SANTAS CASAS E
HOSPITAIS BENEFICENTES – IMUNIDADE DO ICMS SOBRE ENERGIA ELÉTRICA (E TELEFONIA)
Um dos itens de peso
significativo nos custos das Santas Casas e Hospitais Beneficentes é, sem
dúvida, a energia elétrica, cujos sucessivos aumentos tarifários vêm impactando
profundamente o resultado dessas entidades beneficentes, comprometendo seu
patrimônio e, portanto, o atendimento aos seus assistidos.
Isto porque seu patrimônio é diminuído
não apenas pelo elevado custo da energia, como também pelo imposto estadual que
sobre ela incide. Isso vale também para a conta de telefonia. É óbvio que a
lógica que fundamenta esta tese é aplicável a tudo o que tais entidades
adquirem, como remédios, roupas de cama e banho, etc, e que embuta o ICMS no
preço. Mas, aqui, vamos nos focar no ICMS sobre energia elétrica por ser um dos
temas que têm sido levado ao Judiciário, algumas vezes com sucesso.
Para piorar o cenário, o ICMS
incidente sobre essas contas tem subido na proporção do aumento das tarifas, aliás,
o que vem repondo parte da perda da receita arrecadatória dos estados
federativos – reduzida pelo encolhimento da economia como um todo –, é
justamente o aumento do ICMS sobre energia elétrica decorrente do aumento da
base de cálculo das contas de energia.
O ICMS é calculado por dentro.
Assim, um consumo de energia no valor de 100 embute ICMS igual a 33,33, o que
resulta numa conta de consumo de energia elétrica a pagar igual a 133,33!
Atenção: o tema aqui abordado não
cuida propriamente da inclusão do ICMS na base de cálculo da conta de energia
porque isso é da sistemática desse imposto, tem previsão constitucional, razão
pela qual as discussões que chegaram ao Judiciário questionando essa forma de
cálculo foram sendo derrubadas, na maioria das vezes, em esmagador desfavor dos
consumidores.
O ponto, aqui tratado é a
cobrança da energia elétrica – e idêntico raciocínio vale também para a telefonia
–, de entidades beneficentes, as quais têm por razão de existir a complementariedade
das atividades estatais quanto à obrigação constitucional desta de atender à
saúde, através do Sistema Único de Saúde (SUS).
Essas entidades gozam de
imunidade tributária, não por favor algum, mas porque complementam as
atividades do Estado brasileiro naquilo que ele não consegue fazer, o que
significa dizer que os tributos – impostos e contribuições – sobre seu
patrimônio (IPTU, por exemplo), renda (IRPJ e CSLL) e serviços (ISS) tem sua
incidência afastada.
Entretanto essa imunidade alcança
os tributos que incidem sobre essas entidades ou suas atividades exclusivamente
no tocante aos seus patrimônios, suas rendas, inclusive serviços que prestam.
Dito de outro modo, a imunidade afasta dessas entidades a tributação todas as
vezes em que elas seriam contribuintes de quaisquer tributos (impostos e
contribuições), seja por possuir
patrimônio (imóvel e móvel, daí não incidem IPTU e IPVA), ter obtido renda (imposto de renda e
contribuição social sobre o lucro) ou prestar
serviços (ISS). Ou seja, são imunes exclusivamente em relação aos tributos
de que seriam contribuintes não fosse a imunidade constitucional de que
desfrutam.
Baseado no fato de que o Supremo
Tribunal Federal (STF) tem proferido várias decisões reconhecendo que o ICMS
não é devido na importação feita diretamente por essas entidades pois que o
ônus correspondente a esse tributo afetaria diretamente o patrimônio delas, de
modo que o conceito de imunidade sobre o patrimônio tem sido alargado pelo
Judiciário, muitas ações foram propostas ao longo dos anos objetivando afastar
a incidência do ICMS sobre contas de energia elétrica sob o fundamento de que
essas entidades sofrem a diminuição de seus patrimônios na proporção do imposto
que incide sobre a conta, no exemplo dado acima, igual a 33,33 sobre cada 100
de energia elétrica consumida. Na verdade essa diferença é um pouco menor, isto
é, igual a 26,66 se se tirar o ICMS da conta. Mas como há o PIS/COFINS que na
energia elétrica é igual a 5,55%, ao reduzir o valor da conta é também reduzida
a base de ambas as contribuições, aumentando o ganho, que passa a ser de 28,14,
mesmo assim, muito grande o impacto positivo nos gastos dessas entidades. Numa
única conta mensal, suponhamos, de R$ 300 mil, a diferença relativa ao ICMS
equivale a R$ 84.420,00! Em 12 meses está-se a cogitar de economia de R$ 1.013.040,00,
ou seja, mais de R$ 1 milhão/ano!!!
Entidades beneficentes vêm
questionando o ICMS sobre as contas de energia elétrica. O problema é que o
Superior Tribunal de Justiça (STJ), e também o STF têm concluído que os autores
dessas ações não possuem titularidade jurídica para ajuizar ações dessa
natureza já que não são, nesse caso, contribuintes do ICMS pois os contribuintes,
na verdade, são as distribuidoras de energia (CPFL, Eletropaulo, etc). Essas
decisões judiciais vão em sintonia exatamente com o que a legislação determina,
isto é, as entidades beneficentes da área da saúde são apenas contribuintes de
fato (assumem os ônus financeiros do ICMS repassado nas contas pelas
distribuidoras de energia, estas sim, contribuintes de direito).
Portanto, são dois os aspectos
centrais abordados pelas decisões judicias: a) a entidade beneficente não pode
ser parte ativa na ação (autora) contra o estado federativo (réu) que lhe cobra
o ICMS por não ser ela contribuinte do ICMS – apenas assume o custo desse
imposto embutido na conta de energia elétrica; b) a entidade beneficente, por
não ser contribuinte de direito do ICMS, não tem direito de gozar de imunidade,
nesse caso.
Em relação à letra “b”,
imediatamente acima, significa que a entidade tem direito à imunidade do ICMS
quando importa diretamente um bem para seu ativo (equipamento médico, por
exemplo) por ser, nesse caso,
contribuinte desse imposto, mas não tem o mesmo direito quando adquire energia
elétrica, exatamente por não guardar relação de contribuinte, senão de
consumidora final.
Apesar das diversas decisões do
STJ e também do STF nesse sentido, há uma decisão do mesmo STF, de 2009 (Agravo
de Instrumento 768682/SP, Min. Relatora Cármen Lúcia) abrangendo energia
elétrica e telefonia, que foi em direção frontalmente oposta e, melhor ainda,
transitou em julgado em favor da entidade beneficente do estado de São Paulo,
sem que este estado tivesse apresentado recurso. Essa decisão do STF foi
apoiada em outras, da mesma Corte: AI
669257-Agravo Regimental, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe
17.04.2009; RE 540725-Agravo Regimental, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe
13.03.2009; AI 535922, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 14.11.2008; RE
210251-Embargos Divergência, Redator para o acórdão, Min. Gilmar Mendes, Pleno,
DJ 28.11.2003.
Deste último julgado citado, importante
destacar que o Min. Gilmar Mendes ponderou seu entendimento favorável mesmo que
não onerado o contribuinte de direito, mas sim o contribuinte de fato. O que
importa, segundo ele, é ampliar a eficiência dos serviços prestados pela
entidade beneficente, concordando ele com uma interpretação mais elástica do
dispositivo constitucional, na linha anteriormente enfatizada por outros
Ministros daquela Corte, já aposentados, realçando pois a importância de se
analisar, no caso concreto, se o bem adquirido no mercado interno ou externo – e
nem é necessário distinguir, segundo ele, entre bens e patrimônio, dado que
este se constitui do conjunto daqueles –, integra o patrimônio da entidade
abrangida pela imunidade.
O entendimento que fundamentou
essa decisão acolheu a tese de que o conceito de imunidade tem que ser
interpretado em seu sentido ampliado, de modo que se o ICMS onera o patrimônio
da entidade ao diminui-lo na exata proporção do imposto que incide sobre a
conta de energia elétrica, esse tributo deve ser afastado.
Há diversas decisões de tribunais
locais adotando o entendimento favorável a essas entidades.
Em nossas pesquisas não
detectamos qualquer ação judicial em que a entidade beneficente (autora) tenha
demandado diretamente contra a companhia fornecedora de energia elétrica, ao
invés de contra o estado federativo (réu). Essa tese, possível, embute a
vantagem de afastar o risco de o juiz decidir contra a entidade, como em muitos
casos ocorre, com fundamento na ausência de titularidade da entidade para
integrar o polo ativo da ação porque se entre ela e o estado federativo não há
relação jurídica, já entre ela e a fornecedora de energia tal relação existe.
É claro que essa tese aqui
exposta não afasta: a) a necessidade de chamar o estado federativo ao processo
como parte interessada já que a fornecedora de energia elétrica não tem poder
algum sobre o ICMS, o que vale dizer que se deixar de cobrar esse imposto na
conta de energia dessas entidades, de duas a uma, ou deixará de recolher o
imposto ao estado ou, se o recolher, estará ela própria assumindo o custo do
imposto não repassado; b) a possibilidade de o juiz não reconhecer o direito da
entidade porque o fundamento de sua ação será a imunidade, à qual não tem
direito exatamente por não ser contribuinte de direito (apenas de fato),
conforme visto atrás.
Entretanto, como existe o
precedente favorável do STF, transitado em julgado, vale à pena a discussão, a
qual não abrangerá o passado (últimos 5 anos), mas valerá para o futuro – e
quase R$ 1 milhão de economia/ano, no exemplo posto atrás, significa ser muito
grande a vantagem!
Por que não valerá para o
passado? Exatamente porque, conforme essa tese aqui sugerida, se a demanda é
contra a fornecedora de energia, para retroagir os efeitos favoráveis da decisão
em benefício da entidade a fornecedora teria que assumir de seu caixa a devolução
do imposto que já recolheu aos cofres do estado nos últimos 5 anos. Muito
dificilmente essa tese teria respaldo jurídico, como de fato muitas vezes vem
ocorrendo. Todavia quanto a abranger direitos futuros, as chances são muito
boas e vale à pena. Por isso a recomendamos.
Franco Advogados Associados
29.07.2015
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