIBUTOS

E o que compõe a rubrica tributos?

ICMS sobre a Energia + ICMS sobre a TUSD + PIS/COFINS + ICMS sobre PIS/COFINS

O que está em discussão atualmente, é exatamente esse ICMS sobre a TUSD e, nos casos em que couber, ICMS sobre a TUST.

Num caso concreto examinado, apenas o ICMS resultante de sua incidência sobre essa taxa (TUSD) representou 9,57% do total da conta de energia, o que não é pouca coisa, em termos percentuais. E muito menos inexpressivo, ainda, em termos de valores se se considerar 5 anos pretéritos mais o restante da vida consumindo energia elétrica.

A discussão judicial reinante perante o judiciário insurgindo-se sobre a TUST/TUSD tem por fundamento o fato de que o ICMS incide sobre a circulação de mercadoria e não sobre o serviço de transporte (transmissão) ou sua distribuição.

Examinando as rubricas acima, equivale a concluir que o consumidor adquire a energia, não a distribuição e a transmissão, de modo que o ICMS não deveria incidir sobre essas etapas intermediárias, inconfundíveis com a própria energia adquirida, esta sim considerada mercadoria para efeitos de incidência do imposto.

Noutro dizer, não incidiria o ICMS sobre o deslocamento da energia que, na verdade, sequer existe já que os feixes de elétrons estão permanentemente energizando a rede de transmissão, portanto permanentemente disponíveis na rede energizada e não em circulação (fato gerador do ICMS), até serem eles, elétrons, efetivamente utilizados pelo consumidor final, quando então a energia é transformada em iluminação, calor, frio, força motriz, etc.

O STJ já firmou o entendimento de que os consumidores finais estão legitimados para pleitear a repetição dos valores pagos indevidamente ao longo dos últimos 5 anos, a par de serem também detentores do direito de pleitear a cessação de sua cobrança em relação ao futuro contado do ajuizamento da ação.

Estima-se que os Estados perderão R$ 14 bilhões/ano de arrecadação – fala-se até em R$ 134 bilhões a perda total – e, São Paulo, sozinho, R$ 4,5 bilhões/ano. Cerca de 2 mil ações tramitavam no Judiciário paulista em março/2017. No Rio de Janeiro são mais de 3 mil ações equivalendo a R$ 1,4 bilhão/ano. E no Rio Grande do Sul, R$ 1,5 bilhão/ano, podendo vir a ser compelido a restituir aos consumidores R$ 7,5 bilhões relativos aos últimos 5 anos.

Dada a enorme demanda judicial, já há Incidentes de Resolução de Demandadas Repetitivas  nos Tribunais de Justiça estaduais de RJ, MG, PR, SC, SP e MS, as quais paralisam o andamento dos processos por um ano até que a jurisprudência seja firmada em alguma direção, valendo para todos os casos judicializados.

Até março/2017 o STJ vinha, por suas duas Turmas (1ª e 2ª), decidindo em favor da tese dos consumidores reconhecendo que TUST/TUSD não integram a base de cálculo do ICMS. Em 21.03.2017 a 1ª Turma, por maioria de 3 x 2 (vencidos os Ministros Napoleão Maia e Regina Helena Costa), decidiu de modo contrário, pela incidência do ICMS (REsp 1.163.020). Nesse julgamento o Relator (Ministro Gurgel de Farias) concluiu que a etapa de transmissão e distribuição não constituem mera atividade meio, mas atividade inerente ao próprio fornecimento da energia elétrica, de modo que a TUST (no caso julgado), integra o preço final da operação e, assim, a base de cálculo do ICMS.

Trata-se especificamente da Randon (fabricante gaúcha de carrocerias, consumidora do mercado livre) e, naquele caso, foi considerado que o ICMS deve incidir sobre a TUST ao entendimento de que a base de cálculo do ICMS abarca todos os custos de geração, transmissão e distribuição, no que foi então seguido pela maioria dos ministros daquela Turma.

Considerando que nas fases de transmissão e distribuição inocorre a transferência da titularidade jurídica ao consumidor final, o STJ tem aplicado sua Súmula 166 segundo a qual não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.

Obviamente que a titular da rede transmissora e da distribuidora muito provavelmente não se tratam de uma mesma empresa e, muito menos, o mesmo contribuinte, de modo a dificultar as justificativas para o cabimento da Súmula 166, mas também parece evidente que sua invocação se justificaria ante o fato de não haver uma circulação jurídica nos termos previstos na CF e na LC 87/96, já que contribuintes (ou substitutos tributários) são as empresas distribuidoras, responsáveis pelo pagamento do ICMS por ocasião da saída de energia elétrica de seus estabelecimentos, englobando desde a produção até a última operação, tomando por base de cálculo o preço então praticado na operação final. Mais sobre isto será discorrido ao final do presente.

O fato é que os precedentes favoráveis do STJ e dos Tribunais de Justiça estaduais têm majoritariamente atendido ao reclamo dos consumidores sob o fundamento de que nas fases de distribuição e transmissão da energia elétrica não se verifica a transferência da titularidade jurídica ao consumidor final posto que o ICMS somente incide nas operações que envolvem a comercialização destinada ao consumo pelo consumidor final.

Num desses casos julgados (REsp 960.476/SC), submetido ao rito dos recursos repetitivos, portanto deverá ser seguido pelos demais tribunais, firmou-se o entendimento de que o ICMS não é imposto incidente sobre o tráfico jurídico, não devendo ser cobrado por inincidir sobre celebração de contratos entre o consumidor e os fornecedores (geração, transmissão, distribuição) na contratação por demanda de potência elétrica, devendo incidir somente sobre a energia elétrica efetivamente consumida, de modo que outras rubricas não podem ser integradas à base de cálculo do ICMS por não constituírem fato gerador desse tributo.

Como dito, o STJ vinha decidindo pela impossibilidade de inclusão da TUST/TUSD na base de cálculo do ICMS (Agravo Regimental no REsp 1.135.984/MG; Agravo Regimental no REsp 1.278.024/MG; Agravo Regimental no REsp 1.408.485 e Agravo de Instrumento no REsp 1.607.266/MT).

Esse entendimento favorável foi acompanhado por diversos tribunais estaduais pelo País afora, um desses precedentes, apenas para citar, proferido pela 5ª Câmara de Direito Público do TJSP (Agravo de Instrumento 2127459-58.2017.8.26.0000) de agosto/2017.

Mais atrás citamos o julgamento do STJ de março/2017 (1ª Turma, REsp 1.163.020), contrário aos consumidores. Todavia, em 20.04.2017 a 2ª Turma foi chamada a se manifestar novamente e, contrariamente, manteve por unanimidade sua posição anterior, afastando o ICMS, fazendo referência ao tal julgamento da 1ª Turma, de março/2017, concluindo pela inexistência de qualquer alteração no cenário fático ou no contexto normativo a justificar modificação na interpretação que, há anos, vinha sustentando as decisões contra o ICMS pelas duas Turmas.

Nesse julgado de 20.04.2017 a 2ª Turma ainda invocou dispositivo do novo Código de Processo Civil o qual determina que as alterações jurisprudenciais devem observar a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança e da isonomia (CPC, art. 927, § 4º).

Ante esse impasse, em junho/2017 a questão chegou ao STF para análise de repercussão geral por meio do tema 956 (RE 1.041.816) e tema 176 de repercussão geral que versa sobre a incidência do ICMS sobre a demanda contratada de energia. O STF, vencido o Ministro Marco Aurélio Mello, concluiu pela natureza infraconstitucional da matéria, devolvendo a análise para o STJ.

Desse modo, há no STJ dois recursos cujos julgamentos deverão ter caráter vinculante porquanto submetidos à sistemática dos recursos repetitivos: REsp 1.669.635 encaminhado pelo TJSP (encontra-se sob a relatoria da Ministra Regina Helena Costa, que já se mostrou favorável à tese dos consumidores no julgamento dos Embargos no REsp 1.163.020 em março/2017); Embargos de Divergência opostos no REsp 1.163.020 (relator Ministro Herman Benjamin), cujo processamento na Corte Especial foi negado.

Espera-se para breve o julgamento de ambos os recursos pela 1ª Seção, que engloba as 1ª e 2ª Turmas do STJ.


II – NOSSO ENTENDIMENTO

Realmente é difícil escapar da armadilha conceitual proposta pelo Secretário-Geral do Sindicato dos Agentes Fiscais de Renda do estado de São Paulo (Sinafresp), cuja lógica se assenta no seguinte articulado: aceitar a tese dos contribuintes seria o mesmo que permitir a um consumidor que adquire um eletrodoméstico se negar a pagar os custos envolvidos no preço final. Prossegue: imagine um consumidor que vai a uma loja, paga R$ 3 mil por uma TV e sabe que desse total, R$ 200 foram embutidos a título de gasto de propaganda da marca. A partir dessa informação, nega-se a pagar o ICMS sobre aquela parcela. Para então concluir: a situação exemplificada é a mesma em que se assenta a discussão sobre a ilegalidade na exigência do ICMS sobre a TUST/TUSD (Valor Econômico, 29.03.2017).

A resposta a esse articulado está num aspecto talvez ainda não cogitado nas discussões levadas ao Judiciário: a natureza jurídica da energia elétrica, para efeito de tributação pelo ICMS, é mercadoria (Alcides Jorge Costa in A Constituição Brasileira – Interpretações, Forense 1988, p. 326). Para o Código Civil trata-se de bem móvel (art. 83, I)

Entretanto, como é de se notar, adstrita às suas peculiaridades pois diferentemente de uma mercadoria comum em que pela sistemática de débito-crédito (denominado “princípio da não cumulatividade”) todas as etapas da circulação são gravadas pelo ICMS, no caso da energia elétrica esse imposto só incide por ocasião da saída das distribuidoras, englobando desde a sua produção (ou geração) até a última operação, tomando por base de cálculo o preço na operação final (ADCT, art. 34, § 9º).

Utilizando um conceito um pouco mais elástico – por isso mesmo de validade constitucional discutível –, a LC 87/96 incluiu as empresas geradoras (não previstas na CF) ou distribuidoras (somente estas foram abarcadas no texto constitucional) de energia elétrica, para estabelecer que o ICMS incidirá desde a produção até a última operação, sendo o seu cálculo efetuado sobre o preço final praticado na operação final (art. 9º, § 1º, II).

O ICMS sobre energia elétrica, é prudente lembrar, veio substituir o imposto único de competência federal sobre energia elétrica exigido nos termos da CF anterior. E tal qual no perfil constitucional anterior, preservou a incidência única. O direito de crédito assegurado ao contribuinte industrial, por exemplo, em relação à energia consumida em seu processo fabril não desnatura esta conclusão quanto à unicidade de incidência do ICMS sobre energia elétrica.

Ora, se nos termos constitucionais, nas diversas fases desde a geração até a distribuição passando pela transmissão o ICMS apenas incide quando destinada ao consumidor final, o único modo de preservar essa unicidade é gravando-a uma única vez, na saída para o consumo.

Mas essa conclusão, é bem verdade, não resolve ponto crucial: a CF e a LC 87/96 dispõem que a base de cálculo é o preço praticado na operação final, o que em tese abarca todos os custos e despesas. A isso se redargui com a seguinte questão: a que preço final se refere a CF e a Lei Kandir? 

Ora, ora, se conforme preceitua a Constituição Federal a incidência é única e por ocasião da saída da energia elétrica das distribuidoras para o consumo final, só pode estar se referindo ao preço da energia elétrica produzida pela geradora, transmitida pela rede de transmissão e distribuída pela distribuidora – e, para utilizar uma expressão da moda quando se tratam de auxílios-moradias e quejandos –, sem qualquer penduricalhos, porque ela é a mercadoria gravada por incidência monofásica no momento do consumo, tal qual e na mesma monta cobrada pela geradora.

Anteriormente a isto, tudo o mais é irrelevante para efeito de determinação da base de cálculo pois, do contrário, equivaleria a que incidência teria lugar sobre todos os custos de geração e transmissão, além do que, deveria gerar direito de crédito para a distribuidora, é dizer, em todo o ciclo econômico envolvido, desde sua geração até o consumo. Pelo contrário, a CF e Lei Kandir foram expressas no sentido de autorizar a incidência apenas no consumo, e uma única vez.

Portanto, enfrentando os argumentos capciosamente articulados pelo Secretário-Geral do Sinafresp, a sua lógica não se revela razoável ao concluir pela incidência valendo-se de métodos comparativos inaplicáveis na espécie já que a energia elétrica não encontra paralelo com uma mercadoria comum – mesmo porque tem a natureza jurídica de mercadoria apenas para fim de incidência do  ICMS posto que sua natureza jurídica, conforme o Código Civil, como visto, é bem móvel (art. 83, I) e móvel não é sinônimo de mercadoria, podendo-o ser, ou não. Com efeito, não cabe sua comparação sequer com eletrodoméstico no qual embutidos, evidentemente, os custos de fabricação ou TV na qual embutidas despesas com propaganda.

Os argumentos aqui apresentados são válidos tanto para a hipótese de TUST/TUSD cobradas de consumidor cativo, quanto de consumidor livre, de modo que tem a virtude de afastar discussões reinantes no meio jurídico a partir da decisão do STJ, sobre sua aplicação a um ou a outro tipo de consumidor.

Ante todo o exposto é possível vislumbrar vitória dos consumidores, sejam pessoas naturais (consumidores cativos) e jurídicas (consumidores cativos ou livres) em mais essa discussão que em nada se assemelha, minimamente, com a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, por sinal, já bem avançada no STF em favor dos contribuintes. Embora essa tese seja também aplicável às contas de energia elétrica por incidir ICMS sobre PIS/COFINS. Seriam então duas ações, uma estadual, outra federal.

Franco Advogados Associados

20 de março de 2018